Crítica: Donnie Darko (2001, de Richard Kelly) + 8 curiosidades



         (Para maior imersão, você pode ouvir à música Mad World).



“Por que você está vestindo essa fantasia ridícula de homem?”. Indicado a sete prêmios – incluindo melhor primeiro roteiro, melhor primeira direção e melhor ator principal no Independent Spirit Awards – e vencedor de outros onze, Donnie Darko foi um exemplo de filme sucesso de crítica e fracasso de bilheteria. A trama, que apresenta a mistura exata de ficção científica com viagem no tempo e suspense, tem a fórmula perfeita para levar o público a lotar as salas de cinema; e teria, não fosse um “pequeno” detalhe. O filme estreou nos cinemas pouco depois do famoso atentado do onze de setembro às Torres Gêmeas, e o fato de a história envolver acidentes de avião não ajudou em nada a atrair espectadores.

Foi somente após estrear nos cinemas mundiais que o filme começou a conquistar o público por seu enredo misterioso, que aborda temas desde a descoberta da identidade na adolescência até a física quântica, se tornando um dos maiores filmes cult atuais. E o reconhecimento veio com o lançamento do longa em DVD, com o valor arrecadado ultrapassando os dez milhões de dólares.
  
Enquanto outros filmes com protagonistas jovens apresentavam, até então, namoro entre membros de diferente “tribos” na escola ou, nas palavras de Jake Gyllenhaal – intérprete de Donnie – “festas e enfiar coisas em tortas”, – em clara referência à American PieDonnie Darko lida com aspectos da jornada psicológica e toda a confusão decorrente dela, que todos enfrentam nessa fase de transição entre infância e idade adulta.  

Antes de mais nada, o filme dá voz aos adolescentes, que são muito mais do que drama por futebol ou troca de namorados. E a narrativa expressa bem o momento de vida em que o diretor-roteirista Richard Kelly se encontrava. No que ele define em entrevistas como “pânico pós faculdade de ‘o que vou fazer com a minha vida?’”, o cineasta se encontrava completamente sem dinheiro e ideia do que fazer adiante, quando se recordou das aulas de inglês no colégio, nas quais foi ensinado que cada história é construída ao redor de um conceito único. Para ele, a turbina do avião era essa ideia, que deu início a procura em tentar solucionar o mistério de sua origem. Kelly já tinha ideia de como prosseguiria com algumas coisas, e diz que só continuou escrevendo.





“O filme nunca teria sido o que é se eu tivesse parado e duvidado de mim, porque eu provavelmente ficaria com medo”. Afirmando que só tinha lido por volta de três roteiros até então e que a primeira versão, uma pouco mais longa, é bem próxima ao que vemos na tela, Kelly conseguiu criar uma verdadeira obra-prima da sétima arte.

Desde a trilha sonora, que casa brilhantemente com a narrativa e imagens mostradas na tela, ao elenco e roteiro impecáveis, Donnie ainda é amplamente debatido e novas teorias são formuladas mesmo após 18 anos de seu lançamento. E não é para menos, pois o longa dá uma aula de roteiro e amarra até mesmo os mínimos detalhes com uma maestria surpreendente, que pode escapar a um olhar menos atento.

Referências a autores que marcaram sua criação surgem a todo momento na obra de Kelly, que apresenta, logo de cara, um Donnie acordando em um local aberto e longe de casa, o que parece ser algo frequente em sua rotina. E, mesmo sem diálogo, os primeiros minutos já dizem muito sobre o que vai ser contado no filme. A música, ironicamente (ou não?) cantada por Echo e Bunnymen – homem coelho – fala sobre um destino que, contra a sua vontade, espera até que você se entregue a ele.





E o destino de Donnie vem “levá-lo”, como sugere a música, logo no início, na forma de uma fantasia de coelho gigante que o desperta no meio da noite e informa que o mundo acabará dentro de 28 dias, 06 horas, 42 minutos e 12 segundos. E, numa espécie de “efeito borboleta”, – que permeia o filme o tempo todo – por ter seguido o coelho para fora de seu quarto, Donnie escapa de uma terrível morte causada por uma turbina que cai no seu quarto. A partir disso, Donnie continua a ver cada vez mais o coelho Frank, que, junto com outros personagens recorrentes na trama, parece guiar o protagonista a esse “destino inevitável”.

E o nome Frank continua a marcar forte presença no longa, fazendo o público se questionar até o último segundo se isso se trata de alguma coincidência infeliz ou algo maior. Inclusive, logo no início do filme, na sequência de Donnie na bicicleta, o carro de Frank passa rapidamente por ele, introduzindo um elemento que será fundamental para a história. Ademais, os pais de Donnie revelam, enquanto assistem à notícia do acidente, sobre o amigo da época de colegial, Frank Feedler, que morreu a caminho do baile de formatura, após dizer que era amaldiçoado. Posteriormente, o personagem de Patrick Swayze utiliza como exemplo de sua palestra um jovem problemático a quem ele denomina Frank.

A jornada de Donald Darko é a clássica jornada do herói, com seu chamado à aventura sendo feito pelo próprio mentor. E a apresentação dos personagens é feita de forma tão impecável que, na sequência que mostra a escola pela primeira vez, já é possível compreender o papel que cada um terá para a trama.  

Não por coincidência o livro abordado pela professora Karen Pomeroy, interpretada por Drew Barrymore, aborda justamente as dificuldades na adolescência que permeiam os sentimentos de Donnie ao longo do filme. E a análise nada convencional dele sobre a história discutida em classe parece trazer à tona discussões relevantes como “destruição é uma forma de criação”, que reflete inclusive na jornada do personagem. Afinal, que melhor e mais dolorosa forma de crescer se não destruir concepções antigas e construir novas? Questionar aquilo que já sabia?





E o questionamento de Donnie não para por aí. Quando a professora de educação física busca definir a vida como uma dicotomia entre medo e amor, Donnie se posiciona do mesmo modo que o diretor Richard Kelly apresenta seus personagens. “Há mais coisas aqui, como o espectro da emoção humana. Não podemos colocar tudo em duas categorias e negar todo o resto”. E essa é a proposta do filme como um todo. Mostrar um mecanismo da vida, das pessoas e suas ações que vai muito além do famoso “bem x mal” retratado em diversos filmes. Nada no filme é apenas uma coisa, nem mesmo o final.

O próprio Richard Kelly afirma, em entrevista para o livro homônimo, que sua intenção nunca foi entregar uma resposta fechada ao público. Ele inclusive revela que, enquanto escrevia, morria de medo de esclarecer o final mais do que deveria e que, soluções como “era tudo um sonho” ou “foi obra de Deus” são conclusões que sempre o irritaram no cinema. A vida, diz ele, nunca é uma coisa só.





“Existem certas pessoas na plateia que vão ao cinema e querem saber exatamente o que tudo significa. Infelizmente, para elas, meu filme jamais será um desses”. E Donnie é atemporal e tão relevante justamente por não entregar respostas, mas questionamentos que ajudam o público a descobrir mais sobre o mundo que os rodeia e até sobre si próprios. Verdade seja dita, nenhum grande pensador chegou onde chegou através de certezas, mas de suas dúvidas.

Com um plano de fundo incrivelmente rico por si só, o filme de Richard Kelly ainda levanta debates sobre assuntos extremamente relevantes como a crítica ao sistema educacional tradicional, ao conservadorismo exacerbado de pais que se chocam mais com a filha votar em um candidato do Partido Democrata do que os filhos se xingarem com palavras pesadas na mesa ou o filho sumir durante a noite e voltar pela manhã e, posteriormente, xingar a mãe de “vadia”. Ainda provoca o espectador com questões de “livre arbítrio x destino”, saúde mental e levanta temas de cunho feminista em uma época em que ainda se imaginava a mulher como cuidadora da casa. Em um diálogo inicial, a irmã de Donnie – interpretada pela própria irmã de Jake Gyllenhaal, Maggie – questiona o pai sobre seu discurso sobre o “salário de seu marido”, deixando implícito que não pretende depender de homem nenhum para se sustentar. E ainda termina dizendo que só pretende ter filhos depois dos trinta, o que, nos anos 80, era uma atitude bastante progressista.

     

A escolha do elenco e a atuação entregue por ele é de uma sutileza e genialidade magistral, com destaque para Jake Gyllenhaal, que conseguiu criar as mais diversas camadas em um personagem nada bidimensional; e Katharine Ross, que conseguiu encontrar o equilíbrio perfeito entre emoção e contenção, entregando uma das cenas mais lindas do filme, em que médica e paciente trocam um momento de dúvidas, medos e, ao mesmo tempo, delicadeza e ternura.





Tendo se inspirado em filmes como Pulp Fiction (1994), Os Bons Companheiros (1990) e Boogie Nights: Prazer Sem Limites (1997) para estabelecer uma relação entre imagens e música, Richard dá uma vida nova ao filme com a escolha da trilha sonora, que torna-se parte indispensável do filme, ressignificando e complementando o que é visto, quase como um personagem por si só.

  

De modo geral, independente da teoria que se escolha acreditar sobre o filme, uma coisa deve ser dita: a metalinguagem de um universo que se repete até ser solucionado e um filme que nos instiga a assisti-lo diversas vezes até ser plenamente compreendido, pois a cada nova vez aparece um elemento novo, é de uma genialidade que torna Donnie Darko um dos filmes mais brilhantes já vistos na história do cinema.



Curiosidades do filme:
  1. Foi em Donnie Darko que Seth Rogen fez sua primeira aparição no    cinema.
  2. O filme foi gravado em exatos 28 dias. 
  3. A entrada de Drew Barrymore foi decisiva para o sucesso do filme, pois ela trouxe com ela sua produtora Flower Films e, consequentemente, uma verba de 4,5 milhões de dólares e o interesse de atores como Jake Gyllenhaal no projeto. E a atriz aceitou trabalhar pelo preço de tabela. 
  4. O diretor de fotografia, Steven Poster participou do filme Perigo na Noite, de Ridley Scott e, por sua relação com a Panavision, trouxe ao filme lentes anamórficas, bem como uma boa quantidade de equipamentos por um preço bem abaixo do usual. 
  5. Richard Kelly vem de uma família em que o pai trabalhava na NASA e a mãe lidava com crianças consideradas “crianças problema”, o que fez com que desde pequeno ouvisse termos que acabaram por influenciar dois temas recorrentes em Donnie Darko.
  6. A música Mad World, que hoje é marcante em Donnie Darko, não foi a primeira opção para a trilha do filme, mas sim MLK, da banda irlandesa U2. No entanto, por não conseguir os direitos autorais da música, Kelly pediu ao amigo Gary Jules para gravar um cover da música do Tears for Fears. 
  7. O filme ganhou em 2009 uma continuação pouco conhecida, chamada S. Darko- A Donnie Darko Tale, com a irmã mais nova de Donnie no papel principal.
  8. O número 8 aparece diversas vezes no filme. 
    • O ano é 1988
    • Os número 28:06:42:12 somados resultam em 88
    • Donnie tinha 8 anos quando sua cachorra morreu
    • Donnie diz à irmã mais nova que ela só pode ter filhos a partir da 8ª série
    • Na aula da Sra. Farmer há 8 cartões com situações a serem analisadas

Título Original: Donnie Darko

Direção: Richard Kelly

Duração: 113 minutos

Elenco: Jake Gyllenhaal, Jena Malone, Drew Barrymore, Mary McDonnell, Katharine Ross, Patrick Swayze, Noah Wyle, Maggie Gyllenhaal, Daveigh Chase, Holmes Osborne e James Duval.

Sinopse: Donnie (Jake Gyllenhaal) é um jovem brilhante e excêntrico, que cursa o colegial mas despreza a grande maioria dos seus colegas de escola. Donnie tem visões, em especial de um coelho monstruoso o qual apenas ele consegue ver, que o encorajam a realizar brincadeiras destrutivas e humilhantes com quem o cerca. Até que um dia uma de suas visões o atrai para fora de casa e lhe diz que o mundo acabará dentro de um mês. Donnie inicialmente não acredita na profecia, mas momentos depois um avião cai bem no telhado de sua casa, quase matando-o. É quando ele começa a se perguntar qual o fundo de verdade da sua previsão.

Trailer:

E você, qual é sua teoria sobre o final enigmático do clássico cult? Alguma curiosidade que te surpreendeu ou que deixamos de fora? Quer saber mais sobre as teorias existentes ou outros filmes que hoje são clássicos, mas que, na época de seu lançamento foram um fracasso de bilheteria? Deixa seu comentário aí embaixo antes que o mundo acabe 😉 


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