Cecilia é uma mulher que foge de um relacionamento abusivo, até que seu ex se suicida. Porém, estranhos acontecimentos começam a rondar Cecilia, que precisa descobrir o que está acontecendo. Com essa premissa bem simples, o diretor Leigh Whannell consegue orquestrar um primeiro ato sufocante e desconcertante, onde inicialmente tememos pela vida da protagonista e presenciamos seus traumas, depois sentimos seu alívio, para logo após, afundarmos de vez no terror que ela presencia. Tal construção da perspectiva da personagem nos coloca muito próximos dela, fazendo-nos com que nos apeguemos à sua vida e situação.
Parte desse apego se deve à explosiva e potente atuação de Elisabeth Moss. Ela já incendeia nossos corações e mentes com sua protagonista na série The Handmaid’s Tale, mas aqui ela consegue passar ainda mais o seu preparo cênico, numa mistura de esforço dramático e corporal incrível, do mesmo nível que Toni Collette em Hereditário, Lupita Nyong’o em Nós ou Emily Blunt em Um Lugar Silencioso. Ela nasceu para esse tipo de papel de mulher que sofre, mas que resiste! O filme é dela!
Também existem referências aos clássicos filmes originais, seja o de 1933 ou o de 2000, mas estas mesmas são sutis e indiretas, como leves estímulos visuais (um cabide com casaco e chapéu, ou uma gaze em um paciente, etc). Se o diretor e o roteiro exploram ao máximo a situação de terror nos dois primeiros atos (mais de uma hora de filme), sendo até então um longa praticamente perfeito, na reta final e terceiro ato, o mesmo cai em algumas armadilhas típicas dessas produções, infelizmente, como um excesso de ação e mortes, muitas “reviravoltas” (algumas previsíveis) e um final anticlimático. Porém, mesmo que clichê, tudo é feito com um esforço louvável de ser ao menos bom. Boa entrega do elenco, direção caprichosa na ação e terror e um senso de satisfação no derradeiro final.
Ao trazer as alegorias sobre agressão física, comportamento masculino tóxico, repressão contra a mulher (não somente física, mas mental), o filme traz um comentário social atual e forte, algo que precisa ser debatido. Numa América onde os crimes contra as mulheres aumentam conforme a política e sociedade tendem a ser mais conservadoras, é vital debater este patriarcado cego. Note como o filme todo, toda culpa recai sobre ela. Mesmo ele sendo um agressor, as pessoas indiretamente a culpam pelo suicídio dele, o admiram por ele ser um brilhante cientista óptico e quando ela começa a dizer que ele está vivo, a tratam como louca.
Infelizmente é assim que a sociedade trata a mulher num contexto geral, parece que ela sempre está errada ou é louca, mesmo sendo a vítima. E isso se agrava se o homem tiver alguma forma de poder ou status. É uma ameaça invisível, que muitos não enxergam, só a mulher que passa por aquilo. Daí é interessante notar que mesmo não vendo propriamente, ela “enxerga” ele, sentindo que ele está vivo, enquanto os outros duvidam. Uma alegoria ao fato da sociedade “não enxergar”, desacreditar no perigo e no horror que o machismo e os agressores representam. Tanto mais quando essa “ameaça invisível” dorme ao lado.
Com uma trilha sonora nervosa em momentos chave, mas silenciosa por boa parte da obra, o designe de produção traz uma abordagem simétrica, limpa e moderna, muitas vezes priorizando um visual frio. Os efeitos especiais são simples e podem afastar quem espera algo mais grandioso, mas são eficientes para a abordagem proposta, mais simplista e menos megalomaníaca. O Homem Invisível é um reinício para as criaturas clássicas da Universal pela mão da competente BlumHouse, inserindo genialmente a mitologia de “monstros” em um conceito atual e social, trazendo à tona tais seres como alguém que se comporta como um “cidadão de bem”. Seguindo essa linha, podem vir, estaremos esperando o Drácula, o Lobisomem, Frankenstein e sua noiva, a Múmia, o Monstro da Lagoa Negra e toda a companhia deste rico universo.