Crítica: No Portal da Eternidade (2018, de Julian Schnabel)


Durante os últimos anos, um verdadeiro culto à imagem do pintor holandês Vincent Van Gogh tem sido proscrito e disseminado por toda a cultura pop contemporânea, mitificando-a e a transformando em objeto de espetáculo e mercadoria, assim como de homenagem. Seja em um episódio de Doctor Who, uma série já tradicional na cultura popular, ou através de uma animação elaborada com centenas de artistas compondo as cenas ao estilo da pintura do holandês, em Com Amor, Van Gogh. Ambas obras são uma evidência desta transformação e culto da figura do artista, algo diretamente oposto ao pouco reconhecimento dado em vida ao pintor. Agora, menos de um ano antes da realização deste último longa, surge mais um filme que busca investigar a excêntrica e curiosa vida de Van Gogh, algo que se revela um sintoma desta popularização de sua figura e abre margem, como neste caso, para obras de baixíssima qualidade – estas que não correspondem às telas do artista pós-impressionista.

No Portal da Eternidade é mais um filme dirigido pelo pintor e realizador norte-americano Julian Schnabel, este que já fez outras biografias como a do também pintor Basquiat e do músico Lou Reed. O longa acompanha a conturbada vida de Van Gogh (Willem Dafoe) desde o momento em que, orientado pelo amigo e artista Paul Gaguin (Oscar Isaac), parte para Arles em busca de um isolamento da caótica Paris do século XIX na procura de um contato maior com a natureza para poder criar uma arte inovadora. Lá, lida com o avanço de suas perturbações mentais e com uma depressão que o acomete constantemente e o faz questionar seu lugar no mundo.


Logo de início, podemos notar que Schnabel faz um uso peculiar da forma de filmar. O diretor apela para uma câmera na mão extremamente viva, que pula de um personagem ao outro sem cortes em meio aos diálogos, e que busca imprimir a sensação caótica daquela Paris. Ao longo da produção, a cinematografia tentará, constantemente, transmitir as sensações da conturbada mente de Van Gogh (fazendo, inclusive, várias utilizações de uma câmera subjetiva, que nos coloca na perspectiva do pintor), seja com enquadramentos incomuns, com constantes piruetas da câmera que buscam uma confusão visual, com sobreposições de imagens e sons ou até com borrões propositais na tela. E aqui se encontra o principal problema do longa: essa busca por criar um aparato visual e estético por horas deslumbrante e contemplativo, e por outras extremamente confuso, acaba se sobrepondo ao resto da narrativa e diminuindo mais o fraco roteiro. É como se este apelo imagético se desprendesse da história a ser abordada e tentasse sustentar-se por si só, o que cria uma condução muito desinteressante para todo o enredo abordado.

Temos então um problema duplo, não apenas esse abuso do poder visual, como também um roteiro que é, por horas, muito desinteressante, com diálogos vazios e que não transmitem a emoção devida às cenas (objetivo que fica a cargo somente da atuação de Dafoe), perdido em uma narrativa mal construída. E esta construção ruim do roteiro está diretamente aliada à direção tosca de Schnabel, que se perde em uma tentativa de poetização similar à de Malick, mas que não ganha força por conta de uma condução ruim do ritmo, como já havia feito o realizador em O Escafandro e a Borboleta. Apenas perto do final que há uma melhora na escrita das cenas e da montagem, que possibilitam um pequeno envolvimento do espectador com os fatos, porém já é tarde demais.

Este apelo visual se reflete também nas construções que se projetam como experimentais de Schnabel, mas que não deixam de ser vazias e batidas. Tudo que o diretor insere aqui com um propósito narrativo pouco funciona pois, além de se tratar de um experimentalismo à lá Godard (ou seja, já muito utilizado), não agrega o poder visual necessário para trazer emoções. As intenções transgressoras não deixam de causar o efeito contrário e mais irritar do que aproximar o espectador do alcance emocional da obra. Isto também é muito prejudicado pela montagem caótica que, em momentos, acelera totalmente a produção e, em outros, cria longos takes contemplativos de Van Gogh andando pelos campos que, por mais que sejam visualmente belos, tornam-se enfadonhos e desinteressantes.


Um dos poucos pontos que conseguem tornar o filme atraente é a atuação sensível de Dafoe. O ator possui um grande apelo emocional com os olhos, com os gestos na hora de pintar, os pequenos tiques e a forma como transmite a confusão mental pelas expressões. Aqui sim há uma possibilidade de concretização de uma relação emocional que não consegue se dar através das opções de cinematografia. Dafoe é sereno nos momentos corretos e louco nas horas necessárias. Atuação totalmente oposta ao caricato papel de Oscar Isaac, prejudicado por um personagem mal escrito. Ademais, a trilha sonora de Tatiana Lisovskaya é extremamente bela e casa com as composições contemplativas pedidas pelo diretor.

Não é que No Portal da Eternidade seja um filme de todo ruim. Há uma melhora evidente no terceiro ato de direção e de roteiro, assim como é possível enxergar intenções muito boas e poéticas na mão do diretor. Porém, perdido em um apreço excessivo por uma estilização vazia, o filme acaba sendo uma homenagem barata a um pintor que merece algo realmente grandioso. Efeitos do mercado, provavelmente.


Título Original: At Eternity’s Gate

Direção: Julian Schnabel

Duração: 110 minutos

Elenco: Willem Dafoe, Oscar Isaac, Mads Mikkelsen, Emmanuelle Seigner, Rupert Friend, Mathieu Amalric

Sinopse: 1888. Após sofrer com o ostracismo e a rejeição de suas pinturas em galerias de arte, Vincent Van Gogh (Willem Dafoe) decide ouvir o conselho de seu mentor, Paul Gauguin (Oscar Isaac), e se mudar para Arles, no sul da França. Lá, lutando contra os avanços da loucura, da depressão e as pressões sociais, o pintor holandês adentra uma das fases mais conturbadas e prolíficas de sua curta, porém meteórica trajetória.

Trailer:

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