Crítica: A Missão (1986, de Roland Joffé)


Vencedor de inúmeros prêmios, dentre eles a Palma de Ouro do Festival de Cannes, o Oscar de Melhor Fotografia e o Globo de Ouro de Melhor Roteiro e Melhor Trilha Sonora, A Missão é uma obra linda, tocante, crua e necessária ainda hoje, em um Brasil cada vez mais perdido na mão dos gananciosos e autoritários, que nada fazem para preservar nossa natureza e nossos índios. Pelo contrário, menosprezam, derrubam e matam tais elementos, os verdadeiros herdeiros de nossa terra.


O contexto histórico do filme se passa durante a Guerra Guaranítica, que ocorreu entre 1750 e 1756, onde as tropas espanholas e portuguesas “conquistaram” os índios Guaranis, no sul do Brasil, após a assinatura do Tratado de Madrid, no dia 13 de janeiro de 1750. Caso os índios, que eram escravos dos portugueses, fossem convertidos pelos jesuítas espanhóis, os mesmos seriam súditos da Espanha e “livres” (sob alguns requisitos, lógico). Caso contrário, os portugueses podiam tirá-los do mapa. Os índios Guaranis da região dos Sete Povos das Missões recusaram-se a deixar suas terras no território do Rio Grande do Sul e a se transferir para o outro lado do rio Uruguai, conforme acertado no acordo de limites entre Portugal e Espanha. Então em um acordo entre o governo português e a igreja espanhola, garantiu-se que os Guaranis não atrapalhassem os planos de “progresso” dos europeus. Duas nações poderosas decidindo o destino de um povo simples e nativo.

Falando da obra, este é um belíssimo clássico não tão reconhecido. Aqui, Robert De Niro é um mercador de escravos arrependido, que após um erro, um tempo na prisão e sentindo-se perdido e com consciência pesada, se junta a alguns jesuítas espanhóis bem intencionados (Jeremy Irons e Liam Neeson), afim de lutar pelos índios. Eles precisam converter os índios antes que os portugueses os “tirem” à força de suas terras. Claro que esses jesuítas ainda tem que se reportar à igreja na Espanha, fazendo assim que o tratado entre ambos países permaneça de forma pacífica. Conforme eles conhecem a vida humilde e pura dos índios, mais se apaixonam por essa perspectiva de vida. Porém, mais difícil fica de impedir uma tragédia.


O roteiro, bastante tocante, consegue mostrar os conflitos em dois níveis. O primeiro é o mais abrangente, mostrando a tensão política e o cotidiano dos nativos como povo. O segundo conflito é à nível intimista, explorando de forma particular os medos, falhas e esforços dos jesuítas em pleno fogo cruzado. Embora tê-los como protagonistas pareça white savior (homem branco tentando salvar a situação), a obra é bem contextualizada, é interessante observarmos o ponto de vista deles. A direção de Roland Joffé é firme e certeira, talvez o melhor e mais maduro trabalho do cineasta, pouco lembrado hoje em dia.

Partes do longa foram filmadas em São Miguel das Missões, no Rio Grande  do Sul, onde hoje é um local turístico famoso. A estonteante fotografia consegue mostrar a beleza da nossa terra (dá vontade de conhecer as Ruínas de São Miguel), além das demais locações, como nas cachoeiras e florestas (hoje desmatadas) da região. 


Na trilha sonora, mais uma vez o maestro Ennio Morricone entrega uma bela e emocional faixa melódica. Morricone é um gênio, um poeta de melodias, seus temas emocionam em um nível pessoal e espiritual que é difícil explicar. Quem lembra da trilha sonora de Cinema Paradiso sabe do que falo. E aqui não é diferente, a canção tema ajuda a dar um tom de  pesar e  tristeza à trama.

Robert De Niro tem um grande desempenho, um dos melhores de sua carreira, cheio de camadas. De início vemos sua arrogância e ambição, seu ódio cego, ódio disfarçado de “trabalho” e senso de dever. Depois vemos na sua figura um homem quebrado ao meio, no fundo do poço, esmagado, enxergamos no seu olhar todo o seu peso e sofrimento. Tal arrependimento leva ao próximo passo, que é tentar dar a volta por cima e compensar fazendo  o bem. Ele é a personificação da palavra redenção, se opondo aos poderosos e ajudando os oprimidos. Jeremy Irons e Liam Neeson também entregam sólidas atuações.


Com um final devastador, A Missão nos lembra da inconveniente verdade de que nosso progresso, nossas cidades e ruas foram construídas com o sangue de índios, negros e animais. Um filme atual, pois em pleno 2019, presidente e governantes não apenas decidem o destino de reservas ecológicas, povos indígenas e florestas. Suas palavras e ações em público fazem piada, desdenham e incentivam o desprezo e a diminuição desses que seriam os verdadeiros herdeiros do Brasil. Permitem que fazendeiros e empresas invadam territórios verdes, facilitam para que crimes como as queimadas da Amazônia e assassinatos de caciques de tribos ocorram. E ainda lançam ironias e fake news sobre isso tudo, como que ONG’s fossem culpadas por isso. 

Para completar, mascaram suas reais intenções gananciosas e preconceituosas com supostas preocupações com a economia do país e o futuro da nação. Esquecem-se que o futuro da nação é construir um destino igual para todos, preservando o meio ambiente e os seres nativos da terra. Infelizmente isso é utópico, o errôneo homem branco sempre esteve no controle, manchando de vermelho sangue nossas verdes florestas. 

tulo Original: The Mission

Direção: Roland Joffé

Duração: 126 minutos

Elenco: Robert De Niro, Jeremy Irons, Liam Neeson, Ray McAnally, Aidan Quinn, Cherie Lunghi, Ronald Pickup, Chuck Low.

Sinopse: no final do século XVIII, Rodrigo Mendoza é um mercador de escravos espanhol que faz da violência seu modo de vida, mata o próprio irmão na disputa pela mulher que ama. Porém, o remorso leva-o a juntar-se aos jesuítas, nas florestas brasileiras. Lá, ele fará de tudo para defender os índios que antes escravizara..

Trailer:

Bônus:

Tema sonoro do filme, composto pelo gênio Ennio Morricone:

Já assistiu esse grande filme? Acredita em redenção? Concorda que os poderosos do Brasil sempre menosprezaram os índios?

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