Veja nossa primeira matéria sobre o documentário The Mask You Live In, escrita por Karine Mendes, clicando neste link.
Nesse texto, o filme será abordado sob a perspectiva de um documentário performance.
The Mask You Live In é um documentário dirigido por
Jennifer Siebel Newsom e lançado no ano de 2015, no qual se explora o tema: o
que é considerado ser um “homem” na sociedade norte-americana e, como
o machismo e sexismo afetam negativamente – não só as mulheres ou qualquer
minoria social – mas até mesmo os homens héteros; provando, assim, o quão mau fundamentado está o conceito de masculinidade e o quanto essa concepção influencia de forma grave e negativa o
desenvolvimento de todo o resto da sociedade. A obra procura dar um panorama social, de forma a
provar que a educação equivocada acerca da performance de “ser um
homem” no campo social, tem grande culpa pela maneira caótica
na qual a sociedade se encontra.
Trata-se de um documentário de difícil
“digestão”, visto que é um tema muito profundo e que gera grande tensão.
Quanto à forma, o longa-metragem se utiliza de uma linguagem documental mais tradicional, ou seja, é composto por entrevistas e testemunhos de inúmeras
pessoas em seus diferentes casos, entretanto, sempre procurando provar que tais
problemas têm a mesma origem: uma educação sexista.
A obra, portanto, pode se
tornar um tanto fatigante por tocar em assuntos de teor extremamente
sério e grave. A forma escolhida, também, por vezes provoca tal sensação, uma
vez que mexe muito profundamente com o sentimental do público, o afetando consideravelmente
em termos emocionais. Ainda, o documentário exige grande nível de
comprometimento e atenção, pois lida com muitas entrevistas e faz a
desconstrução de inúmeros conceitos culturais, sociológicos e antropológicos
que se encontram equivocados. Mas apesar desses pequenos fatores, nunca deixa de ser relevante e
interessante.
áreas: professores, psiquiatras, psicólogos, médicos, cientistas e, também,
pais, mães e filhos. Todos os testemunhos são colocados numa espécie de
montagem “vai-e-vem” e, por isso, ao longo do documentário o
espectador vai conhecendo cada vez mais o entrevistado como se fosse conhecendo
um personagem.
O conceito de performance já se dá logo
no início, com o título do longa. A ideia de “A Máscara Na Qual Você Vive”, ou “A Máscara Por Trás Da Qual Você Se Esconde” – duas
possíveis traduções para o português – é reforçada pela frase de George Orwell, que aparece logo
após o título desaparecer na tela: “Ele veste uma máscara e seu rosto se
molda a ela”.
Portanto, há uma perfeita conexão com a ideia de performance
no sentido de que, a partir das “regras invisíveis” criadas pelo
sexismo e o machismo na sociedade, as características que um menino tem que
conter para ser um homem de verdade ou provar sua masculinidade é nunca chorar
ou falar dos seus sentimentos, ser violento, participar da cultura do estupro,
ganhar dinheiro de forma não honesta, conquistar o maior número de mulheres
possível e tratá-las como objetos, ter apetite sexual todo o tempo, praticar
esportes, beber, ser festeiro, não estudar, se drogar, ser hétero, não ser
amigo de gays, zombar dos mesmos, dentre outras coisas.
desde que a criança nasce, características específicas são esperadas dela ao
longo da vida, de forma que, instantaneamente, essa expectativa se relaciona
diretamente ao sexo biológico, isto é, se a criança nasce com o órgão sexual
feminino, de imediato, espera-se uma mulher que venha a performar, cada vez
mais, uma “hiperfeminilidade”, uma mulher que se encaixe em todas as
características que, historicamente, foram como que colocadas numa caixa, da
qual só as mulheres devem pegá-las para si.
Já se a criança nasce com o órgão
sexual masculino, passa-se a atribuir que o indivíduo tem de se mostrar
“forte”, portanto, não deve chorar ou de forma alguma expressar seus
sentimentos, dessa maneira, recusando todas as características ditas femininas
a partir dessa dicotomização social. Os relatos que aparecem durante o
documentário reafirmam que é, inclusive, a educação cultural de repudiar
características ditas femininas que servem de base para que, no futuro, como
adulto, o homem enxergue a mulher objeto de satisfação sexual ou simplesmente
como alguém que o é inferior, menos forte, menos capaz.
Amanda Dionigi
É necessário colocar que o
documentário analisa esses casos no contexto dos Estados Unidos, ou seja, por
serem americanos falando sobre si mesmos, não há desrespeito quanto ao lugar de
fala. São profissionais e civis falando sobre suas experiências e fazendo uma
análise da sua população; inclusive um exemplo muito forte e recorrente ao
longo do documentário é a figura do técnico de esporte nas escolas
estadunidenses, bem como a importância e o significado que o esporte carrega em
sua cultura. Muitos dos entrevistados nunca tinham conhecido um pai ou
conviviam/conviveram de maneira traumática; e de ambas as formas há, portanto,
uma carência, um vazio e um trauma em relação à figura paterna. A sua
falta, em diversos sentidos, mas principalmente em carinho, atenção e apoio,
faz com que esses rapazes enxerguem em seu técnico de educação física da escola
seja a figura mais próxima de um pai que estes possam ter na vida.
E muito
destes, mesmo sem gostar de esportes, sentem a pressão de entrar em alguma
atividade porque especialmente na cultura norte-americana se propaga a ideia de
que homens que praticam qualquer tipo de esporte são mais másculos e,
consequentemente têm a forma física que é “apropriada” e vinculada às
atitudes – também atribuídas – à figura de um “homem com ‘H’
maiúsculo”. Nos Estados Unidos, os homens atléticos tem a melhor reputação,
bem como supostamente seriam os favoritos das mulheres; e esta é mais uma
construção social, pois isso faz com que as mulheres também se sintam
pressionadas a gostarem de homens desse mesmo perfil.
A figura do técnico, portanto, é de
grande responsabilidade. Se esses jovens não têm um bom exemplo de pai ou
padrasto em casa, o que resta é este professor na escola; e se este propõe
ofensas contra homossexuais e mulheres, estes jovens então não terão nenhum bom exemplo. E mesmo que discordem das opiniões do professor, dificilmente irão
contrariá-lo, uma vez que ao fazer isso, sabem que estarão correndo o risco de
sofrerem rejeição dos outros, ou mesmo serem excluídos do grupo social em
questão, bem como perder sua posição de poder e reputação que lutaram tanto
para conquistar e manter.
educação física falando sobre a influência e o poder que tal profissão tem
sobre os alunos, bem como a responsabilidade disso. Se é um cargo de grande
influência cultural e social no país em questão, deveria ser de fato repensada
a linguagem adotada por esses técnicos, e as ideias que estes propagam. O
professor da entrevista em questão, demonstrou o carinho e atenção com o qual
trata seus alunos, e prova que nem por isso o rendimento de suas atividades
físicas é menor, bem como seus meninos não deixam de ser másculos por
isso.
masculinidade, calha em todos os setores sociais, de forma que se vê refletido,
por exemplo, na porcentagem de violência, na qual, nos Estados Unidos, a cada
hora, mais de três pessoas são mortas por armas e 90% dos responsáveis por
homicídios são homens. Isto é, vê-se espelhado a cultura de que um homem não
deve fugir da responsabilidade de se provar o mais forte, nem que isso
signifique ter de usar a violência em seu aspecto mais brutal.
Já assistiu ao documentário? Conte para a gente sua visão sobre a obra e sobre o assunto!