Crítica: 1917 (2019, de Sam Mendes)


Antes de falar sobre o filme, começarei fazendo alguns questionamentos. O que define um bom filme? O que define uma obra ser merecedora do Oscar? Vencer um Oscar é assim tão importante? Pergunto isso, pois nas últimas semanas, o filme 1917 tem sido atacado por várias pessoas, simplesmente pelo fato dele ter ganho o Globo de Ouro e outros prêmios, tornando-se assim o azarão e preferido ao Oscar em Melhor Filme e Direção. Parece que o fato do filme vencer uma premiação é provocante, já que até então tínhamos vários favoritos do público, como Coringa, O Irlandês, Era uma Vez em … Hollywood, História de um Casamento e principalmente, Parasita. Ora, ter um filme favorito não é subjetivo? Ganhar um Oscar não é questão de campanha dos estúdios, já que qualquer filme razoavelmente bem feito pode conseguir isso quando bem engajado? Não foi sempre assim? Talvez alguns digam: “- Ah, mas e o roteiro …”.


Embora roteiro seja um dos fatores mais importantes em um filme, especialmente aqueles originais e que trazem críticas sociais urgentes, também não é verdade que direção e atuações são outros pontos fortes que podem tornar uma obra marcante? Não pode um filme apresentar uma trama mais clichê e assim mesmo ser extremamente bem elaborado tecnicamente? Não existem obras de excelente roteiro e ideias, mas com direção e execução técnicas mais pobres? O que marca em uma produção não é a excelência dela em algum campo? Sim, você pode torcer para qualquer filme, meus favoritos são Parasita e Coringa, por exemplo. Mas consegue perceber que os méritos de um não excluem os dos outros? Tornar o seu gosto e crítica pessoal como mais justa e sofisticada não seria uma forma de elitismo dentro da arte? E elitismo não é algo que gostamos de lutar contra, já que cria barreiras? Pensem nisso.



Falando da obra, muito provavelmente, 1917 deve sair como o grande vencedor do Oscar 2020 como Melhor Fotografia, Melhor Filme e Melhor Diretor para Sam Mendes. Ainda há possibilidade de levar roteiro e alguma categoria sonora. Mendes, um diretor sempre versátil e competente, já nos entregou os maravilhosos Beleza Americana e 007 – Operação Skyfall (melhor filme da gigantesca saga Bond). Também já trouxe os subestimados 007 Contra Spectre, Foi Apenas um Sonho, Estrada para Perdição, O Caçador de PipasJarhead. Se Beleza Americana é sua melhor obra, com o melhor texto e roteiro, 1917 é sua obra máxima em técnicas de direção. É um filme com técnicas visuais arrebatadoras, uma aula de direção, com tensão e adrenalina enervantes. 


O cineasta utiliza de recursos e truques na edição e montagem que dão a impressão do filme de duas horas ser uma única cena sem cortes. Claro que isso não seria possível numa obra de grande escala, mas ao filmar várias cenas longas em plano-sequências estonteantes e sutilmente cortados aqui e ali, emula-se assim uma sensação de ser uma única cena em uma única sequência de acontecimentos. Ao fazer-se isso, o diretor nos faz adentrar nas trincheiras da 1° Guerra Mundial, como se acompanhássemos lado a lado os dois soldados ingleses. Isso causa uma sensação de imersão, onde não apenas vemos, mas entramos na guerra, nas pilhas de cadáveres e nos lugares pelos quais eles passam. 





A trama é bem simples, direta e clichê: dois jovens ingleses precisam entregar uma mensagem que cancela um ataque que pode custar a vida de 1600 homens, incluindo o irmão de um deles. Nesse aspecto se assemelha ao O Resgate do Soldado Ryan. Porém, a obra é conduzida de forma mais intimista, humanizando as situações e colocando o relógio como um fator inimigo, se assemelhando a Dunkirk. Os brilhantes e ousados ângulos de câmera se assemelham aos filmes Gravidade, O Regresso e Birdman. Mas mesmo se assemelhando a todos estes, a obra consegue encontrar sua própria identidade de forma muito sutil, em pequenos detalhes que infelizmente, está passando batido da maioria. Vou citar exemplos …




Um fato interessante é que se trata de uma obra de guerra sem patriotismo, medalhas e outras mentiras. Não há honra em sujar as mãos em sangue e pilhas de cadáveres. Não há vencedores, apenas jovens mortos e sonhos destruídos. Existem pequenas cenas, olhares e diálogos em que os jovens mostram estarem cansados da guerra, não verem sentido em estar longe de casa por pedaços de terra sem graça, eles não tem vontade de seguir algumas ordens ou tiram sarro de pequenas coisas, até mesmo da missão dos protagonistas, por estarem desacreditados de tudo. 


Há um diálogo que dá a entender que alguns lutam apenas por lutar, sem saber ao certo os motivos, apenas porque numa guerra alguém tem de cair e um ficar de pé. Há uma sutil crítica aos generais, que se tirarem a guerra deles, não os sobra nada. São detalhes bem pequenos que nos remetem à críticas sobre as reais razões dos conflitos entre países e o porque dos jovens darem suas vidas a troco de nada. Hoje em dia, em tempos em que há rumores de conflitos, e líderes mundiais e pessoas que os seguem estão esquecendo dessas verdades, obras que retratem do real horror da guerra se fazem necessárias!


Outro detalhe muito interessante e que serve como metáfora e recurso narrativo são as mãos de um dos jovens. Logo que começa a missão ele rasga ela no arame farpado. Logo em seguida, sem querer, ele enfia a mão nas tripas de um cadáver, depois ele escorrega e enfia o corpo na lama. Ao longo do filme, sutilmente, percebe-se que se trata de uma referência à podridão, sujeira e destruição da guerra. Eles se deparam com ratos, fossas, cadáveres de pessoas e animais em decomposição a dias, escombros, etc. Existe aqui uma sugestão de que quando se está na guerra, você não sairá limpo, não importa o lado envolvido. 



Vale ressaltar a humanização dos soldados em determinados momentos, como o desejo de não matar se possível, ou usar tal recurso apenas se uma abordagem de diálogo falhar. São seres cansados e traumatizados, que já não querem mais a morte. Em uma sequência específica lá pelo final, o protagonista vai sem armas na direção contrária de seus compatriotas armados, tentando ganhar a guerra sem violência, uma clara alusão antibelicista, embora boa parte do filme não seja assim.

Mas apesar de todo contexto pesado, a bela direção do filme também traz momentos poéticos, de respiro, por vezes reconfortantes, especialmente aquelas poucas cenas em que envolve a natureza, a vegetação e alguns poucos raios de sol. É o alento da cinza e fria guerra. Todo esse aspecto visual é empoderado com uma deslumbrante e realista fotografia de Roger Deakins, que já ganhou o Oscar pelo seu trabalho visual em Blade Runner 2049, mas que também já nos presenteou com Sicario, Fargo, 1984, dentre vários outros. Aliás, a direção do filme e a direção de fotografia são os verdadeiros protagonistas da obra, não há como negar.







Temos pequenas participações de famosos rostos como Mark Strong, Andrew Scott, Richard Madden, Colin Firth e Benedict Cumberbatch, mas nenhuma é marcante. Um dos jovens é Dean-Charles Chapman e ele cumpre bem seu papel, mas o ator que destrói em cena é George MacKay. Muitas vezes ele demonstra sentimentos apenas com o olhar, como desespero, medo, desorientação e determinação. O trabalho dele é metódico e merecia reconhecimento nas premiações.








Baseado nas experiências reais do avô do diretor, 1917 traz uma trama simples, mas eficaz, em uma obra visualmente espetacular, que consegue nos imergir no meio do caos e na falta de propósito de uma guerra, humanizando os personagens e trazendo momentos contemplativos. Sam Mendes idealizou e manteve firme sua visão, em um filme deslumbrante, com uma cinematografia bela e orquestrado de forma magnífica. Se o roteiro não ousa, ainda assim não tem como negar que existe muita arte técnica empregada em 1917. Se é para Parasita e Coringa perderem os principais prêmios, que seja para este daqui, pois merece. Por fim, a bela trilha sonora e a canção Poor Wayfaring Stranger enfatizam a desolação desses jovens que nunca voltaram das guerras passadas, assim como daqueles que nunca voltarão das que estão por vir.

Título Original: 1917

Direção: Sam Mendes

Duração: 119 minutos

Elenco: George MacKay, Dean-Charles Chapman, Mark Strong, Andrew Scott, Richard Madden, Colin Firth, Benedict Cumberbatch.

Sinopse: 1917 conta a história de dois soldados britânicos em um dos momentos mais críticos da Primeira Guerra Mundial. Em uma dramática corrida contra o tempo, os soldados deverão cruzar o território inimigo e entregar uma mensagem que cessará o ataque brutal a milhares.

Trailer:

Assistiu a esse filmão? Torce por ele no Oscar? Que filmes você torce na premiação?

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