O filme, que possui suas heranças de Ozu, estabelece uma construção narrativa muito bem elaborada, focando o máximo possível nos diálogos como condutores do discurso. A proposta de Sang-soo é, justamente, elucidar um cinema mais naturalista na forma, onde o texto evidencie ou até ilumine os acontecimentos. Dessa maneira, o diretor cria uma dualidade interessante que visa explorar a personalidade de Bongwan e a forma como suas mentiras e sua atitude manipuladora influenciam nas relações com as três mulheres da trama. Esta perspectiva variável é reforçada, também, pela alternância dos protagonismos de Hae-hyo e Min-hee. Em certos momentos é o editor que conduz a narrativa, colocando o espectador sob uma ótica discursiva específica que, em seguida, será desconstruída com o deslocamento para a nova funcionária.
E essa dualidade não é legitimada por uma construção estética de recursos subjetivos, mas sim através do texto aliado a uma câmera lateral e passiva, porém falsamente passiva. Durante quase todo o filme acompanhamos a câmera posicionada de forma lateral às personagens, girando em um ângulo não maior que 90º e sempre alternando o zoom na face das personagens. Dessa maneira, pode até parecer um pouco sem sentido a construção da linguagem, porém quando se analisa as opções estéticas em contraste com o texto, torna-se bastante verossímil.
O texto de O Dia Depois perpassa, sobretudo, a desconstrução da personagem de Hae-hyo e a elucidação de uma personalidade covarde, mentirosa e passivo-agressiva. Essa dualidade estética e narrativa representa muito bem isso. Porém a soma dos elementos converge para uma elaboração orgânica: a câmera (ou seja, os recursos formais) também se comporta de maneira passivo-agressiva. As cenas estabelecidas de maneira episódica demonstram, no texto, a elaboração de diálogos que começam pacificamente e explodem ou se tornam catarse à medida que chegam ao final. A inserção da música no final das cenas contribui para isso. Dessa maneira, a câmera também vai demonstrando sinais de caos ao acompanhar o roteiro, porém de maneira controlada, sem extrapolar os limites do quadro, assim como a personagem do editor. O espectador é então induzido a adentrar o discurso ali proposto justamente por essa construção formal.
O próprio recurso do preto-e-branco higienizado contribui para, além de reforçar o aspecto melancólico e confuso da narrativa (que investe em um entrelaçamento das linhas temporais), elaborar a sensação de uma representação. Estamos diante de uma construção mimética da vida real, cotidiana e contemporânea. Sang-soo busca justamente explorar essa mimese do dia-a-dia em meio à narrativa melancólica e com enfoque nas relações humanas. Até por isso, talvez, muitas das cenas transcorram em um bar. É possível que o maior problema do filme seja apenas uma maior habilidade na construção da linguagem, contribuindo para o ritmo, mas ainda assim se trata de um grande estudo de personagem e de reflexões existenciais de nossos tempos.
Título original: Geu-hu
Direção: Hong Sang-soo
Duração: 92 minutos
Elenco: Kim Min-hee, Kwon Hae-hyo, Cho Yun-hee, Kim Sae-byuk
Sinopse: É o primeiro dia de Areum em uma pequena editora. Bongwan, seu chefe, terminou há pouco tempo o relacionamento que mantinha com a funcionária que trabalhava ali anteriormente. Ainda nesse mesmo dia, Bongwan, que é casado, sai de casa na manhã escura e parte para o trabalho. Sua esposa encontra um bilhete de amor, explode em fúria no escritório e acaba confundindo Areum com a mulher que ele deixou.
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