The Act é a nova série do serviço de streaming da Hulu, forte concorrente da Netflix e Amazon, que já se firmou com The Handmaid’s Tale e Killing Eve, e que continua numa crescente incrível. Em The Act, o formato é antológico, ou seja, a cada temporada seremos imersos em uma nova trama e um novo crime, com um novo elenco e personagens. Nesta primeira empreitada, conhecemos a assustadora trama verídica de Dee Dee Blanchard, uma mãe perturbada que além de super protetora, mente e forja várias doenças na sua filha Gypsy, para manter a menina sempre sob seus cuidados. Mas conforme a menina cresce, começa a ter noções de algumas coisas estranhas e começa a sentir a necessidade de ter amigos e relacionamentos amorosos, então os atritos entre elas surgem.
Como todos os três possuem algum tipo de transtorno psicológico e trauma, algumas situações são levadas ao extremo. Mas é interessante o tratamento ambíguo que o roteiro dá às personagens, muitas vezes fazendo-nos sentir empatia pelas dores de ambas as partes. Note como que, apesar de todos os atritos, mãe e filha se amam. Ou como o jovem casal é sonhador e romantiza os acontecimentos com uma certa ingenuidade.
E completando uma bela trindade em atuação, Calum Worthy entra na metade final da trama trazendo outro desempenho sólido. O assustador personagem Nick possui uma segunda identidade autoassumida como vampírica, ele introduz a menina no mundo do sadomasoquismo web e sexo virtual – isso através do tal site cristão – fazendo-nos ter nojo e receio dele de início, pois sua psicopatia é evidente. Mas novamente, o ótimo roteiro nos mostra que não é bem assim, existe um lado do rapaz que é humanizado, ele ama de fato Gypsy e também sonha de forma lúdica com a menina. Devido o seu claro problema psiquiátrico, Nick tem dificuldades de manter o emprego, se socializar e tais desafios faz-nos sentir certa pena do rapaz. A atuação dele é ótima e causa uma mistura de empatia com aversão.
E assim o roteiro vai brincando com a ambiguidade dos personagens. A direção de arte, fotografia, figurino, toda mise en scène e a parte técnica visual e sonora, embora simples, fazem um bom trabalho em ajudar a compor a atmosfera cênica do momento em questão. Note como quando a trama está focada no interior da casa de Gypsy, tudo é rosa ou azul claro, bastante lúdico e um tanto “cores de bebê”, mas isso se dá de forma que causa estranhamento, pois é uma mãe aprisionando sua filha, não aceitando que ela está crescendo. Ou quando Gypsy e Nick traçam seus planos, a iluminação e todo visual absorvem características obscuras, causando uma sensação de desconforto. Assim como quando a segunda personalidade vampírica de Nick se apresenta, a fotografia e iluminação adquirem tons vermelho sangue e preto, causando uma sensação de terror.
A direção é competente, não chegando a fazer algo revolucionário, mas boa o suficiente para manter todos os 8 episódios de uma hora bastante ágeis e intensos. Intensidade auxiliada pelas grandes atuações, que são o maior acerto da obra. Um pequeno ponto a se criticar, talvez seja que o tal “ato” em si que o título sugere, é pouco mostrado, assim como o último capítulo talvez soe anticlimático e diferente dos anteriores, embora ainda interessante. Se por um lado não vemos “o ato” em si, o trunfo da obra é desenvolver muito bem as motivações que levaram à ele.
The Act dialoga diretamente como um alerta às famílias que possuem membros com determinados transtornos emocionais, que tais pessoas precisam estar rodeadas de amor, apoio e compreensão. Ainda mais, mostra-se que nem todo crime frio e calculado é elaborado por pura maldade, mas que uma série de problemas familiares e emocionais, levados à exaustão, podem resultar em tragédia. Ainda serve de alerta para que os pais não sufoquem a liberdade dos filhos conforme eles forem crescendo, isso pode custar a identidade e boas oportunidades para eles. Por fim, ainda fica a reflexão que por trás de muitos crimes bárbaros, o que vai a público no jornal é só a ponta do iceberg e que muitas vezes, podem existir muitas nuances e camadas de uma mesma situação. Camadas presentes na complexidade da mente e dos relacionamentos humanos, seja lá quais forem.
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Gypsy e Dee Dee na vida real. |
Título Original: The Act
Direção: Nick Antosca e Michelle Dean
Episódios: 8
Duração: 50 minutos
Elenco: Patricia Arquette, Joey King, Chloë Sevigny, AnnaSophia Robb, Calum Worthy.
Sinopse: O relacionamento entre Dee Dee Blanchard e sua filha Gypsy, que acreditou ter uma grave doença durante toda a vida por causa da mãe extremamente controladora e insegura. Em busca de independência para viver um amor proibido, Gypsy decide então orquestrar um assassinato.