A Equipe Comenta: Nise – O Coração da Loucura (2015, de Roberto Berliner)

 Amanda Mergari:

     O longa-metragem brasileiro narra uma história real, de Nise da Silveira, que foi uma doutora que defendia a terapia ocupacional em hospitais psiquiátricos, bem como um tratamento mais humanizado dos pacientes. O filme se passa em 1950, e foi dirigido por Roberto Berliner.  
    Acredito que o primeiro plano de um filme, bem como seu último, diz muito sobre a perspectiva do diretor/diretora sobre a história contada. Neste caso, o primeiro plano do filme é Nise chegando ao hospital. Vemos a fachada do local. Ela é toda cinza, carcomida, e Nise chega vestindo uma paleta bordô, cheia de vida e paixão pelo que acredita. Nise é apaixonada, mas dura, firme, decidida. Sem aquele estereótipo de que as mulheres sempre são mais doces. Nise é doce à sua maneira, e que não é uma maneira nada óbvia de amar e de lutar. 

    A câmera utilizada ao longo do filme é toda na mão. Talvez para mostrar que Nise pairava sobre uma situação instável, difícil, quase como se andasse numa corda bamba e não pudesse vacilar, porque era a única ali lutando pelos direitos daquelas pessoas serem tratadas de maneira decente, como qualquer ser humano, independente dos problemas que enfrentam psicologicamente.

 
      A escolha de uma câmera instável pode ter também outro significado. Talvez para simbolizar o local e as muitas inconsistências dos pacientes, que variavam seu humor devido à vários motivos: quando são provocados, quando são mal-tratados, ignorados, torturados ou entupidos de remédios. Um tratamento desumano que Nise não iria permitir. 

   Ao chegar ao hospital, Nise vai à uma palestra. É a única mulher na sala. Os homens a encaram com desprezo e incredulidade. Um doutor vai à frente e faz um experimento brutal com um paciente. Dali em diante, ao longo do filme, Nise faz cada vez mais críticas diretas aos médicos daquele local e coloca uma nova perspectiva sobre as pessoas lá internadas: “Daqui pra frente não chamaremos mais eles de ‘pacientes’. Eles são nossos ‘clientes’. Estamos aqui para serví-los e ajuda-los no que for preciso”.




   E se o hospital está totalmente sucateado, a ala em que Nise ocupa tenta se diferenciar disso. Torna-se a mais bem cuidada, limpa e convidativa do local. Nise inicia uma terapia ocupacional baseada na arte da pintura. Cada ‘cliente’ faz seu próprio quadro com a maior liberdade. 
  A construção de todos os personagens foi bem humanizada. Cada um teve sua história pregressa, e inclusive foram também baseados em pacientes reais. E Glória Pires entrega o que talvez tenha sido uma de suas melhores interpretações, porém o filme não chegou a ter o destaque merecido, infelizmente. 

  É importante destacar a participação da Dona Ivone Lara, mestre do samba brasileiro que atuou como enfermeira e assistente social junto de Nise. No filme, ela é representada pela atriz Roberta Rodrigues.
  O filme promove muito mais que só mostrar os desafios do trabalho de Nise. Somos convidados a ir para dentro da casa da personagem e a descobrir suas intimidades. Sua casa, seu relacionamento com seu marido e com seus gatos. Isto tudo dá mais profundidade à esta personagem que já amamos. E no final, ainda somos presenteados com alguns rápidos trechos de uma entrevista que a “Nise da vida real” concedeu.  

Iago Rezende: 
     Roberto Berliner traça, por meio de Glória Pires, o perfil de Nise da Silveira. A médica foi a única mulher entre outros 157 homens a se formar na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1931. Simpática ao comunismo, Nise fora denunciada e presa pela política do Estado Novo da era Vargas, por 18 meses. Lá, dividiu cela com Olga Benário, militante alemã cujo filme foi lançado em 2004, dirigido por Jayme Monjardim.
    Embora os anos de cárcere tenham sido apresentados de modo sutil no filme, o perfil psicológico da personagem é apresentado por um viés revolucionário. Da célebre frase: “o meu instrumento é o pincel, o seu é o picador de gelo”; até o desconforto da médica ao encontrar um comportamento machista nos colegas de profissão – e até mesmo em Jung, que a trata por pronomes masculinos antes de conhece-la –, a obra resgata o passado brasileiro com discussões pertinentes na atualidade.

     Desta forma, o coração da loucura, subtítulo do filme, apresenta os modos diversos de tratamento daqueles que sofriam por diversos fatores mentais. A arte que a médica conduziu transformou a realidade do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, com a terapia ocupacional. Transpostos para a ficção cinematográfica, o reconhecimento de Nise da Silveira não apenas fundamenta o cinema de biografia, gênero bem executado no Brasil, mas também leva para a contemporaneidade a história de uma mulher, mesmo no século XXI, está à frente de nosso tempo. 

Eduarda Souza:
     O Hospital Espírita André Luiz, localizado em Belo Horizonte atende pacientes em quadro psiquiátrico e em dependência química. Possui ainda, uma ala para realização de ECT, a Eletro Convulso Terapia, que literalmente trata-se de uma terapia de choque para pacientes psiquiátricos em estados mais graves. Durante os anos de 2015 e 2016 trabalhei neste hospital e minha visão da vida mudou completamente depois desta experiência.
     Pouco tempo depois tive contato com a obra de Berliner, que traz Glória Pires em um dos melhores papéis de sua carreira. A obra aproxima-nos grandemente de uma experiência dentro de um hospital psiquiátrico e mais ainda, reforça a necessidade de tratamento digno para pacientes neste quadro, que eram, no passado, tratados de forma desumana.
      A TO (Terapia Ocupacional) é uma das principais atividades desenvolvidas para pacientes no hospital no qual trabalhei e é nítida a diferença no comportamento dos pacientes, trazendo equilíbrio e autoconhecimento para as mentes que necessitam tanto de paz. É o legado de Nise da Silveira reverberando em nossos dias.  


Nota que Amanda Mergari deu para o filme:






Nota que Iago Rezende e Eduarda Souza deram para o filme:






Título Original:  Nise – O Coração da Loucura

Direção: Roberto Berliner

Duração: 108 minutos

Elenco:  Glória Pires, Simone Mazzer, Julio Adrião, Flavio Bauraqui, Fabrício Boliveira (…)

Sinopse: Nise é uma doutora que tenta implantar a terapia ocupacional num cenário difícil de um hospital psiquiátrico em 1950. Ela encontrará muita resistência da maioria dos médicos que não acreditam em tal método, mas sim em tratamentos de choque elétrico.

                            Trailer:

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