Crítica: Se a Rua Baele Falasse (2018, Barry Jenkins)




“A rua Baele é uma rua de Nova Orleans onde nasceram meu pai, Louis Armstrong e o jazz. Todo negro nascido na América nasceu na rua Baele, no bairro negro de uma cidade americana seja em Jackson, Mississipi ou no Harlem, NY. A rua Baele é nosso legado. Este romance trata da impossibilidade e a possibilidade, a necessidade absoluta de dar expressão a este legado. A rua Baele é barulhenta. Deixo ao leitor discernir o sentido da batida.”



James Baldwin

Com este pequeno trecho da obra de Baldwin, iniciamos nossa experiência com o mais novo longa de Barry Jenkins, que juntamente com Moonlight e Remédio para a Melancolia formam uma tríade de obras cinematográficas que tratam de questões raciais em romances envolventes.

Este, em especial, vem diretamente da obra do grande nome do movimento negro, cuja citação acima se refere. James Baldwin, um negro, gay, pobre e considerado de pouca beleza por muitos, foi um ativista de grande notoriedade nos Estados Unidos, tendo sido contemporâneo de Martin Luther King Jr. e Malcolm X.

Uma das obras de maior relevância de Baldwin, Eu Não Sou Seu Negro, adaptada para os cinemas em 2017 em forma de documentário, tendo sido indicada em várias premiações, incluindo o famigerado Oscar, trata dos sentimentos de Baldwin para com seus contemporâneos, incluindo Medgar Evers, que se contrapunha de muitas maneiras face a todo o movimento. Baldwin viu os três amigos morrerem em decorrência do ativismo e continuou seu trabalho longe do olho do furacão, vindo a falecer de causas naturais, tempos depois.

Martin Luther King Jr., Malcolm X, Medgar Evers e James Baldwin

Assim, nas obras de Baldwin, e em especial nesta, vemos uma delicadeza maior ao abordar o tema sem, contudo, perder a indignação para com o poderio branco, mas tratando com uma forma mais intelectual, pela qual Baldwin foi amplamente conhecido, mesmo sem nunca ter cursado o ensino superior.
Conheceremos Tish (Kiki Layne) e Fonny (Stephan James), dois belos jovens negros que estão profundamente apaixonados e se conhecem desde muito novos. Porém já sabemos, logo de início, que Fonny encontra-se preso, por um crime que não cometeu e Tish encontra-se grávida do amado, e fará de tudo, juntamente com sua família, para ver Fonny livre, de modo que possam continuar suas vidas juntos, em família.


Assim, através de flashbacks e flashforwards acompanharemos o que levou à prisão de Fonny, bem como a recepção do rapaz e da família, tanto de Fonny quanto de Tish, para com a gravidez da moça e ainda todo o processo seguido para tentar inocentar o jovem, que vai desde a contratação de um advogado branco até a tentativa de convencer a testemunha chave do crime a mudar seu depoimento, o que leva Sharon Rivers (Regina King), mãe de Tish até outro país nesta empreitada.

E por falar dela, a vencedora do prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante, em várias premiações, incluindo o Oscar, se mostra competente para o papel, o que não é de se duvidar, uma vez que a veterana possui papéis de peso no currículo e traz à personagem uma suavidade única e cumplicidade muito bem trabalhadas, sem apelar para o drama excessivo.


Contrariando as premiações, não vi em sua atuação algo de tão memorável que devesse ser levado em consideração, assim como Ruth Negga em 2017 por Loving. Neste caso, via muito mais justa a indicação de Bryan Tyree Henry, na pele de Daniel Carty, amigo do nosso casal, como ator coadjuvante. Sua cena com Fonny, em que relata a violência policial, é muito mais tocante, mesmo que curta e de certa forma, simples.


Uma grande característica do longa é não apelar para o drama excessivo, o que acho acertado, pois há uma tendência a utilizar deste artifício em filmes que tratam sobre racismo (alô 12 Anos de Escravidão!), como se a situação em si já não fosse dramática e triste o suficiente.

Um acerto a se destacar é a lindíssima fotografia, que mescla cores frias e quentes de maneira bem equilibrada, sem falar dos enquadramentos centrais tal como em Moonlight, destacando cada personagem e o papel que possuem na trama.

A grande cereja do bolo fica com certeza para a trilha sonora. Brilhantemente encaixada com as cenas, ela faz com que fiquemos um pouco mais aquecidos em meio à uma história tão triste. Uma pena não ter levado a estatueta no último dia 24, porém, vamos combinar que a premiação foi mais uma vez injusta em vários aspectos (o que não surpreende, infelizmente).

Assim, Se a Rua Baele Falasse não repete o mesmo feito de Moonlight, filme que com certeza se consagrou como uma grande obra de Jenkins, mas também não perde em notoriedade e não se iguala ao péssimo Green Book, por exemplo, uma vez que escancara o problema do racismo da época com o toque certo de delicadeza, mesmo que profundamente triste e sem a solução mágica e fácil que sempre esperamos no final.


Título Original: If Baele Street Could Talk

Direção: Barry Jenkins

Duração: 117 minutos

Elenco: Kiki Layne, Stephan James, Regina King, Bryan Tyree Henry, Colman Domingo, Teyonah Parris, Michael Beach, Aunjanue Ellis, Ebony Obsidian, Dominique Thorne, Diego Lima, Finn Wittrock, Ed Skrein, Emily Rios, Dave Franco, Pedro Pascal, Kaden Byrd, e outros.

Sinopse: Baseado no célebre romance de James Baldwin, o filme acompanha Tish (Kiki Layne), uma grávida do Harlem, que luta para livrar seu marido Fonny (Stephan James) de uma acusação criminal injusta e de subtextos racistas a tempo de tê-lo em casa para o nascimento de seu bebê.
Trailer:



E você, achou justas as indicações? Acha que o filme deveria ter sido indicado a mais prêmios? Nos conte e não se esqueça de nos seguir nas redes sociais 😉


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