Crítica: Retrato de Uma Jovem em Chamas (2019, de Céline Sciamma)

Vencedor da categoria de fotografia no National Society of Film Critics Award, Retrato de Uma Jovem em Chamas, vem se destacando positivamente em premiações ao redor do mundo, e aparece forte como candidato a duas indicações no Oscar, Melhor Filme Estrangeiro e, justamente, Direção de Fotografia para a cineasta Claire Mathon, conhecida por também assinar a cinematografia do icônico Um Estranho no Lago

O filme realizado por Céline Sciamma, responsável também pela direção e roteiro do conhecido Tomboy, um retrato sensível acerca da identidade de gênero de uma criança, traz dessa vez uma história que acontece no Século XVIII onde uma pintora chamada Marianne, é contratada para fazer o retrato de uma jovem chamada Helóise para ser enviado a seu futuro esposo, mas a moça não aceita ser pintada pois é um casamento indesejado. Marianne então finge ser contratada pela mãe de Helóise para ser acompanhante de passeio da moça. E durante suas longas caminhadas pela ilha, a pintora guarda os trejeitos da jovem para pintar durante a noite.

Um dos pontos altos do filme é a sutileza em todas as suas camadas. Na sequência inicial ele já mostra que é uma história completamente feminina: os homens não são importantes nessa história e tampouco terão alguma participação relevante durante o filme. Mas tudo isso de maneira tranquila e quase subjetiva, assim como a crescente tensão sexual entre as duas protagonistas, que está posta antes mesmo delas se encontrarem, mas que vai se desenvolvendo de maneira lenta e com muita calma. Sempre apostando no uso da sonoplastia para pontuar a monotonia de estar na ilha deserta e numa casa tão grande com poucos afazeres. O barulho de vela, por exemplo, é constante na trama, mesmo em algumas cenas durante o dia, pra nos remeter a algo extremamente interiorano, isolado. 

A fotografia, outro grande destaque do filme, também acompanha o ritmo do roteiro, com takes longos e com a câmera se movimentando de maneira vagarosa, mas constante. É genial como a obra aposta em sua movimentação de câmera, sempre à espreita, procurando o melhor ângulo pra contar a história e tentando se adequar a movimentação das atrizes que faz de uma cena inicialmente simples, como um plano e contra-plano parecer uma bela pintura, casando com o olhar de Marianne. 

Além das boas atuações da protagonista, a criada Sophie se destaca ao fazer o papel da ponte entre a realidade distinta das duas, também serve como alívio cômico, de certa maneira, e ainda situa Marianne à realidade de Helóise para fazer com que a pintora vá compreendendo a psiquê de sua musa. Além destes papéis na trama principal, Sophie tem a subtrama de sua gravidez que é uma parte muito interessante para a história, a moça não quer ter o filho e enquanto as outras duas mulheres começam a se envolver, ela tenta abortar a criança que carrega no ventre, culminando em uma das cenas mais impactantes do cinema nos últimos anos.

Uma cena de aborto, ao lado de uma criança de meses de idade, é tão significativa como igualmente bela, onde o espectador prende a respiração por aqueles segundos (ou serão minutos?) do procedimento realizado, sem entender exatamente o que sentir diante daquilo, que deixa um pouco a sutileza de outras cenas de lado e escancara uma realidade incômoda. 





Todos os defeitos do filme ficam reduzidos a história superficial contada aqui.  O tema de pintor e modelo num romance proibido em séculos passados já está muito batido, e o fato de ser um casal homossexual não é o necessário para subverter este tema comum e trazê-lo como uma quebra do padrão digno de nota. Além de que momentos de envolvimentos, brigas e reconciliações entre as protagonistas são colocados de maneira artificial fazendo com que quem assiste perceba que algumas cenas só estão ali para a trama ter sua continuidade e seu desenrolar.

O filme também faz um certo mistério sobre o rosto da moça do retrato, que só é revelado no segundo ato do filme, mas o trailer e as imagens promocionais parecem não fazer a mesma questão da diretora em esconder a atriz, causando à obra como um todo um estranhamento, pois, alguns minutos do filme são dedicados ao mistério que envolve essa curiosidade da protagonista.

Sério gente, imagina essas imagens numa tela de cinema.

PS: Essa nota foi dada por um homem, heterossexual. Posso julgar defeitos em estruturas narrativas do filme e elogiar a sua cinematografia, mas o sentimento que este filme pode passar a uma mulher é algo que eu não consigo exprimir. Retrato de Uma Jovem em Chamas é um filme absolutamente feminino. Confira-o no cinema e comente o que achou. 

Título Original: Portrait de la jeune fille en feu


Direção: Céline Sciamma

Duração: 120 min

Elenco: Noémie Merlant, Adele Haenel, Luana Bajrami e Valéria Golino  

Sinopse: Na França do século XVIII, Marianne (Noémie Merlant) é uma jovem pintora que recebe a tarefa de pintar um retrato de Héloïse (Adèle Haenel) para seu casamento sem que ela saiba. Passando seus dias observando Héloïse e as noites pintando, Marianne se vê cada vez mais próxima de sua modelo conforme os últimos dias de liberdade dela antes do iminente casamento se veem prestes a acabar.
Trailer:
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