Crítica: Comet (2014, de Sam Esmail)

Comet, ou Eu Estava Justamente Pensando Em Você, é um filme de 2014 escrito e dirigido por Sam Esmail, mesmo diretor de Mr. Robot e também da mais nova série de sucesso da Prime Video, Homecoming. Esmail tem uma identidade bastante própria que pode ser reconhecida mesmo se você começar a assistir um filme sem que saiba de inicio quem é o diretor, assim como Tarantino. Você simplesmente cai de paraquedas dentro de algum filme, se familiariza com o ambiente e pensa “Isso só pode ser obra do Tarantino”, e quando vai conferir, vê que acertou no palpite. A mesma coisa acontece com Esmail, só que de um jeito diferente. O diretor adora uma conspiração, diálogos filosóficos, reflexivos e complexos, adora brincar com o tempo e espaço, além de escrever roteiros ótimos e conseguir explaná-los com as ferramentas técnicas que mais os idealizam e materializam em tela. Assistir algo de Esmail é praticamente estar dentro de sua cabeça e ver exatamente do jeito que ele estava imaginando.

Comet vai contar num vai e vem de flashbacks e flashforwards um período de 6 anos, quase como se fosse uma relação num universo paralelo de viagens no tempo, a história de Kimberly (Emmy Rossum) e Dell (Justin Long). Em nenhum momento sabemos o estágio daquela relação, o enredo não nos introduz ao tempo justamente por insistir que este não importa, mas ao longo dos diálogos e dos acontecimentos nós vamos nos situando quando algo aconteceu antes e quando algo aconteceu depois. De certa forma, isso acaba sendo divertido para quem assiste, pois nos sentimos capazes de entender algo que não estava ali mastigado apenas para engolirmos.


A relação de Kimberly e Dell, que começou por acaso, é cheia de seus altos e baixos; é quase a linha tênue entre a realidade da vida real e a realidade trágica conhecida nos filmes. E é por ser tão crua e tão real, é por nos identificarmos tanto em certos aspectos, que começamos a achar esses personagens e sua história um tanto quanto intragáveis. Afinal de contas, num filme buscamos refúgio, distração, entretenimento, e quando se cai sem saber em algo tão próximo do nosso íntimo, acabamos criando, inicialmente, uma barreira anti-carisma. Assistir o “romance” dos dois é bastante sufocante, ao passo que você espera de forma agonizada o tal do final feliz, você também torce para que eles acabem logo com tudo de uma vez para que você pare de se sentir sufocado e eles também. 

A vida pode te dar duas respostas pra isso: ou você aceita que, às vezes, as coisas e as pessoas são difíceis, mas é preciso lidar com elas quando se acredita que seja por algo que valha a pena lutar, ou você acaba com qualquer coisa que esteja fazendo/vivendo no momento em que elas comecem a ficar difíceis e procura algo novo e gostoso, até que comece a ficar difícil novamente e você vai desistir novamente e viverá para sempre nesse looping, num marasmo de covardia. O relacionamento dos dois é algo bem mais complexo e denso do que essas “respostas da vida”, porque contém as duas opções. É difícil de explicar, mas basicamente assistimos duas pessoas esgotadas e aflitas sem saber se o que estão vivendo vale a pena o esforço, até perceberem que não era pra ter esforço, mas aí começam a pensar que nem tudo é fácil e certas coisas demandam, sim, um pouco da gente e nós, meros espectadores, ficamos imersos nessa complexa e interminável relação humana.


Quando se conhece o trabalho e as ideias de Esmail, logo entendemos que este não é um filme de romance comum. Ele não é para parecer místico como um conto de fadas que, aliás, há um grande jogo contraditório por aqui, onde o diretor brinca com o lado real dentro da irrealidade. Então não espere assistir algo simples, algo mundano num sentido deveras simplista, diálogos rasos que não sustentam reflexões, entre outras coisas do tipo. Muitos dos diálogos, a maioria deles, ou exatamente todos, são diálogos fortes ditados de maneira bastante rápida e, às vezes, exageradamente complexos (propositalmente). Nada que não somos capazes de entender, pelo contrário, é que são tipos de conversas que normalmente não temos com as pessoas a nossa volta, porém gostaríamos de ter.


“— Eu fico tão preocupado com o que poderia acontecer daqui a 5 minutos que eu não consigo me contentar com o agora.


— E se algo bom acontecer daqui a 5 minutos? Isso não poderia acontecer? 


— Não. 


— O que você achou que ia acontecer 5 minutos antes de me conhecer?”




Sabe quando precisamos nos livrar de todas as expectativas da sociedade e começar a nos amar do jeito que somos? Esse processo demora quase da mesma forma que demoramos para nos sentirmos cativados e conectados com Kimberly e Dell. E por quê? Bom, por vários motivos, mas, principalmente, por idealizarmos e colocarmos também um monte de expectativas em praticamente tudo, incluindo o jeito que os romances dos filmes devem ser: totalmente clichês. E ao percebermos que em Comet as coisas serão apresentadas de forma diferente, incluindo a linearidade narrada, cria-se um afastamento, um sentimento de desistência e persistência, até que se gosta e até que acaba. E acaba com um final que nem sempre entendemos, assim como na vida real. Há um diálogo que explica o porquê de o filme ter sido feito da maneira como foi, além de ser uma crítica ao comum e também um auto elogio:


“— É por isso que eu odeio o tempo. Sequer posso desfrutar do meu frango com gergelim por causa dele. Eu gostaria de poder pará-lo ou algo do tipo. Ou, pelo menos, apenas pausá-lo quando necessário, como agora. Ou melhor ainda, me livrar completamente dele. 


— Você quer se livrar do tempo? Como você faria isso?

— Você sabia que existe arte baseada em tempo? Filmes, música, teatro, tudo é arte baseada em tempo. Há um começo, um meio e um fim. Você tem que acompanhar do início até o fim. Você está sujeito ao cronograma. Preso à essa experiência. Mas daí existem as obras de artes. Sem começo, sem meio, sem fim. Você vê o que você quer ver.”


Além de toda essa complexidade narrativa e expositória, Esmail não para por aí. Como eu disse anteriormente, ele se diverte brincando com as diversas ferramentas técnicas que existem para se criar um filme, não se fixando à uma específica, mas, sim, em várias. Ele usa o que melhor representa e demonstra uma cena, ele toca no âmago do personagem e extraí o máximo das atuações com planos closeups, alinhando os personagens à esquerda ou direita, planos de baixo e de cima, match cuts entre passado e futuro que combinam, jump cuts; também há bastante lens flare com cores espaciais (rosa, azul, branco, roxo) para nos remeter ao espaço, qual faz muito sentido em todos os sentidos dessa história.


A atriz e o ator principal, Emmy Rossum (The Phantom of the Opera, You’re Not You, Shameless) e Justin Long (Going The Distance, A Case Of You, Best Man Down), são convincentes em seus papéis e entregam seu máximo. Mas aqui quem brilha mais é Emmy, ela não só convence como Kimberly como se entrega à personagem de tal maneira que vemos ao lado dela apenas um ator. Se é que me entendem. 

Comet é, literalmente, uma obra da 7ª Arte. Dá uma aula valiosa de cinema e também de vida. Só não dei 10 estrelas por puro gosto pessoal, pois não houve em nenhum momento falhas técnicas, foi apenas o final que não me agradou; eu torcia para acontecer uma coisa, porém não aconteceu nem uma, nem outra. E embora eu fosse me sentir satisfeita com um final sólido, o final aberto estava aí pra isso, né?! Por um lado posso acreditar que a história rumou para o meu fim.


Título Original: Comet

Direção: Sam Esmail


Duração: 91 minutos

Elenco: Emmy Rossum, Justin Long, Eric Winter, Kayla Servi e mais.

Sinopse: Em um universo paralelo, Kimberly (Emmy Rossum) e Dell (Justin Long) tem um encontro ao acaso enquanto ambos estão assistindo a uma chuva de meteoros. Os dois começam a viajar no tempo, sendo arremessados para frente e para trás no tempo ao longo de seis anos da história de amor deles, mostrando uma relação apaixonada e complicada.

Trailer:

Já assistiu o filme, ou sentiu vontade de assistir? Me conta aqui embaixo!

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