Crítica: Cantando na Chuva (1952, de Stanley Donen e Gene Kelly)



Cantando na Chuva é um dos mais influentes musicais de todos os tempos, servindo de inspiração para diversas outras obras. Não à toa, diversas belas obras recentes de diferentes gêneros, “beberam da fonte”, por assim dizer. Poderíamos citar aqui La La Land, O Artista, A Forma da Água, Wall-e, dentre outros. Inclusive, tais filmes citados contém claras referências a este clássico. A obra não foi das mais lembradas no Oscar, visto que foi indicada apenas a Melhor Trilha Sonora Original e Melhor Atriz Coadjuvante para Jean Hagen. Mas não importa, o filme nasceu um clássico instantâneo e se tornou à prova de balas no teste do tempo. Revisto hoje, continua uma bela obra atemporal, doce, divertida e representando a máxima dos musicais da Era de Ouro de Hollywood.

Na trama, acompanhamos a queda do sucesso de Don Lockwood (Gene Kelly) e Lina Lamont (Jean Hagen), dois dos astros mais famosos da época do cinema mudo. Conforme o cinema falado surge e as obras mudas “morrem”, eles terão dificuldades de se adaptar a esta nova empreitada. É interessante como mostra-se aqui a dificuldade que artistas tem em deixar o passado para trás e aceitar as mudanças da indústria. Se Lina revela-se travada artisticamente e um tanto charlatã, Lockwood quer brilhar de verdade. É então que ele se une aos simpáticos Cosmo Brown (Donald O’Connor) e Kathy (Debbie Reynolds). Além do óbvio romance que surge entre Lockwood e Kathy, é importante salientar a sincera amizade que ambos possuem com Brown, criando-se assim, um irresistível trio de amigos.

O esperto roteiro consegue brincar muito bem com a decadência de uma era (o cinema mudo) e como isso afetou os artistas da época (lembra disso em O Artista?). Além disso, mostra-se bastante dos bastidores de Hollywood, do que está por trás de um filme e sua concepção geral, algo semelhante ao que as duas primeiras versões de Nasce Uma Estrela fizeram, além do filme Hollywood (de 1932) e Crepúsculo dos Deuses (leia a crítica aqui!). Temos assim a metalinguagem cinematográfica e o uso do recurso narrativo dos filmes por trás dos filmes. 

É interessante o fato de tanto Cantando na Chuva quanto os demais filmes citados no parágrafo acima, serem um tanto datados (estamos falando de obras dos anos 30 até os anos 50), mas que eram à frente do seu tempo em satirizar, criticar e mostrar que nem tudo são flores e que existem sim grandes problemas por trás do mundo do entretenimento. Essa discussão traz uma sinceridade à trama, mas sem deixar de encantar com a magia da sétima arte. 

O elenco dispensa apresentações. Jean Hagen, que concorreu à Atriz Coadjuvante, é hilária na pele da megera Lina. E olha, ela é a que menos brilha em cena, pois o verdadeiro deleite é o trio principal. Donald O’Connor é muito carismático como Cosmo Brown e dança muito bem. Quem também se sai bem é Debbie Reynolds (mãe de Carrie Fischer, a eterna Leia de Star Wars, ambas falecidas em dezembro de 2016). Debbie trazia um brilho típico das estrelas da época: voz suave, estilo meigo e brincalhão, cantava e dançava. É difícil não se apaixonar por ela quando está em cena. E por fim Gene Kelly é encantador na pele do protagonista Lockwood. Dono de um sorriso marcante, Kelly assume múltiplas funções e também dirige a obra ao lado do grande cineasta e coreógrafo Stanley Donen, diretor de grandes comédias românticas e musicais, como Cinderela em Paris com a inesquecível Audrey Hepburn. Gene Kelly, um dançarino nato, ao lado de Donen, conduzem o ritmo do filme com perfeição.

É sabido que entre as décadas de 1930 e 1960, com os musicais no auge nessa época de “cinquenta e poucos”, para ser um artista completo era necessário mais do que apenas atuar. Tinha-se que cantar, dançar, sapatear, tudo com o menor uso de dublês possível. Ainda, alguns como o Kelly atacavam de diretores, produtores, roteiristas e em outras funções. É válido citar que ao se fazer um musical, precisa-se de um coreógrafo que indique como o elenco e dançarinos devem proceder e como aqui neste caso, muitos destes coreógrafos atacavam de diretores. Assim, não é exagero dizer que todos envolvidos nesse filme eram artistas completos.

Com um belíssimo visual, carregando belos figurinos e uma bonita direção de arte e fotografia, tais artifícios dão ainda mais beleza às cenas musicais. Há uma cena de estúdio com um pôr do sol lilás, que além de bela e romântica, lembra bastante os mesmos recursos visuais que La La Land usou recentemente. Na tal cena, Gene Kelly e Debbie Reynolds transpiram paixão, em um momento que aqueceu corações cinéfilos de gerações. 

Com uma premissa de menos é mais, Cantando na Chuva é um filme simples, com sutilezas em alguns momentos, um humor leve em outros e uma brincadeira com os filmes, estilos e estúdios de cinema. Até a icônica cena que dá o título da obra é bem mais simples do que você imagina, o que poderá frustar alguns. Mas não se engane, esta é uma daquelas obras que se sustenta na narrativa e na confecção de um filme elaborado com alma e coração, sem precisar apelar para excessos. Apaixonante e imortal, obrigatório para os amantes do cinema. 


Título Original: Singin’ in the Rain

Direção: Stanley Donen e Gene Kelly

Duração: 103 minutos

Elenco: Jean Hagen, Donald O’Connor, Gene Kelly, Debbie Reynolds, Rita Moreno, Cyd Charisse, Donald O’Connor, Millard Mitchell.

Sinopse: Don Lockwood (Gene Kelly) e Lina Lamont (Jean Hagen) são dois dos astros mais famosos da época do cinema mudo em Hollywood. Seus filmes são um verdadeiro sucesso de público e as revistas inclusive apostam num relacionamento mais íntimo entre os dois, o que não existe na realidade. Mas uma novidade no mundo do cinema chega para mudar totalmente a situação de ambos no mundo da fama: o cinema falado, que logo se torna a nova moda entre os espectadores. Decidido a produzir um filme falado com o casal mais famoso do momento, Don e Lina precisam entretanto superar as dificuldades do novo método de se fazer cinema, para conseguir manter a fama conquistada.

Trailer:



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