A Equipe Comenta: Coringa (2019, de Todd Phillips)


Coringa é um dos maiores e melhores filmes do ano e trazemos hoje o nosso emblemático quadro A Equipe Comenta, onde vários membros lançam suas impressões da obra e depois traçamos uma nota média de todos. Vamos lá? 

Arthur Lino:

A atuação de Joaquin Phoenix mais a direção de Todd Phillips resultaram em um Coringa único, claro, possui alguns traços dos antecessores nesse papel como Heath Ledger, Jack Nicholson e Cesar Romero, mas há muito tempo não se via um Coringa com tantas camadas bem trabalhadas, com tanto conflito, sentimentos, insanidade e não podia faltar: caos. Joaquin Phoenix subiu o nível e será lembrado por isso. Uma das cenas memoráveis e que culmina na construção do personagem até o seu resultado final, é a cena da entrevista com o apresentador do Talk Show, Murray Franklin (Robert De Niro), e o final, onde vemos toda a construção do vilão, seus objetivos, princípios e conflitos, resultando no personagem que conhecemos. As jogadas de câmera com foco no Joaquin Phoenix em destaque, merecem um crédito pois são nessas cenas que podemos ver os conflitos que o personagem passa no decorrer do filme. É tão intenso que chega a ser perturbador.

Nota: 10

Leia o texto completo aqui!

Amanda Ferrari:

Joaquin Phoenix entrega a melhor atuação de sua carreira num filme que promove um personagem profundo e cheio de ambiguidades. O público se pergunta se assiste um filme de um vilão ou de uma vítima, mas o que vi foi um filme de uma pessoa comum, pois o estado final no qual o personagem se encontra poderia ser o de qualquer pessoa que sofresse o número de injustiças que ele sofreu. Arthur Fleck é enganado, ludibriado, violentado e desprezado tantas vezes ao longo do filme, que conseguimos entender sua trajetória que culmina em vingança e violência explícita. É um filme muito perturbador e quem saiu de lá incomodado conseguiu sentir o que o diretor provavelmente queria.

Mais que tudo, Arthur expõe seu ponto de vista no final e, na minha opinião, seu discurso traz pertinência na frase que vou parafrasear a seguir: “uma pessoa pobre como eu, se fosse morta, ninguém se importaria. Mas três pessoas ricas, que sequer eram boas, foram assassinadas e isso se torna chocante porque eram ‘alguém’ aos olhos da sociedade”. Deixando bem claro que para mim isso não justifica suas ações violentas, mas pelo menos se tornam compreensíveis ao meu ver; fora que quando Arthur mata esses três homens foi em legítima defesa. Gotham passa por um momento delicado no qual há muita violência gerada pela injustiça e desigualdade social. Enquanto os políticos não fazem nada, muitas pessoas se manifestam na rua, e os protestos vão se tornando cada vez mais agressivos para, quem sabe, a camada social rica enxergar os menos favorecidos.

É um filme que fala sobre o quão alguém pode ser invisível numa sociedade, e o quão carente e nada bem-vindo uma pessoa sem oportunidades pode se sentir.
Em determinado momento do filme, o apresentador de TV famoso que Robert De Niro interpreta, acusa Arthur de estar fazendo um discurso vitimista para justificar seus atos violentos. Então Arthur mais uma vez o “cala” ao jogar argumentos pertinentes como os que coloco a seguir parafraseando: “E o que você sabe sobre o mundo lá fora? O que você sabe sobre pessoas reais com problemas de verdade assim como eu? Pessoas como você não dão a mínima para pessoas como eu. Alguma vez já deixou seus studios para ver como é lá fora?”

Ao meu ver, este filme não poderia ser mais atual. Gotham está ruindo devido ao colapso pela qual a sociedade passa em termos econômicos, de saúde, político-sociais e de violência. O filme tenta apontar, então, o quanto esses problemas tem a ver com a falta de soliedariedade e empatia pela pessoa ao lado, independente de sua aparência, poder aquisitivo, religião e etc. Coringa não é a história sobre um homem “mau” ou com “problemas mentais”. É a história que poderia acontecer com qualquer pessoa que está tentando realizar seus sonhos, mas que a sociedade acaba soterrando, seja com sua indiferença, seu deboche ou desprezo. Parabéns à equipe do filme, por promover toda essa reflexão num filme profundo visceral, poético e controverso, pois a ambiguidade deveria ser bem-vinda.

Nota: 8,5


Natália:

Confesso que me faltam
palavras para definir o sentimento que o filme causou em mim durante e depois.
É como se alguém incessantemente estivesse arranhando meu cérebro em uma lousa
e o som agudo se dissipava latente e constante durante todo o tempo que permaneci
no cinema. A compreensão da infelicidade e tristeza que acompanha Arthur é algo
que conseguimos imaginar e até sentir, já que não chega a ser absurdo ou
inventado. Se sentir menosprezado, insuficiente e até invisível, é algo
palpável na sociedade atual e capaz de gerar sentimentos conflitantes entre o
certo e o errado. Tais sentimentos conflitantes faz com que sejamos empáticos
com o personagem, chegando até a entender suas atitudes, que chegam ao extremo
e levam outros a fazerem o mesmo, pois entendemos que ele não é o único a
passar por aquilo, muito pelo contrário. O filme é brutal e massacrante mesmo
para aqueles que já estavam esperando algo do tipo. Sua brutalidade não se fixa
em cenas de violência, mas naquelas onde o silêncio e rotina se encontram, é um
filme angustiante do começo ao fim e tem uma pitada de soco no estomago, em
outras palavras, é tudo aquilo sobre o que jogamos embaixo do tapete e tapamos os
olhos para não ver.


Nota: 10




Caio Guilherme:



Agora entendo todos os elogios, realmente minha expectativa ao ver o filme no dia era até que alta, mas após a sessão eu fiquei realmente impressionado e de boca aberta pensando no dia todo sobre a história e o desenvolvimento do filme. Essa é a verdadeira tarefa do filme e foi muito bem executada: impactante é o nome. Filme muito bem feito remetendo à época de 1981 de Gotham City, uma cidade em caos e desordem, não há lugar melhor para o nascimento de um dos maiores vilões de todos os tempos. A paleta de cores que remete aos sentimentos de Arthur e retrata a desordem na cidade foram muito bem executadas e conectadas à história do personagem. Para quem não lembra o comecinho do filme onde tem um close, o personagem de Phoenix esboça um sorriso forçado e segura com os dedos os músculos do rosto, alargando uma expressão de felicidade. Na sequência, ao mesmo tempo em que solta o sorriso e retorna ao seu sentimento de deslocamento do mundo, ele deixa rolar uma lágrima, que desce no rosto cheio de maquiagem e no fundo o rádio vai narrando as notícias desagradáveis de Gotham.



 Isso estabelece a relação do Coringa com o mundo, onde este mundo está devastado e o Coringa está na beira do precipício e daí para frente as coisas começam a mudar na vida de Arthur. E muda para o pior. O filme traz um olhar reflexivo, filosófico de como uma sociedade vive na hipocrisia e pode, sim, corromper uma pessoa. Quando uma pessoa é rejeitada na sociedade, quando vive no meio onde ela é tratada nada mais e nada menos como um lixo, isso mexe com qualquer pessoa. Isso não foi diferente com Arthur. Uma sociedade desigual, que vive de aparências, com um estado e governo que pouco se importa com a população (corta verbas e desliga estabelecimentos que as pessoas precisam), isso aos poucos modifica a pessoa que da alegria vai para depressão. Por essa razão o grande Arthur tenta viver das piadas, da comédia, pois essa foi a ferramenta que ele encontrou para se conectar com as pessoas e o mundo. E foi um fracasso pelas mentiras, pela violência, pela incompreensão que o rodeava onde ele mesmo fala: “Minha vida é uma comédia”. Devo destacar a interpretação de Joaquin Phoenix onde foi extremamente convincente interpretando um personagem tão complexo, psicótico, como ele mergulhou no psicológico do personagem, mostrou na atuação os pensamentos, ações, atitudes de Arthur, é realmente algo de enaltecer. Não é à toa que foi premiado no festival de Veneza sendo o filme muito elogiado neste festival. Ele merece todo o reconhecimento. 



Elogio também ao diretor com a sua visão, abordagem diferenciada que mostrou frame por frame a construção de um cara brutal e psicopata, nos presenteou com um filme extremamente necessário e atual, pois nós podemos nos identificar com o filme: como uma vida pode ser uma avalanche de fracassos, de tristezas e de terríveis consequências, mudando a personalidade. Trilha sonora muito competente que caiu no filme como uma luva, muito bem executada e se encaixou bem com cada parte do filme. Participação de um veterano e competente Robert De Niro interpretando muito bem um personagem hipócrita, burguês e debochado. Para mim é uma obra-prima do cinema, intocável, uma reinterpretação de um vilão único e memorável. Um filme com poder visual único, provocativo que pode ser lido como o Táxi Driver: Motorista de Táxi (de Martin Scorsese, 1976) de sua época. Fantástico e favorito. Recomendo. Será que teremos a continuação? Esperando para ver.



Nota: 9,5





João França:


E pra quem achava que o grande trunfo de Coringa seria uma atuação à altura do que Heath Ledger já havia entregue, deve ter, assim como eu, ficado impressionado com o resultado final deste filme. 
O trabalho de Joaquin Phoenix é irretocável, e, estou curioso para saber se a academia continuará a ignorar a grandiosidade do ator. Além do esforço físico, evidente pelos mais de 20kg que o ator eliminou para dar vida a Arthur Fleck, o olhar sempre perdido, as risadas seguidas de muita dor, e principalmente a tristeza ao entender que sua dor, para muitos, era mais engraçada que sua comédia, fazem desta uma atuação memorável.


Como se não bastasse, Todd Phillips, que confesso que só conhecia de Se Beber, Não Case!, entregou-nos um material digno de debate, discussões, que sem dúvida ficará para memória ao lado de filmes como Laranja Mecânica. A evolução de Arthur para Coringa, que esperamos desde a primeira cena, acontece de forma tão orquestrada com o declínio de Gotham que fica impossível não tratar como uma alegoria. Mais uma coisa que é impossível: não pensar em nosso atual cenário político. O longa nos lembra quais são os reflexos que uma instabilidade social, econômica e/ou política podem causar, e o mais importante, quais os personagens que podem surgir disso tudo. Estes são momentos, lembro, ideais para que cortes e mais cortes sejam justificados, dificultando ainda mais a vida de quem já muito sofre nestes momentos.

Nota: 10







Miguel Rodrigues:


Minha impressão do filme do Coringa foi a de que estamos vivendo nesse sistema apresentado no filme. Impactante a forma de abordagem em como ele se tornou o psicopata que conhecemos nos quadrinhos. Talvez tão impactante quanto este filme, tenha sido Hannibal: A Origem do Mal, que também nos mostrou o porquê da psicopatia. Voltando ao Coringa, o que mais me chamou atenção  foram as anotações dele. Ali podíamos ver o quanto ele necessitava de ajuda. E a mínima ajuda que ele tinha, foi tirada. Por vezes senti vontade de chorar, por ter realmente sentido a agonia dele em expressar seus sentimentos. Acredito que deva ir para o Oscar. Meus votos são de Melhor Filme e Melhor Ator.



Nota: 9







Ettore Migliorança:


Numa era em que os quadrinhos se tornaram a tendência de sucesso e lucro para a indústria hollywoodiana, ainda se pergunta o que possa sair no meio dessa eminente saturação do gênero depois que a Marvel Studios atingiu o seu ápice com o lançamento de Vingadores: Ultimato ainda este ano. Mas sua concorrente principal acaba de lançar esta produção com um orçamento modesto demais comparado com as produções padrão do gênero, e que já era muito aguardada por conta dos trailers e toda aclamação/polêmica que a crítica americana tem se questionado a respeito de CoringaQuebrando tudo o que se entende em termos de adaptação do gênero de quadrinhos, o filme dirigido pelo Todd Philips, vindo da comédia adulta Se Beber, Não Case!, demonstra extrema competência e até mesmo talento acima da média na direção ao utilizar o vilão mais famoso e emblemático dos quadrinhos, e construir, a partir dele, munido da fotografia, direção de arte, e trilha sonora impecáveis, um retrato mórbido da decadência social e da degradação mental que leva à loucura vivida pelo protagonista Arthur Fleck, vivido magistralmente por Joaquim Phoenix.


A entrega total do ator chega a ser aterrorizante, desde sua magreza explícita até mesmo os ataques de risos involuntários, isso tudo demonstra um incômodo perturbador para a plateia, mas sua construção da psicopatia é o que denota todo o tom e define a mensagem complexa e forte sobre a sociedade e sua ruína que está na nossa frente e chega a ser dolorosa de se enxergar, mas que é necessária ver para questionar se é possível encontrar alguma solução antes que seja tarde, o filme atinge a noção com certas abordagens agressivas através de sua violência visceral e psicológica, que será debatida por muitos anos. Impactante, fora da caixa, emblemático, real e cru, polêmico e brilhante, Coringa é o filme de quadrinhos mais transgressor já feito, e existe a possibilidade dele se tornar um clássico devido ao impacto cultural, que tudo leva a crer que esse filme ainda tem muito a percorrer. 



Nota: 9,5





Amanda Sperandio:



A opinião do diretor Michael Moore – de Tiros em Columbine – resume, basicamente, algo fundamental para entender a proposta de Coringa. Ao se referir ao longa como obra-prima cinematográfica, ele explica que “tudo o que ouvimos sobre esse filme é que devemos temer e ficar longe dele. Nos disseram que é violento, doente e moralmente corrupto. Fomos informados de que a polícia estará presente em todas as sessões neste fim de semana em caso de ‘problemas’. Nosso país está em profundo desespero, nossa constituição está em pedaços, um maníaco desonesto do Queens tem acesso aos códigos nucleares – mas por algum motivo, é de um filme que devemos ter medo”. 



E o posicionamento de Moore não faz sentido apenas na realidade estadunidense, mas também dentro de uma lógica ultraconservadora que assola o mundo de modo geral, inclusive e, me arrisco a dizer, principalmente o Brasil. E o incômodo que ele causa em uma parcela da sociedade é justamente fruto do sucesso da mensagem do filme. Se trata de questionar o porquê de uma maioria ser ignorada, menosprezada, violentada e nada ser feito a respeito; de pessoas de classes mais baixas e/ou com alguma doença psicológica se sentirem invisíveis a ponto de nem aqueles que deveriam ser sua última esperança de serem ouvidos, deixá-los desamparados por completo. 



É um filme sobre uma sociedade doente, um governo que deixa os mais necessitados desprovidos de qualquer ajuda, uma minoria de classe alta que parece só enxergar o resto da população como meio de deboche, violência e marginalização. É bem definida aqui a visão de Outro x Nós, na qual a violência é relativizada de acordo com o lado que a comete.  
Aqueles que buscam fazer de Coringa um novo Laranja Mecânica, propagando e espumando que o filme faz apologia à violência e justifica crimes, são todos os Thomas Wayne que lutam desesperadamente para silenciar os Coringas da vida real, enquanto pregam que a maldade é hereditária, proveniente de um gene ou mutação genética – isso apenas quando não pertencentes da classe dominante, é claro.

É uma obra-prima por si só.

Nota: 10







Isabella Thebas:



Performance. Autoexposição; atuação; desempenho; uso do corpo. Coringa é um filme-personagem-performance que esmaga ao sentir. Joaquin, Coringa, Arthur, Happy. Nossos ouvidos são seus, nossos olhos são seus e nossos corações são seus. A um palmo dos espectadores, sua dor e a violência latente. Uma construção cinematográfica arrebatadora em que todos seus elementos convergem para uma tocante imersão. Um filme que, pela empatia provocada por um dos mais perversos vilões do cinema, faz pensar. Na dor, na violência, no amor, no poder, na opressão e principalmente na sociedade capaz de criar o Coringa.



Nota: 10






Pedro Blattner:



Um filme que acreditava ser desnecessário quando fora anunciado, torna-se hoje indispensável para qualquer pessoa, um filme obrigatório. Joaquin Phoenix dispensa comentários, atuação impecável. A DC/Warner está acostumada a fazer filmes “sombrios”, porém, Coringa não é sombrio, é pior do que isso, é muito real. Os acontecimentos são palpáveis, em alguns momentos dá a impressão de que estamos vendo  um documentário, pois tudo é retratado seriamente, o descaso com a saúde, a sociedade tóxica, divisão de classes, falta de empatia, coisas que no mundo real são exatamente iguais.


A construção do personagem é impressionante, Arthur Fleck tem milhões de camadas, é impossível conseguir desvendá-lo assistindo apenas uma vez ao filme, não tem como realizar um diagnóstico e dizer que ele tem especificamente um tipo de doença, sua mente é toda bagunçada. Como acompanhamos a história do ponto de vista dele, fica difícil saber o que está acontecendo de verdade e o que não está. A trilha sonora composta pela islandesa Hildur Guðnadóttir é fantástica, ajuda no processo de desenvolvimento do Arthur/Coringa, compartilha com o público a dor e angústia do personagem, dando mais profundidade ao seu arco. Coringa é um filme marcante, completamente atual, necessário, cruel, toda a polêmica em volta do longa não tem procedência, ele não glorifica a violência ou as atitudes do personagem em nenhum momento, peca por ser expositivo demais em um momento x, mas nada que tire a grandeza de sua obra. Merece estar na premiação do Oscar com algumas indicações, fotografia, direção de arte, trilha, atuação, direção e até para Melhor Filme, porque com toda certeza é o melhor do ano até então.


Nota: 10






Samuel Antunes:


Começo esta rápida análise com duas perguntas aos leitores: vocês conheciam os filmes do diretor Todd Philips? Qual havia sido a grande atuação de Joaquin Phoenix no cinema? Se responderam não pra primeira pergunta e Her ou Gladiador pra segunda, devo dizer que Coringa mudará suas opiniões. Centrado na icônica figura do vilão sádico do Batman, este filme mostra a origem do vilão a partir de uma visão única de Todd Philips, que optou por fazer sua própria versão do Coringa sem recorrer às histórias em quadrinhos. Arthur Fleck é um homem renegado, com depressão e à margem da sociedade. Procurando seu próprio papel na vida, ele se dedica a criar sua imagem como Coringa e punir os responsáveis pelo seu sofrimento. No que tange à violência, Coringa é um filme extremamente pesado, e sobretudo desconfortável, pois evidencia como uma pessoa sucumbe aos seus piores problemas mentais. Vale a pena assistir pelo grande talento de Joaquin Phoenix, e talvez este filme sinalize o começo de uma nova leva de filmes sombrios de super-heróis.


Nota: 8,5






Leonardo Costa:


Poderoso, provocante, complexo, questionador, reflexivo, sufocante, assustador, opressivo, desesperançoso, cruel e atual. Um estudo psicológico e sócio-político brutal, rumo à loucura e o caos.


Faltam adjetivos para descrever este filme, que carrega uma das melhores atuações dos últimos tempos, pois o que Joaquin Phoenix faz como o Coringa é de outro patamar, é sobrehumano, existe um trabalho corporal, vocal e psicológico que é arrebatador. Coringa é o melhor vilão do cinema, o melhor personagem já escrito em uma HQ e aqui é a comprovação disso. A DC entrega um de seus melhores filmes de todos os tempos, ao lado de Batman – O Cavaleiro das Trevas e Watchmen, e estes são sem dúvidas os melhores filmes saídos de mitologias de “heróis”. Aqui, há um estudo complexo de personagem, da condição mental de alguém doente, nas duas horas inteiras vemos apenas Arthur Fleck e tudo o que acontece ao seu redor, a maneira que ele enxerga algumas coisas e vamos vendo como o sistema da sociedade encara e cria um ambiente onde monstros podem se desenvolver. Com aspecto sujo, que remete aos filmes da Nova Hollywood dos anos 70 e início dos 80 (Táxi Driver, O Rei da Comédia, Poderoso Chefão, Um Estranho no Ninho), Coringa traz uma construção visual impecável, tão tortuosa e desconstruída quanto seu protagonista. E a trilha sonora melancólica e nervosa ajuda nessa atmosfera, gerando momentos tensos e de calafrios. O filme possui aos menos umas 3 cenas que se tornarão icônicas, especialmente no fantástico final.


Não se engane, ele não é um herói, mas um perverso vilão, mas é mais um, dentre outros tipos de vilania. Garotos brancos endinheirados que se acham e fazem bullying também são vilões. Governos corruptos que cortam gastos (SUS, medicação, assistentes sociais, que não geram emprego e aposentadoria e outras coisas básicas) também são influência para surgir histeria coletiva e sociopatas. Burgueses escondidos no seu poder e que olham com desprezo aos menos favorecidos também somam para os abismos sociais, cada vez mais presentes em um mundo que idolatra mitos poderosos que fazem sinal da arminha, dizem palavras duras que ofendem ou esnobam parte da população, que não tem empatia pelo próximo e que só se importam com seu poder, sua influência, seus nepotismos e suas arrogantes posturas.


Coringa ainda traz uma questão muito séria de como a sociedade encara os transtornos mentais e como essas pessoas doentes, que precisam de todo apoio possível, são na verdade ignoradas, encaradas com preconceitos ou indiferenças, e como fazer isso pode levar insanos ao extremo da loucura. Imagine alguém que perdeu tudo na vida e a única coisa que tem é o tratamento público (tipo SUS), mas este tratamento é cortado pelos poderosos que nunca precisaram fazer uso de tal, afinal tem todos recursos para fazer isso no privado, se isso acontecer, quantos Coringas teremos à solta?


Coringa fala da desconstrução da imagem do mito e de como as pessoas gostam de idolatrá-los, muitas vezes por uma bizarra fagulha de esperança de que as coisas vão melhorar. A criatura é a pior possível, mas na tentativa de mudança, se espelha nela numa vã esperança dela fazer algo de bom (pois é Brasil). Isso tudo é fruto de uma sociedade doentia, que se espelha no poder como fonte de esperança, enquanto na verdade deveria ser a empatia pelo próximo. E quando acaba a empatia, começa a violência. Líderes “bem intencionados” não vão acalmar as coisas ignorando parte da população, pois aquela parcela que não lhe interessa ficará a mercê do que vier, e o que vier pode ser o caminho violento.


Há ainda elementos filosóficos complexos, assim como mitologia grega, note os conceitos de Narciso (orgulho) e Sísifo (estar fadado a um ciclo cotidiano de miséria). E isso tudo que estou falando é a ponta do iceberg. Extremamente atual na questão política, e um verdadeiro alerta e convite para empatia na questão mental e psicológica, é muito, mas muito bom ver um filme que deveria ser de ação e de “herói” (o que mais atrai público hoje em dia), mas como forma de pegadinha, te desmonta, te faz refletir, não te lança respostas, mas te obriga a se questionar. E se questionar é aquilo que as pessoas mais precisam fazer, mas o que os poderosos menos querem que você faça. Isso porque se questionar derruba poderosos, arranca máscaras e entrega respostas desconfortáveis, verdades inconvenientes. De uma forma ou de outra, é um filme onde carapuças servem para todos, como humanidade. Não é um filme fácil, e nem era para ser. Um suspense dramático psicológico poderoso, melhor filme do ano até então. Uma aula de cinema, cinema de verdade.


“A pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não tivesse.”



Nota: 10


Amanda Dionigi:


Em poucas palavras é difícil descrever o brilhante trabalho
apresentado em Coringa. O visual do
longa-metragem remete a uma nostalgia suja, como se houvesse uma falsa
esperança de algo melhorar em Gotham City. O roteiro bem construído de Scott
Silver e Todd Phillips permite ao espectador adentrar o universo de Arthur
Fleck, como se fosse possível dissecar seu cérebro e suas ações. Joaquin
Phoenix, por sua vez, tem uma força que atravessa qualquer barreira física,
assim como o filme. Nas cenas em que dança, sua expressão corporal é de vidrar
os olhos: ele traz a delicadeza da emoção ao mesmo tempo em que realiza
movimentos físicos que levam a uma brutalidade latente.


   O filme se mostra
um dos mais pertinentes do ano ao colocar a realidade mais bárbara em cheque. A
impermanência mental de Coringa é também o não saber o que esperar de uma
sociedade que ora te deixa passar despercebido, ora te soca no estômago sem
aviso prévio. Não há heróis ou vilões; o que existe é uma sociedade fria e
cruel, na qual a violência de Arthur Fleck passa a ser uma “resposta” louvável
para quem não vê mais saída a muito tempo. Esse é o ponto em que chega a doença
da sociedade. As violências não são retratadas como justificativas à sujeira da
humanidade, apenas aparecem como de fato acontecem e é isso que mais choca. E
por esse caminho que o filme se mantém tão rico: mais questões são levantadas
do que perguntas são respondidas.


   A reflexão de Coringa não para na telona. As pessoas
com transtornos mentais são marginalizadas dia após dia. Os falsos profetas e
salvadores da pátria continuam prometendo uma solução mágica que nem sequer
existe para problemas que não os fazem cócegas. O enredo da obra continua: em
casa, na rua, na nossa sociedade.

Nota: 10





Nota média geral:





Título Original: Joker

Direção: Todd Phillips

Duração: 122 minutos


Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz

Sinopse: Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) trabalha como palhaço para uma agência de talentos e, toda semana, precisa comparecer a uma agente social, devido aos seus conhecidos problemas mentais. Após ser demitido, Fleck reage mal à gozação de três homens em pleno metrô e os mata. Os assassinatos iniciam um movimento popular contra a elite de Gotham City, da qual Thomas Wayne (Brett Cullen) é seu maior representante.




Trailer:


E você, já assistiu ao filme? O que achou? Não assistiu? Está esperando o quê? Corre pro cinema!

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