Crítica: A Esposa (2019, de Björn Runge)



Sabe aquele filme que levanta um assunto, gera a polêmica, mas não se posiciona a respeito? Pois bem, essa é obra que esfrega o mal estar na sua cara e te deixa sozinho pra lidar com um gosto amargo na boca (rs).

Baseado no livro de Megan Wolitzer com o mesmo nome, A Esposa se passa no ano de 1992 e fala de Joan, uma séria, reprimida e bela mulher que claramente leva consigo uma angústia, aquela esposa à moda antiga que, por amor e pelas convenções de seu tempo, abdicou da própria vida para cuidar e servir ao seu marido Joe, um escritor que está prestes a ganhar o Premio Nobel de Literatura, um homem admirado por todos e incapaz até mesmo de se cuidar sozinho. Eles possuem 2 filhos, Susannah e David, ela, a filha grávida, linda e amorosa que parece ter uma boa relação com seus pais, mas aparece pouquíssimo na trama e não ficamos sabendo muito sobre sua vida, e ele, o filho mais novo que vive à sombra do vaidoso pai por também escrever, passa seus dias esperando por uma aprovação que nunca chega e durante toda a história ele se mostra ressentido e mal resolvido com essa relação.


O filme já começa com uma cena simples, mas que me deixou com a pulga atrás da orelha e sutilmente diz muito sobre a trama como um todo: os dois estavam deitados e Joe parecia muito inquieto e ansioso, dizendo a Joan que precisava se distrair e queria fazer sexo com ela e, de tanta insistência e mesmo contra sua vontade, ela cedeu. 

Daí pra frente só vai ficando cada vez mais claro o poder que ele exerce sobre ela e como ele a manipula por completo com seu jeito bem humorado e sedutor, inclusive após suas sucessivas traições onde ele sempre tenta inverter a situação a culpando por coisas sem sentido e ela suporta, se cala e segue em frente exercendo seu papel dentro da família.


A maneira com que o filme mostra o que está nas entrelinhas, é te transportando através de  flashbacks há 40 anos quando eles se conheceram e Joan era apenas uma jovem universitária, tímida e aplicada que se apaixonou por seu professor que, naquele momento, era um homem casado e com uma filha pequena. Joe, sempre galanteador, não tardou a usar seus momentos de aconselhamento com sua aluna aspirante à escritora para criar um laço de maior intimidade, até que um romance se iniciou e a vida dela mudou completamente. 

Há cada novo acontecimento, por mais simples que possa parecer, vai ficando claro para o espectador que a tristeza e o descontentamento no olhar de Joan também guardam um segredo que ela manteve atravessado em garganta por toda sua vida e segue como uma bomba relógio prestes a explodir, mas se condena ao silêncio amargo e desconfortável, porém necessário à vida que escolheu e se mantém integra dentro dessa realidade.

Assunto indigesto que é o machismo, não? Ainda mais quando ele é só contado,

sem luta, sem justiça, sem movimento contrário algum. É só uma mulher que vem de uma época que a fez acreditar que nasceu para viver isso. Uma mulher incrível, criativa e forte, mas que se permite parecer fraca para deixar que a vaidade de seu marido brilhe enquanto ela o acompanha se tornando apenas a Senhora Castleman. É como se aquela antiga e antiquada máxima “por trás de um grande homem existe uma grande mulher” tivesse sido feito para ela, sempre atrás, sempre calada, sempre cuidando e servindo, sempre aparando arestas… uma vida inteira sendo traída por ele e por si mesma. 
A nós, que somos de uma outra geração, cabe somente assistir e voltar para casa tentando digerir tamanha opressão que recebeu a permissão dela para estar ali, por toda a infelicidade aceita por conta do compromisso com o casamento e por esse marido que faz o que bem entende com a segurança de que voltará para casa e sua linda e companheira esposa estará esperando por ele ad eternum


O filme tem um roteiro mediano onde nada é muito novo. Nele, o segredo que há entre os dois fica precocemente subentendido e acaba tirando aquele sabor da descoberta no momento certo, além disso, há algo que me causa um pequeno incômodo nesse filme, que é o fato deles saírem dos Estados Unidos direto para Estocolmo e não terem nenhuma questão com a língua, porque é óbvio que o mundo inteiro fala inglês para agradar nossos amigos norte americanos (rs), mas a história traz um bom conteúdo e atuações maravilhosamente reais. Glenn Close e Jonathan Pryce incorporam com perfeição seus papéis. Sobre ela, com cada pequena e delicada expressão, você é presenteado com um universo de emoções e sabe exatamente o que ela sente sem que precise ser dita uma só palavra, ela é elegante, forte, séria, inteligente e ainda assim não é capaz de lutar por si mesma. Sobre ele, você passa o filme todo sem saber se o ama ou o odeia, hora parece uma criança cheia de alegria, hora um homem poderoso e cheio de vaidades, em alguns momentos um conquistador barato e em outros um manipulador nojento. São realmente atores tão competentes e fazem seu trabalho com tanta maestria que os pequenos problemas que o filme possui são facilmente deixados de lado. O mesmo não é possível dizer sobre Max Irons e sua interpretação do filho adulto, pois passa o filme inteiro agindo como uma criança chata, birrenta e quase sem expressão. Uma atuação morna e mediana que quase não acrescenta à obra. 
Já a fotografia não foi tão bem aproveitada quanto poderia, levando em consideração que o filme se passa quase todo em Estocolmo e seus personagens passeiam por grandes teatros e bares, vão a festas em belos lugares e se hospedam em um luxuoso hotel, e mesmo assim tudo parece um mero pano de fundo sem importância. Uma pena, já que é um filme que tem muita beleza e uma linda, leve e harmônica paleta de cores, além de muita emoção para oferecer.


Meu adendo aqui é que Glenn Close é, sem sombra de dúvidas, muito merecedora do Globo de Ouro que recebeu por sua Joan e eu veria esse filme novamente só para aproveitar melhor cada gesto sutil, cada olhar de reprovação, cada pesar em sua leve respiração, cada fala com sua voz firme e serena ao mesmo tempo. Essa mulher é apaixonante!


Título Original: The Wife

Direção: Bjorn Runge


Duração: 101 minutos

Elenco: Gleen Close, Jonathan Pryce, Max Irons, Christian Slater, Alix Wilton Regan, Elizabeth McGovern, Karin Franz Körlof, Harry Lloyd.

Sinopse: Joan, uma linda, amargurada e misteriosa mulher de meia idade casada com Joe, um escritor que acaba de receber o Premio Nobel de Literatura. Na viagem para a tão esperada premiação, Joan começa a questionar sua vida e todas as razões que a fizeram abrir mão de seus sonhos e se anular diante da vida para ser somente a Senhora Castleman e se tornar a eterna coadjuvante de sua própria existência.

Trailer:
Até que ponto é possível e saudável abrir concessões em uma relação? Divida conosco sua ótica sobre essa história que nos causa tanto desconforto!

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