Nova vítima dos cancelamentos em série: Mindhunter está provavelmente morta, de acordo com David Fincher

 

Vitimologia: Entendendo Mindhunter

“Há 40 anos, o FBI foi fundado para caçar John Dillinger, Baby Face Nelson, Machine Gun Kelly. Criminosos que zombavam da sociedade, mas só visavam ganhos pessoais; agora temos violência extrema entre estranhos. Como agimos quando o motivo se torna elusivo?”. É partindo dessa premissa que Mindhunter acompanha a história dos agentes do FBI Holden Ford (Jonathan Groff) e Bill Tench (Holt McCallany) em sua tentativa de entender e capturar serial killers estudando sua psique. 

Para tanto, que melhor forma de adentrar a mente desses criminosos e compreender sua forma de pensar do que ir direto à fonte? Ao longo de seu processo de estudo, a dupla chega a entrevistar os mais notórios serial killers da história, como David Berkowitz,  o “filho de Sam” — Charles Manson, Jerry Brudos, Richard Speck e, principalmente, Edmund “Ed” Kemper — o “assassino de colegiais”.

O primeiro criminoso que visitaram, Ed Kemper, à época, servia diversas sentenças de prisão perpétua no Centro Médico Estadual da Califórnia, em Vacaville. Condenado por oito assassinatos em primeiro grau e acreditando ser a morte por tortura a punição adequada para seus crimes, Kemper surpreendeu o Holden da vida real, John Douglas, ao aceitar de bom grado conversar com ele e seu parceiro.

Inspirado na obra homônima, a série se mantém fiel em grande parte dos relatos dos agentes pioneiros do desenvolvimento do perfilamento criminal moderno, incluindo no modo carismático, encantador e extremamente eloquente de serial killers como Kemper. Douglas relata em seu livro e Groff, em sua brilhante atuação, explora como esses criminosos podem ser extremamente manipuladores a ponto de Holden/Douglas chegar a “gostar”, na medida do possível, de Ed. 

Com um casting espetacular, a série entrega momentos de significativo realismo, trazendo as nuances do comportamento dos entrevistados à um patamar quase palpável. Muitos dos atores, inclusive, apresentam semelhança tão assombrosa com os criminosos da vida real que é quase possível duvidar que algum ano tenha se passado desde sua prisão, e que as gravações foram de fato realizadas com os assassinos originais. Damon Herriman, que trouxe novamente à vida Charles Manson, interpretou o psicopata também em Era Uma Vez em… Hollywood, de Quentin Tarantino, e chocou com sua brilhante performance; mas o prêmio de casting perfeito merece ser entregue a Oliver Cooper, o famoso “filho de Sam”. 


Tendo como foco da primeira temporada o desenvolvimento e aplicabilidade dos métodos desenvolvidos por Holden e Bill, a direção de fotografia traz um ar acinzentado e cru, sem espaço para buscar emoções do público. Como valiosa adição ao time, ainda, e partindo da ideia de Holden de que devem utilizar todos os recursos disponíveis e falar com os mais inteligentes nos mais diversos campos, a professora de psicologia Wendy Carr passa a trabalhar com ambos desenvolvendo questionários, analisando respostas e separando os criminosos em diversas categorias.

Motivações: por que do “crime”?

Em janeiro de 2020, seis meses após a estreia da segunda temporada da série, os três atores principais foram liberados de seus contratos, deixando os fãs apreensivos sobre o futuro da série. Desde outubro o diretor David Fincher vinha trabalhando em seu décimo primeiro filme, Mank, para o qual gostaria de se dedicar exclusivamente, principalmente por ser extremamente pessoal para ele. 
Eis que a primeira versão do roteiro foi escrita pelo pai do diretor, o jornalista e roteirista Jack Fincher, trinta anos atrás. Jack faleceu em 2003, trazendo para o filme uma camada extra de homenagem ao trabalho que o pai iniciou, bem como uma continuação ao debate sobre cinema que ambos sempre tiveram — desde a infância do diretor. Sobre isso, Fincher revelou em entrevista recente para a Vulture que para Jack Fincher sempre se tratava de qualidade ao invés de quantidade. Com um pai abusivo e alcóolatra e uma mãe que trabalhava em período integral, Jack se criou em um cinema — um local calmo e seguro para ele. Desde pequeno Fincher foi exposto a clássicos como Dr. Strangelove, aos 9 anos; 2001: Uma Odisseia no Espaço, aos 7; e Cidadão Kane, — considerado pelo pai o melhor filme já feito — aos 12, graças a influência de Jack.

O diretor revelou que ambos tentaram realizar o filme entre 1997 e 1998, mas desistiram da ideia perto das gravações de O Quarto do Pânico (2002), visto que em 2001 nas palavras de Fincher “concordaram em discordar”. Pouco depois o pai adoeceu e passou seu último ano e meio fazendo quimioterapia e comentando sobre o filme que nunca chegaram a realizar, e, nesse ponto, já era de conhecimento de ambos que nunca chegaria a assistir. Porquanto, ao terminar a segunda temporada de Mindhunter, ao ser questionado por Cindy Holland e Ted Sarandos — vice-presidente de conteúdo original da Netflix e chefe de conteúdo do streaming à época, hoje co-CEO da empresa, respectivamente — sobre o que gostaria de fazer em seguida e se havia algo que sempre quis fazer, ele agarrou a oportunidade e pensou que o projeto já havia esperado o suficiente e era mais urgente no momento.


A primeira temporada de Mindhunter foi realizada sem showrunner, exigindo que Fincher suprisse essa falta semanalmente. Quando começaram a receber os roteiros da segunda parte do show, o diretor percebeu não ser do seu agrado nada do que estava escrito, os levando a recomeçar o processo de escrita. Ele trouxe também Courtenay Miles, uma assistente de direção com quem trabalhara e que ansiava escrever; por fim, ela acabou sendo co-showrunner da série. A ajuda foi bem-vinda, mas ainda era um trabalho de 90 horas semanais, absorvendo praticamente a vida toda do diretor, como ele mesmo coloca: “quando eu terminei estava muito exausto, e disse ‘eu não sei se tenho o que preciso agora para realizar a terceira temporada'”.


Para gravar a série, equipe e elenco viveram em Pittsburgh por volta de três anos, passando provavelmente de seis a sete dos doze meses lá ao longo desses três anos. E Fincher diz não se tratar de “ano sim, ano não”, mas de algo regular a ponto de terem residências e carros por lá. “Mindhunter era demais para mim”, ele completa.


Quando questionado diretamente se a série pode ser considerada oficialmente cancelada, Fincher respondeu que “penso que provavelmente”. A explicação seria de que para o público que tem, a série é muito cara e ele não acredita ser capaz de fazer uma terceira temporada por menos do que foi realizada a segunda. Talvez o único ponto de esperança que os fãs ainda tenham para se agarrar seja o fato de a Netflix não ter cancelado oficialmente o show ainda, com fontes afirmando que, apesar de não estar nos planos para um futuro próximo, a série pode ser revisitada “em cinco anos”. Francamente? Torcemos para que sim!

O que gostaríamos de ver em uma terceira temporada?

Mindhunter sempre extrapolou o gênero investigativo, trazendo para a série questões internas do FBI, a retroalimentação de influência entre política e investigações, o papel da mídia nos casos e como estes afetam a vida pessoal e psicológica dos agentes e, bem no ápice de sua problemática, a série entrou em hiato. Ademais, a segunda temporada começou a desenvolver duas subtramas extremamente intrigantes, que não viram resolução ao final do último episódio. Uma delas é a do filho do detetive Bill Tench, Brian, e como identificar e lidar com um psicopata em potencial, ainda mais em idade tão pequena; mais ainda, até que ponto a relação do detetive influencia sua imparcialidade de julgamento? Teria sido incrível ver o desenrolar desses questionamentos morais, não? Tanto que o próprio John Douglas perpassa por esses pontos no livro que originou a série.

“E, ao começar a identificar padrões, era possível tomar medidas proativas para capturar os criminosos”. “Nessa época, em que nomeações pareciam mais uma dança das cadeiras e julgamentos eram ditados pela opinião pública, era difícil compreender o nível de poder e controle exercido por Hoover, não apenas sobre o FBI, mas também sobre líderes governamentais, a mídia e o público em geral. (…) Agentes extremamente corretos e íntegros que entravam na agência eram obrigados a aprender a adulterar suas folhas de ponto”.

E para os fãs mais ávidos, a segunda subtrama deixada em aberto deve estar bem óbvia, certo? Sim, estamos falando do caso do BTK, mostrado através de trechos entre cenas, e tendo sido resolvido apenas em fevereiro de 2005 na vida real. A realidade é que os fãs estão de luto — inclusive esta que vos fala — e provavelmente adorariam ver mais temporadas da série até Jonathan Groff envelhecer, mas também é fato que a assinatura de Fincher é extremamente característica e Mindhunter não seria Mindhunter sem a genialidade do diretor. O fundamental agora é que Fincher se sinta pronto para voltar e o faça sem se desgastar da mesma forma, afinal não são só os agentes que precisam cuidar da saúde mental.

Título Original: Mindhunter

Direção: David Fincher, Carl Franklin e Andrew Douglas

Episódios: 19

Duração: 50 minutos

Elenco: Jonathan Groff, Holt McCallany, Anna Torv, Sonny Valicenti, Stacey Roca, Hannah Gross, Joe Tuttle, Zachary Scott Ross e Cotter Smith

Sinopse: Os agentes do FBI Holden Ford (Jonathan Gross) e Bill Tench (Hold McCallany), ambicionam desenvolver a primeira pesquisa nos EUA sobre como funciona a mente dos assassinos. Para tanto, precisam conquistar a confiança dos chefes da coorporação e reverter todo o conhecimento adquirido em uma forma de resolver casos em aberto.

E você, já está sentindo saudades da nossa amada série? Deixa aí embaixo seu comentário e o que você mais gostaria de ver em uma terceira temporada! 👮

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