Crítica: Anne With An E – 2ª temporada (2018, Paul Fox e outros)



— Anne, como é que você pensa nessas coisas incríveis o tempo todo?
— Eu me inspiro na vida, Diana. Me inspiro na vida.
Confira o texto sobre a primeira temporada aqui


A segunda temporada começa e Anne (Amybeth McNulty) está agora com 14 anos. Logo nas primeiras cenas observamos que seu jeito único e encantador de ver a vida permanece como sua armadura mais forte. Ela ama a natureza, abraça as árvores e fala com elas. É por meio dessa personagem que sentimos toda a leveza que a série tenta (com sucesso) nos passar.


Após a linda primeira temporada, as coisas poderiam até ter mantido o mesmo ritmo ao tratar dos temas de impacto social, mas felizmente a série se aprofundou e trouxe novos debates. Além de continuar abordando feminismo, bullying e sexualidade com muito mais rigor, a segunda temporada de Anne With An E discutiu racismo, algo que não foi feito na primeira. Conhecemos então o personagem afro-caribenho Sebastian (que prefere ser chamado de Bash), interpretado por Dalmar Abuzeid. Ele se torna grande amigo de Gilbert Blythe (Lucas Jade Zumann) ao se conhecerem trabalhando em um navio a vapor. A série vai mostrando como os negros são vistos e tratados pelos brancos e que mesmo após a escravidão ter acabado em teoria, ela ainda permanece.


A temporada tira um pouco o foco da Anne e transita pelos outros personagens. Todos estão em busca de suas identidades e vocações. Gilbert foi criado para cuidar da fazenda da família, mas isso nunca foi o que ele quis fazer na vida, então ele decide viajar para tentar se descobrir e acaba decidindo qual carreira quer seguir durante uma das cenas mais tensas de toda a série: quando uma mulher aleatória está em trabalho de parto e ele precisa ajudar. Não vou dar detalhes sobre o que acontece, mas a determinação de Gilbert é admirável nesse momento. E sua amizade com Sebastian demonstra também a maturidade que ele tem, o plot dos dois é um dos mais importantes e bonitos, ver como um aprende com o outro e sabem ceder. Ter Sebastian como amigo é essencial para algumas das decisões que Gilbert toma.


Sebastian e Gilbert



Nessa segunda temporada também conhecemos outro personagem que tem um arco bem importante: o Cole (Cory Gruter-Andrew). Ele se torna cada vez mais querido a medida em que vamos conhecendo-o. Quando ele aceita a si mesmo e expressa isso, ah… é seu melhor momento! Só assistindo mesmo para entender. E também há uma cena entre ele e o professor (Mr. Phillips, interpretado por Stephen Tracey), nela é revelado a verdade sobre essa figura docente que nos tira tanto do sério, toda a sua maldade com os alunos é fruto de sua frustração consigo mesmo. Isso não significa que todas as pessoas que não se aceitam por quem elas são, acarretam comportamentos cheios de ódio, ou vice-versa. Mas no caso do Mr. Phillips, ele possui uma mente tão corrompida pelos valores aceitos socialmente, que acaba agindo de acordo com seus medos e não procura confrontá-los.




Por falar em pessoas más, essa temporada trabalha inicialmente com os dois personagens que foram introduzidos no final da primeira: os golpistas Nate (Taras Lavren) e Mr. Dunlop (Shane Carty), que se passam por pensionistas na fazenda Green Gables, já que Marilla (Geraldine James) e Matthew Cuthbert (R.H. Thomson) estão enfrentando uma crise financeira. Esse plot felizmente não se estende por toda a temporada, pois iria ficar cansativo. A única ressalva é que poderiam ter mostrado uma cena do Nate sendo capturado e pagando pelo crime que cometeu na cidade de Avonlea. 


Nate e Mr. Dunlop

Voltando a falar de Anne, desde a primeira temporada sabemos que ela não tem a melhor autoestima, e o episódio 2×05 aborda exatamente isso. Ela se sente tão insegura com sua aparência que decide mudar o cabelo pelos motivos errados, mas essa decisão acaba não dando muito certo e também levanta o posicionamento de que não há nada mais incrível do que ser você mesmo. Além disso, o episódio mostra a atitude ridícula dos meninos da escola levantando as saias das meninas, a melhor parte é quando Anne fala: “uma saia não é um convite”. Essa frase chama a atenção pois é algo tão óbvio, mas que muita gente não entende e acha que se uma mulher é assediada a culpa é dela. Não é! Os meninos precisam ser educados desde cedo para respeitarem meninas e saberem que o tipo de roupa não significa passe livre para tocar.


O episódio 2×07 talvez seja o melhor de todos. Nele ocorre uma festa na casa da tia de Diana (Dalila Bela), Josephine (Deborah Grover), e há tantos momentos e diálogos maravilhosos. Os amigos de Josephine são incomuns para a época e população que costumamos ver na série, são artistas com a mente aberta e que abraçam a diversidade. Anne logo se encanta com todos, assim como Cole que se identifica, mas Diana se sente estranha, como um peixe fora d’água, e isso é resultado do pensamento conservador de seus pais e de como eles a criam. Mas como a própria Anne fala: “a sua vida não precisa ser uma réplica exata da vida dos seus pais”. Diana logo consegue superar seus preconceitos, principalmente em relação à sua tia. Como foi visto na 1ª temporada, a sexualidade de Josephine foi tratada de forma sutil e já na 2ª, em especial nesse episódio 2×07, ela fala abertamente sobre seu amor por outra mulher (Gertrude), e cria um vínculo muito lindo com Cole.


Cole e Josephine

Diana e Anne

Mais para o final da temporada, conhecemos outra personagem: a nova professora, Muriel Stacy (interpretada pela atriz Joanna Douglas), que chega como uma ótima surpresa. Ela é independente, usa calça (não era costume as mulheres usarem calças na época em que a série se passa) e Anne imediatamente a enxerga como inspiração. O problema é que a comunidade de Avonlea a encara como uma ameaça às crianças e é preciso de um plano, criado por Anne, para conseguir convencer os adultos de que Muriel é uma porta aberta para novos conhecimentos. Ela acaba influenciando nossa ruivinha a escolher sua futura profissão, que na verdade é algo que sempre esteve dentro dela. Antes disso, até vemos Anne se oferece para ensinar Jerry (Aymeric Jett Montaz) a ler e escrever, algo que ela faz muito bem. A amizade entre os dois é muito bonita, assim como é com o Cole.


Muriel e Anne

Outro destaque da temporada está em seus flashbacks, como quando vemos mais sobre a vida passada de Anne e como ela era tratada pelas colegas e funcionários do orfanato. Ou os que são sobre Matthew e Marilla ainda jovens, e como foi difícil para eles perderem o irmão e terem que cuidar da mãe doente, sendo caracterizados como “aqueles que nunca casaram” e por uma vida sem oportunidades e aproveitamentos. Também é mostrado que o doce Matthew sempre foi extremamente tímido, desde criança ele tem dificuldade para se comunicar com outras pessoas e isso prejudicou muito seu caminho. Mas é claro que depois de sermos arrebatados com essas informações, a série traz a esperança de volta, seja mostrando Matthew conseguindo falar em público ou nos lembrando que o vínculo entre ele e sua irmã, Marilla, é tudo o que importa e eles nunca precisaram de outros companheiros para se sentirem completos, pois o casamento não precisa ser uma obrigação na vida das pessoas. Aliás, há uma cena muito linda e libertadora sobre isso envolvendo a personagem Prissy Andrews (Ella Jones Farlinger).

Em seu contexto, a série enfatiza relacionamentos e conexões entre os seres humanos. Seja entre Matthew e Marilla, Matthew e Anne, Marilla e Anne, Diana e Anne, Cole e Anne, Cole e Josephine, Jerry e Anne, Gilbert e Anne, Sebastian e Gilbert ou Sebastian e Mary (Cara Ricketts). E como estar simplesmente presente para o outro já vale como um ato impagável.


Enfim, Anne With An E traz um novo debate a cada episódio, que pode resultar em longas conversas com belas lições. É uma série que vale a pena ser discutida exatamente por trazer de forma tão simples e leve temas que têm um peso de importância muito forte. A segunda temporada se aprofunda nos assuntos, mas se iguala com a primeira no sentido de nos manter encantados com a história e personagens. Que série gloriosa! 


Título Original: Anne With An E

Direção: Helen Shaver, Paul Fox, Ken Girotti, Anne Wheeler, Norma Bailey, e Amanda Tapping.

Episódios: 10

Duração: 44 minutos

Elenco: Amybeth McNulty, Geraldine James, R.H. Thomson, Dalila Bela, Lucas Jade Zumann, Dalmar Abuzeid, Cara Ricketts, Cory Gruter-Andrew, Aymeric Jett Montaz, Corrine Koslo, Christian Martyn, Ella Jonas Farlinger, Joanna Douglas, Deborah Grover, Taras Lavren, Shane Carty e outros.

Sinopse: A chegada de novos personagens desafia a população de Avonlea ao apresentar propostas diferentes daquelas que estão acostumados, seja para o bem ou mal.

Trailer:
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