Análise: 365 DNI (2020, Barbara Bialowas)


“Síndrome de Estocolmo é o nome dado a um estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo sentimento de amor ou amizade perante o seu agressor. A síndrome de Estocolmo parte de uma necessidade, inicialmente inconsciente.”


O filme que vem dando o que falar desde o seu lançamento pela Netflix, é baseado no livro homônimo da autora Blanka Lipińska e conta a história de Don Massimo Torricelli (Michele Morrone), um mafioso dominador que sequestra a polonesa Laura Biel (Anna-Maria Sieklucka) e dá a ela 365 dias para que ela se apaixone por ele. Basicamente essa é toda a história que você precisa saber.



A partir daqui, deixo claro que sua leitura é por conta e risco, pois vou comentar sobre todos os fatos da história e mencionar todos os spoilers possíveis!



O filme começa com uma reunião ao ar livre, onde Massimo e seu pai estão tentando fazer negócio com uma dupla que, conforme eles mesmos deixam claro, exploram sexualmente crianças, mencionadas como “novinhas”. Nesse mesmo lugar, Massimo está olhando para a praia e vê uma mulher, quando seu pai se aproxima, após alguns instantes os dois são baleados e seu pai morre.



Cinco anos se passam após esse momento e percebe-se que o personagem de Massimo é outra pessoa no começo do filme, seus gestos são mais leves, a cor das roupas são claras e até o penteado é diferente, mas tudo muda quando ele e seu pai sofrem o atentado. Após perdê-lo, ele precisa tomar as rédeas dos negócios e se torna uma pessoa mais fria e dura com todos, sempre conseguindo tudo o que deseja, quaisquer que sejam os meios para isso.







Enquanto ele, um mafioso, precisa mostrar seu poder para algumas pessoas possam “respeitá-lo”, temos em paralelo Laura se mostrando empoderada no seu emprego. Tentam assim igualar Laura com o Massimo como se eles tivessem a mesma personalidade. Nos apresentam o namorado de Laura como um tolo que não é capaz de “cuidar” dela e completá-la tanto sexualmente como na vida, ficando nítido que eles são duas pessoas bem distintas entre si, claramente incompatíveis, enquanto que o belíssimo Massimo se encaixa mais na sua vida como uma pessoa eloquente – apesar de ser mafioso e ter sequestrado ela – elegante e claro, muito rico. Desenha-se assim o homem ideal para ela.

Após o sequestro, ela acorda e entende sua situação, mesmo sendo uma mulher forte e mostrando que não vai aceitar as histórias dele, ele diz: “Vou te dar a chance de se apaixonar por mim” como se ele estivesse fazendo um favor à ela, dando 365 dias de prazo para isso acontecer.

O que é estranho em grande parte do filme é que, a princípio ela tenta fugir, como qualquer pessoa normal faria, mas um dia, quando ela tenta isso, vê ele matando um homem, mesmo ele explicando que tal sujeito merecia aquela punição, Laura passa a mudar seu jeito com ele, muito rapidamente eu diria, como se estivesse em um jogo. Às vezes parece que ela se diverte com a situação que está e Massimo a deixa fazer o que quiser, e de repente, em 5 minutos ele precisa mostrar que é o macho alfa e ser babaca com ela de alguma forma física, provavelmente para mostrar sua superioridade e fazê-la se lembrar quem manda realmente na situação toda.



Os diálogos são estranhos, a filme em si não faz sentido e caso você esteja achando ela uma chata por não aproveitar a “oportunidade”, preciso te lembrar que Massimo é um criminoso, assassino e sim, sequestrador, independente de sua aparência, não consigo entender como tanta gente romantiza sofrimento, por isso sinto a necessidade de fazer esse texto sendo totalmente seca em relação a tudo o que acontece, e se você não gostar do que eu escrevi, provavelmente você se encaixa nessas pessoas que eu tento atingir aqui. Tenha um pouco de paciência e leia tudo.

A personagem de Laura é bem incoerente, parece brincar com a situação de uma forma bem infantil, com joguinhos sexuais para ver até onde ele aguenta (?). Você faria isso com seu sequestrador? Claro, muito normal, e todas as vezes, ele dá uma “lição” nela, mostrando que ele continua sendo o superior. Sinceramente, ela parece uma criança brincando com fogo, quando ele começa a esquentar ela foge com medo, mas volta atrás e entra bem no meio dele depois, não dá para entender suas ações, porque em toda essa situação nada do que ela faz tem sentido.



Todas as cenas, de uma forma ou outra, tem um teor sexual alto, quase cortante, em que um fica provocando o outro, acredito que o filme tenta apresentar uma história de amor deturpada, que por fim não convence e nem trás verdade!




Depois de – pasmem – dois meses, ela finalmente aceita ele, isso depois dele salvar ela duas vezes em situações bem estressantes, é como se isso o deixasse apto para finalmente eles transarem. Mas como sempre, histórias que envolvem a máfia, mesmo essa que é bem morna e rasa, trazem consigo problemas para os personagens, Laura caiu de gaiato no meio de uma história e vira alvo de uma vingança pessoal da ex-namorada de Massimo, que se sente traída por ele. Mais uma vez o macho alfa ataca.



Colocam ele em um patamar tão alto e tão alvejado que chega a ser difícil contestar os motivos dele ser tão irresistível. Ele é bonito, educado (quando deseja ser), tem um grande poder na Sicília e é extremamente charmoso. Por outro lado, seus defeitos são ligados às tradições de sua família e a tudo que ele teve que aprender para seguir os negócios, transformando ele em uma pessoa desagradável em diversas vezes. Mas nada disso parece afetar tanto Laura quanto possa parecer, muito pelo contrário. Parece que tudo isso a fascina de alguma forma, ela estava acostumada a ser sempre a terceira opção, não estava feliz no relacionamento, tinha que lutar por respeito no serviço e de repente, esse homem majestoso aparece em sua vida, colocando ela em um pilar altíssimo, onde pela primeira vez, ela tinha um certo controle na situação.


Então quando ela volta para Polônia, parece ser uma mulher completamente diferente a mostrada até então. Divertida, engraçada e leve. Como se estivesse sem um peso a puxando, e mesmo assim, ainda sente a falta de Massimo, mesmo sua melhor amiga dando a ela uma perspectiva realista da situação, ela prefere ignorar, pois está apaixonada. 
Laura, apesar de parecer forte no começo do filme, é alguém que sempre necessitou de certa atenção e esteve presa em um relacionamento infeliz por muito tempo. De certa forma, ela não sabia lidar com seus sentimentos ao passo que Massimo se apaixonou pela última coisa que viu antes do pai ser morto, o que me faz pensar que ele ficou obcecado com isso, por ser talvez a última lembrança de paz até então. Se não fosse Laura, seria outra pessoa. Isso não é amor a primeira vista, isso é obsessão doentia.
É um relacionamento tão vazio, que fica difícil saber quando ela se “apaixona” por ele. Foi depois de ver o assassinato ou depois dele salvar a sua vida? Nada no filme mostra a evolução desses sentimentos, tudo o que ele foca é em sexo, e em como isso rege a vida dos dois. Nada mais triste do que se apaixonar pelo corpo do outro sem se importar com coisas básicas, fica nítido para mim que ela é extremamente manipulada, mesmo inconscientemente.
Massimo representa o hétero rico que pode tudo, comprando-a com casas chiques, roupas caras e dando a ela tudo o que ela nunca pôde ter, ao passo que sempre que podia, aparecida para salvar o dia. É o herói que ela nunca teve em sua vida.
É triste quando eu vejo tantas pessoas querendo estar no lugar dessa personagem, quão triste deve ser suas vidas para desejar ser sequestrado por alguém e forçado a viver uma vida de fantasia? Sim, pois nada daquilo era ideia dela e muito menos era a sua vontade, independente do que qualquer um possa vir a dizer, Laura é uma vítima. Romantizar obsessões, sequestros e uma vida falsa é algo muito sério e que, infelizmente, muita gente não está pronta para ter essa conversa. “Ah, mas ela se apaixona por ele“, será mesmo que isso é amor? Em uma situação comum isso teria acontecido? Se ele tivesse tentado outra abordagem, o resultado seria o mesmo? “Ah, mais isso é filme“, e por isso mesmo é um problema!

Quantas pessoas vivem em relacionamentos abusivos e não sabem disso porque não enxergam o problema? Filmes tem a obrigação de nos passar uma história e influenciar nossas vidas, o que torna esse assunto algo muito sério a ser romantizado. Quantas pessoas tentam sair desses relacionamentos e acabam mortas? O feminicídio está nas notícias todos os dias e preferimos ignorar essas situações, porque somos egoístas. Essas mulheres que morrem todos os dias, também não tiveram escolha, mas viveram seus sonhos até certo ponto, claro que com muito menos glamour do que nos filmes e é isso que temos que entender e começar a parar de romantizar criminosos! Fica aqui meu desabafo sobre o assunto e sobre o filme, que me trouxe à tona toda essa necessidade de explicação. 

A única coisa boa do filme, do qual eu possa me lembrar é a trilha sonora e a fotografia belíssima da Europa, de resto, não passa de perda de tempo. Parabéns para a direção que conseguiu fazer um filme de romance vazio e sem sentido envolvendo sequestro, manipulação e sexo.


Título Original: 365 DNI

Direção: Barbara Bialowas

Duração: 116 minutos

Elenco: Michele Morrone, Anna-Maria Sieklucka, Bronislaw Wroclawski, Magdalena Lamparska, Mateusz Lasowski, Natasza Urbanska

Sinopse: Laura (Anna Maria Sieklucka) comemora seu 29º aniversário com amigos na Sicília quando é sequestrada por Massimo Toricelli (Michele Morrone), ou “Don”, como é conhecido – o jovem e bonito chefe da máfia siciliana. Ele é obcecado pela moça desde que viu seu rosto anos antes durante uma experiência de quase-morte. Ao levar a garota para seu cativeiro – sua gigantesca mansão – Massimo promete soltá-la após 365 dias, pois esse é período que ele precisa para fazer a teimosa Laura se apaixonar por ele. Baseado no romance “365 Dni”, de Blanka Lipińska.

TRAILER:



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