
– Dicionário Michaelis.
Definição da palavra mentira: ato ou efeito de mentir; cantiga, fraude, pomada; afirmação que se opõe à verdade; informação enganosa ou controvertida; enredo, moca.
– Dicionário Michaelis.
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As mentes por trás deste falso documentário. |
Datado, clichê e pessimamente construído, ele tem características de cinematografia defasadas. E o pior, toda a edição do filme é feita de um modo que tenta forçar a quem assiste a se envolver de alguma forma, de acreditar piamente naquilo, de se revoltar com um lado específico e de se deixar levar pelas edições visuais e sonoras, recursos utilizados de tal forma para dar razão aos absurdos apresentados. Vou dar exemplos: há alguns nomes que dão seus depoimentos e opiniões, para logo em seguida o narrador do filme falar a mesma coisa que já foi dita, numa tentativa de reafirmar e “enfiar” dentro da cabeça das pessoas, de forma manipulativa, suas distorcidas observações.
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Ao contrário do que aponta o documentário, a maioria não apoiava o regime militar. |
Extremamente sensacionalista, mas o tempo todo vendido como neutro, os excessos já começam na sinopse quando dizem: “este é o maior documentário já produzido no país sobre o período do Regime Militar brasileiro.” Na mesma sinopse é dita que a equipe buscou documentos na extinta Tchecoslováquia. Este detalhe foi amplamente utilizado no marketing do filme, na sinopse, no trailer e no início da obra, mas tal fato não dura 5 minutos em mais de 2 horas de “exibição”. Isso destoa completamente do prometido.
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Repressão contra estudantes durante a ditadura militar no Brasil. |
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Foto de Sebastião Salgado feita no garimpo de Serra Pelada, no Pará, em meados dos anos 1980 – Sebastião Salgado
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E assim o guru, astrólogo, filósofo e maluco Olavo de Carvalho e sua trupe de crentes tentam o tempo todo amenizar e tentar fazer com que o expectador aceite que o regime militar foi algo necessário. Que havia uma imensa conspiração comunista que queria dominar o mundo. Parece papo de vilão de filmes do 007! O bom é que mentira tem perna curta e os próprios mentirosos se derrubam. Que terrível e forte ameaça era essa que foi derrubada em um único dia, sem retaliações e ataques posteriores? Diz-se que a mídia apoiava o regime dos militares e que nem divulgavam material contra o governo. Ora, isso é lógico, afinal o conteúdo da TV passava por um pente fino da censura. Muitos artistas e jornalistas tiveram que sair do país por não se curvarem pra essa censura. O tempo todo temos essas inconsistências que detonam com o próprio filme, o que por um lado é ótimo.
Em dado momento diminuem o número de vítimas mortas e desaparecidas durante a ditadura, de mais de 400 para uma lista com seis nomes. Seis! Um total desrespeito e falta de empatia com o próximo. E novamente justificam, dizendo que foi como uma cirurgia necessária. Derramar sangue é necessário?
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Vladimir Herzog, torturado e morto durante a ditadura militar no Brasil.
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Na época da morte de Vladimir Herzog (foto acima), o fato foi divulgado pelas autoridades como suicídio, o que foi desmentido por jornalistas e legistas posteriormente. Leia mais em: http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-resistencia/vladimir-herzog/
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Mais vítimas da ditadura militar. |
Em outro momento passa-se a criticar as lutas armadas contra a ditadura, como o caso do Mariguella. Menciona-se o terrorismo de tais atos, mas esquece-se que se um governo é opressor, terá resistência contra ele. Se manifestações pacíficas não funcionarem e o governo colocar tropas de choque contra o povo, a luta terá de ser por força. E se o estado opressor é formado por militares e policiais, a luta será contra os tais. Mas o documentário ameniza os atos violentos do regime militar para vilanizar àqueles que se posicionam contra ele.
Não é à toa que nos últimos meses o filme Marighella de Wagner Moura vem sendo atacado pelos mesmos que defendem este documentário aqui. O interessante é que Marighella é uma ficção que romantiza alguns fatos de maneira autoral e o diretor assume isso, ele fala isso em entrevistas e em momento nenhum se vende como a verdade absoluta, embora retrate de maneira real a violência da época. Já 1964 peca por justamente o contrário: se vende como verdade enquanto apresenta várias mentiras.
Que necessidade é esta de defender a ditadura militar em um momento como o que o Brasil passa atualmente, onde faz-se referência a mitos assassinos de tal período? Busca-se aqui desesperadamente conseguir-se “fiéis” que acreditem nessa trama fajuta. E ao linkar fatos reais, acontecimentos políticos da época e os últimos governos do PT que foram derrubados, a equipe do documentário tenta pegar pela memória afetiva dos mais antigos e a revolta dos mais novos para com a rede de corrupção. É como se em determinado momento se “falasse aquilo que se quer e se gosta de ouvir”, não importa se isso for irreal. Ligam acontecimentos históricos e políticos reais para justificar algo que nem deveria ter relação: o horror da ditadura. Mas usam tais acontecimentos para dar uma imagem de herói àqueles militares que governaram e não “largaram o osso” por 21 anos. Tempo esse em que não solucionaram em nada os problemas econômicos e sociais do nosso país. Caso contrário, seríamos mais desenvolvidos hoje. “Parabéns” militares!
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Alguns dos desaparecidos e mortos durante a ditadura militar no Brasil. |
Então chegamos ao clímax do filme, onde ele vai além e critica as instituições de ensino, as artes, filosofias, movimentos sociais, lutas por minorias e escancara todos estes discursos segregadores e irracionais que a atual gestão do Brasil gosta de criticar e combater. Interessante que na época da ditadura, havia muito mais analfabetismo. Cerca de 1/3 da população era analfabeto ou tinha estudos limitados. Os materiais de ensino eram revisados, censurados e controlados, vários educadores eram atacados, alguns ficavam exilados do país, como Paulo Freire, pois seus métodos de ensino eram considerados “comunistas” e não condiziam com os ideais manipulativos do regime. Leia mais sobre isso aqui: https://novaescola.org.br/conteudo/12558/a-educacao-era-melhor-na-epoca-da-ditadura
E aqui: https://www.brasildefato.com.br/2017/10/31/por-que-as-ideias-de-paulo-freire-ainda-incomodam/
Em dado momento diz-se que um presidente permitir e apoiar uma greve é inconstitucional. Então quer dizer se tudo estiver indo errado em uma empresa, governo ou instituição, se direitos forem tirados e os maiorais nada fizerem, paralisar, fazer greve e passeatas é algo que ofende a pátria e a constituição? Não seria justamente o contrário? Não está a luta pelos seus direitos, garantida por lei? Que necessidade é essa de doutrinar a cabeça para as pessoas acharem que greve é algo errado? Deve-se aceitar qualquer injustiça ou desigualdade de cabeça baixa e quieta diante dos grandes e poderosos?
Realmente, o Brasil Paralelo é muito “neutro”, apenas está defendendo todas as indefensáveis regressões que estamos vivenciando a cada dia. É a doutrinação para os sem voz aceitarem tudo que os poderosos propõem, sem lutar e sem questionar. É a prova de uma argumentação elitista, de privilegiados que tem a ganhar caso as pessoas passem a acreditar neles. Privilegiados como os filhos do presidente, que antes desse documentário ser lançado, já estavam fazendo marketing do filme. E cujas ideologias do atual governo casam perfeitamente com todas asneiras apontadas aqui nesta “obra”.
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Mulheres unidas em uma manifestação contra a falta de liberdade durante a ditadura militar. |
O fato de o Brasil Paralelo ser do Sul do país atesta ainda mais todas as ideologias mostradas, pois é a região do país mais conservadora e que mais apoia o atual presidente. Digo com propriedade, pois também sou do Rio Grande do Sul e convivo com preconceito e militância exacerbada todo dia, isso vindo da maior parte das pessoas, infelizmente.
No filme, associa-se quem tem pensamento livre, quem trabalha com arte e professores a vagabundos, drogados, frutos de uma fantasmagórica ameaça comunista infiltrada em redes de ensino e na mídia. É um ataque claro a todos os grupos sociais nos quais a elite conservadora não apenas desdenha, mas que também gosta de controlar e oprimir. E hoje a opressão não é por força bruta, mas por ideologias disseminadas na internet, no controle financeiro e econômico, nas instituições religiosas e claro, nos produtos como este filme aqui, feito para enganar os distraídos e ser executada assim sua disseminação de ódio, mentiras e revisionismo da história. Pois o que 1964 – O Brasil Entre Armas e Livros faz é isso, revisar e recontar a história ao bel prazer de quem está por trás das câmeras, não importa a verossimilhança dos fatos.
“Se a história ocorreu de tal modo e não nos agrada, vamos recontá-la a nosso modo, algum desavisado irá acreditar e teremos assim mais um tolo militante.”
Parece que é assim que a equipe do Brasil Paralelo e a gestão atual do governo do país pensam, fomentam e atuam. É como George Orwell escreveu em sua obra 1984:
Pelo menos temos os livros, os professores e a história para nos lembrar dos fatos. A não ser que os mesmos comecem a ser atacados. Ah sim, isso já começou a acontecer…