Crítica: Em Chamas (2018, de Lee Chang-Dong)


Este é um daqueles filmes que tinha tudo pra ser despretencioso, mas que cozinhou meu cérebro e me fez sair do cinema me perguntando como é que eu iria conseguir escrever sobre isso! (rs)

Então vamos falar sobre Lee Jongsu, um jovem solitário vindo de um lar um tanto conturbado, reprimido em suas emoções e até mesmo na maneira de se expressar. Tem uma vida monótona onde só trabalha e volta pra casa, mas isso até reencontrar com Haemi depois de muitos anos sem nenhum contato. Ela, uma menina expansiva, emocional e sem nenhuma inibição ou pudor, começa a mexer com os instintos e a imaginação de Jongsu.


Com essa recente proximidade e uma breve viagem para a África já programada por Haemi, Jongsu tem que lidar com essa ausência e tudo o que vem dela e, como se isso já não fosse o suficiente, a moça confusa retorna já dentro de um relacionamento com Ben e eles são apresentados com a maior naturalidade do mundo. Ben é aquele carinha descolado, rico e que leva consigo uma serenidade de quem nunca teve problemas na vida, alguém que parece carregar consigo muitos segredos sem nenhum desconforto, e entra em cena trazendo uma sensação de que algo ficou muito fora do lugar na sua presença. 


Temos aí um triângulo amoroso cheio de complexidade, mas com relações aparentemente complementares e cheias de teias que as ligam. Eles se relacionam com facilidade e passam muito tempo juntos, apesar de tudo o que isso envolve. Jongsu, que nesse momento já se sente apaixonado por Haemi, precisa lidar com toda a sua raiva por ter sido deixado de lado, a  inveja de um homem que tem tudo o que ele não tem para oferecer e a competição que isso gera. Muito conflito para alguém tão solitário e reprimido lidar sozinho. 

A história corre sem pressa, sem parecer querer chegar a algum lugar… ela só segue… e nós, os espectadores dessas vidas, ficamos ansiosos pelo momento seguinte. Sempre à beira de um colapso nervoso!

A questão do tempo aqui é tão banal que o diretor dedica praticamente uma hora inteira de filme só para falar de seus personagens e nos deixar mais íntimos deles. A história vai acontecendo, mas sem desenrolar e vai deixando tudo subentendido. Nenhum dos acontecimentos se desenrola com clareza, deixando sempre fios soltos no meio do caminho, e fica ao seu critério julgar o que você acha que está acontecendo, ou quem é bom ou ruim, ou até mesmo se realmente aconteceu algo ali. É insanamente genial e angustiante! Frase estranha, eu sei, mas já disse que seria difícil escrever sobre esse filme!

Em Chamas é muito mais do que sugere! No decorrer do filme você já não sabe mais o que essas chamas querem te dizer, porque podem ter um contexto sexual, mas também podem estar falando de um possível crime ou até mesmo de uma guerra interna dentro de cada um deles. Seguimos assim, como quem está num leilão dando lances sobre uma situação aparentemente tão boba, mas que desencadeia um outro momento que é absurdamente bizarro e nada se explica de fato a não ser dentro da sua própria cabeça, porque aqui não há certezas.

Depois de diversos acontecimentos e joguinhos entre eles, Jongsu perde a calma e fala com Haemi com uma certa brutalidade e ela, inexplicavelmente, sai de cena num estranho sumiço que traz ainda mais angústia e leva o garoto ao início de uma busca alucinada. Nesse ponto, não somos só nós que estamos cheios de paranoias, mas também nosso protagonista, já que ele também lida com suposições o tempo todo e uma das melhores coisas desse filme é o nosso questionamento sobre a moral, sobre o “bonzinho e o malzinho” que costumamos julgar. Aqui, todas pessoas são aparentemente comuns, com erros e acertos, e você começa a repensar sobre até onde chega sua empatia com o momento de vilania do menino, que até o momento era o mais correto entre todos eles.

Esse roteiro é o mais tenso, incrível, interativo e alucinado que já vi nos últimos tempos. Apesar do ritmo extremamente lento e de ser um filme bem longo, o que é bem difícil pra mim, a trama te convida o tempo inteiro a questionamentos e te dá o benefício (ou a angústia) da dúvida durante 2h30min da sua vida. Além de tudo isso, se você for intensa(o) e se envolver com o filme como eu, corre o risco assistir à última cena e ficar alguns minutos “catatônica” diante do que seus olhos estão vendo. E pra complementar tudo isso, ainda tem uma trilha sonora tensa só pra te deixar ainda mais desesperado (como se precisasse!).

Título Original: Buh-Ning

Direção: Lee Chang-Dong

Elenco: Yoo Ah-In, Steven Yeun, Jeon Jong-Seo

Sinopse: Lee Jongsu é um jovem e solitário rapaz que, no meio de um dia comum, reencontra Haemi, uma conhecida de sua infância, pela rua e se aproximam de imediato. Haemi tem uma viagem marcada para a África e deixa Jongsu cuidando de seu gato. No retorno dessa é viagem, Haemi traz consigo Ben, um jovem um pouco mais velho que Jongsu, muito bem sucedido e que parece ser cheio de segredos. Dá-se ai uma trama complexa envolvendo esse triangulo amoroso numa teia cheia de raiva, ciúme, inveja e competitividade. Uma trama muito maior do que simples relações.

Trailer:



Para quem gosta da complexidade das relações, as neuroses humanas e os limites que somos capazes de atravessar pela paixão e pela obsessão causada pela dúvida, essa é sua história! 

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