Crítica: Cães de Aluguel (1992, de Quentin Tarantino)

Iniciaremos uma série de textos acerca dos filmes de Quentin Tarantino, tendo em vista o lançamento próximo de seu novo filme, Era uma vez em… Hollywood. Para isso, abordaremos desde o primeiro, Cães de Aluguel, até o último lançado nos cinemas, Os Oito Odiados. Dessa forma, esperamos fazer uma abordagem da carreira do cineasta para dar ênfase a uma progressão estilística e temática que apenas pode ser apreendida através de uma absorvição da totalidade de seus filmes.

O primeiro longa-metragem de Tarantino foi produzido e lançado em 1992, ou seja, no início da década de 90, o que seria definidor para a influência que o filme alcançaria no meio da indústria e do entretenimento cinematográfico. Cães de Aluguel trata-se, engenhosamente, de um assalto planejado que dá errado pelo fato de algum dos bandidos ser um infiltrado. Acompanhamos então os desdobramentos da situação dentro de um galpão, onde aqueles que conseguiram escapar discutem o que fazer e pensam em como lidar com o dedo-duro.


É complexo abordarmos o filme sem uma inserção temporal e histórica, ainda que as obras sempre são passíveis de serem analisadas de maneira estrutural. Tarantino escreveu e dirigiu o longa de maneira independente, e as novas abordagens narrativas do cineasta foram essenciais para ser pioneiro na indústria norte americana.

Num primeiro aspecto, o diretor possui um grande domínio da mise-en-scéne, principalmente no que tange à adequação das personagens ao cenário e do posicionamento da câmera para a construção fílmica. Todos os planos são engenhosamente elaborados para dialogar de maneira direta com a narrativa costurada. Sem contar que há uma enormidade de referências visuais a outras obras canonizadas, o que torna o longa uma mistura potente de diálogos cinematográficos que são vitais para a construção da força condutora do filme.


Porém o que mais evidencia tanto o aspecto revolucionário, quanto a maior qualidade de Tarantino é, justamente, a capacidade de unir o aspecto narrativo com a forma visual, criando assim uma unidade orgânica que dialoga entre si e torna o longa fluido e natural. Esta característica seria ainda mais explorada em seu próximo longa, Pulp Fiction – Tempos de Violência, onde ocorre uma exploração da linearidade narrativa de maneira potencializada, mas aqui, em sua primeira obra, já podemos observar a gênese desta característica subversiva.

Os dois primeiros atos do filme se estabelecem de maneira dinâmica e inserindo o espectador em meio à problemática já estabelecida, sem uma introdução clássica à ação que antecede o conflito. E a existência de um prólogo que já estabelece um pouco da psicologia das personagens só serve como fator contribuinte para a naturalização do drama. O espectador é jogado direto em meio ao conflito em uma subversão na forma de contar histórias (isto, vale notar, para os padrões da indústria norte-americana até então), o que cria uma experiência eletrizante principalmente até cerca de metade do filme.


O problema vem, porém, através de uma das características que tornam o longa interessante, a saber, as digressões. O filme é marcado por retornos tanto à ação, contando de maneira fragmentada o que construiu o clímax inicial, quanto a episódios anteriores mesmo ao prólogo que, novamente, exploram um pouco das características das personagens para, sutilmente, ir manipulando o espectador em meio à trama. Porém há, na passagem do segundo para o terceiro ato, uma digressão excessiva que, por mais que possua estruturas engenhosas, acaba por se tornar enfadonha e até retirar o espectador do jogo estimulante que estava estabelecido desde o princípio, enfraquecendo assim a ponte para a resolução final. De certa forma, isso é compreensível, devido às dificuldades de se manter uma tensão a todo o momento, porém de outra, acaba por se perder em seu próprio jogo estrutural.

Contudo o diretor retoma após este momento para a construção do clímax final através do que talvez seja a maior qualidade dentro da relação obra-espectador: a já citada manipulação do roteiro. Tarantino consegue criar (tanto pela narrativa sugestiva, quanto pela montagem inteligente) um jogo que se torna uma espécie de relação com quem assiste, trazendo ao filme um aspecto lúdico. Somos convidados a adivinhar a incógnita da equação, porém há, durante todo o momento, uma sugestão sagaz que nos desvia para outro caminho. Infelizmente essa sutileza se esvazia no final, mas sem perder totalmente a força emocional que conduz ao clímax.


As atuações também possuem um caráter lúdico ao evocarem, constantemente, um apelo aos clássicos em suas construções. O roteiro entrega, aos poucos, elementos da psiquê das personagens que nos joga em um estudo de suas inclinações, porém de maneira inteligente, fazendo com que a confiabilidade esteja em constante mudança. O grande elenco (com Harvey Keitel, Tim Roth, Michael Madsen, Steve Buscemi, Chris Penn e o próprio Tarantino) contribuem para o jogo carismático junto com os diálogos. Aliás, esta, que é uma das características mais conhecidas pelo público na obra do diretor, tem aqui sua gênese e sua composição numa das construções mais eficientes em toda a carreira do realizador. Em um filme com poucos personagens, que se passa praticamente em um mesmo cenário, e que busca a construção de uma tensão aliada a um jogo de adivinhação, os diálogos precisam ser eficientes o suficiente para serem o motor condutor da narrativa. E aqui Tarantino os realiza com maestria.

É fácil compreender, após se assistir Cães de Aluguel, o motivo de o filme ter sido revolucionário no circuito industrial norte-americano. Há toda uma espécie de “desconstrução apropriadora”, quase um jogo dialético onde ao passo em que se destrói um sistema já estabelecido, realiza-se isso através da apropriação do que estabelece este sistema. O filme possui todos os elementos que seriam mais tarde explorados ao limite (até excessivamente) na carreira de Tarantino, podendo assim criar uma totalidade identificadora em sua obra desde o início. Por mais que possua seus problemas, trata-se de um grande longa de estreia, e uma ótima introdução na obra de um dos diretores mais badalados do circuito comercial recente.
Título original: Reservoir Dogs

Direção: Quentin Tarantino

Duração: 99 minutos

Elenco: Harvey Keitel, Steve Buscemi, Tim Roth, Michael Madsen, Chris Penn, Quentin Tarantino, Edward Bunker, Lawrence Tierney

Sinopse: Joe Cabot (Lawrence Tierney), um experiente criminoso, reuniu seis bandidos para um grande roubo de diamantes, mas estes seis homens não sabem nada um sobre os outros e cada um utiliza uma cor como codinome. Porém durante o assalto algo ao saiu, pois diversos policiais esperavam no local. Mr. White (Harvey Keitel) levou Mr. Orange (Tim Roth), que na fuga levou um tiro na barriga e morrerá se não tiver logo atendimento médico, para o armazém onde tinha sido combinado que todos se encontrassem. Logo depois chegou Mr. Pink (Steve Buscemi), que está certo que um deles é um policial disfarçado e eles precisam descobrir quem os traiu. Em um clima de acusações mútuas a situação fica cada vez mais insustentável.

Trailer:

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