Crítica: Pantera Negra (2018, Ryan Coogler)

Eu gosto sempre de falar, na maioria das críticas que escrevo, ou de filmes que indico, que um filme consegue transcender a experiência de quem o assiste quando ocorre uma identificação. É claro que isso não vem a ser uma regra, mas gosto de pensar assim. E foi assim com Pantera Negra. Ver um herói de sua raça como um rei majestoso, com uma guarda-real de mulheres guerreiras super bad-ass e um universo totalmente encantador e fantástico: a suntuosa Wakanda, localizada no coração do continente africano é, no mínimo, de arrepiar a alma. O que não quer dizer, no entanto, que você tenha que, necessariamente, ser negro para se conectar ao belo espetáculo a que somos apresentados. Identificação vai muito além disso, e se ouso dizer, Pantera Negra vem como um marco histórico na indústria cinematográfica.






Bem diferente da maioria dos filmes do universo cinematográfico da Marvel, esse filme vem ao encontro de muitas necessidades atuais. Assim como Mulher Maravilha representou um grande passo para as mulheres, Pantera Negra vem alimentar os anseios daqueles que tanto aguardavam em ver um super-herói negro nos cinemas. Não somente um filme para entreter, mas principalmente um filme para criar uma conexão, um vínculo.



Criado por Stan Lee e Jack Kirby nos anos 60, o Pantera Negra teve sua primeira aparição nos quadrinhos do Quarteto Fantástico, entretanto, diferente do que se pensa, os criadores afirmam que o nome do herói nada tem a ver com o movimento Black Panther da década de 60, movimento demasiadamente importante para a história, como um todo. Tempos depois, a história do herói foi aprimorada e mais trabalhada pelo roteirista Christopher Priest e o desenhista Mark Teixeira e, ainda, também pelo roteirista Ta-Nehisi Coates, que deu um toque mais político à história.




A primeira aparição do Pantera Negra no MCU, até então, príncipe T’Challa, se deu no filme Capitão América: Guerra Civil. Interpretado pelo carismático Chadwick Boseman, T’Challa, neste filme volta para casa (após os acontecimentos do filme Guerra Civil) onde assumirá o trono de Wakanda, um país da África, isolado, extremamente rico, afro futurístico e avançado tecnologicamente, o que se deve bastante ao fato de possuírem o metal mais precioso do mundo: vibranium – extremamente leve, facilmente trabalhável e de altíssima resistência.






Somos então apresentados à grandiosidade de todo o universo do rei, a começar pela apresentação da guarda-real, as Dora Milaji, mulheres incrivelmente versadas em artes marciais, donas de um estilo único e comandadas por Okoye (Danai Gurira, nossa Michonne de The Walking Dead). Danai Gurira entrega uma Okoye incrível em todas as cenas em que aparece, oferecendo alguns (poucos) momentos de alívio cômico e cenas de luta incríveis e super bem coreografadas.



Falando em alívio cômico, é possível perceber que a fórmula utilizada neste filme é bem diferente do que geralmente vemos em filmes da Marvel. Os alívios cômicos apresentados são bem encaixados e certeiros, e a história apresenta uma seriedade muito superior a qualquer filme já visto. Também pudera, em se tratando de um tema tão importante, tão necessário, o roteiro deveria caminhar justamente para esse lado, pois, piadas demais (leia-se Thor Ragnarok ou Guardiões da Galáxia) provavelmente tirariam todo o foco que o filme pretende dar.






Temos ainda a presença de coadjuvantes marcantes, como a princesa Shuri (Letitia Wright, Black Mirror), que é a mente brilhante por trás de todo aparato tecnológico desenvolvido em Wakanda e ainda uma presença mais constante nos alívios cômicos existentes na trama.




Há ainda o interesse amoroso de T’Challa, Nakia, interpretada pela belíssima Lupita Nyong’o (12 anos de escravidão), que se motiva pela necessidade em ajudar as nações próximas (que possuem situação precária e desconhecem o poderio de Wakanda) através de seus próprios meios e tenta convencer o recente rei a fazer o mesmo. Entretanto, devido às tradições do país, ele se vê dividido em deixar que Wakanda continue no anonimato ou compartilhar o que tem com o mundo.





M’Baku (Winston Duke) é outro personagem importante na trama. Líder da tribo Jabari, a única tribo que não é a favor do governo de Wakanda tal como ele é, M’Baku inicialmente se mostra como um antagonista, mas lá para o terceiro ato prova seu valor, sem falar que alguns momentos de alívio cômico ficam ao seu encargo.





Daniel Kaluuya (Corra!), nos entrega um perspicaz W’Kabi, líder de uma das tribos do reino de Wakanda, que é muito próximo de T’Challa, porém anseia que o rei resolva as questões pendentes com um antigo inimigo, Ulysses Klaue, o Garra Sônica. Andy Serkis dispensa apresentações e não poderia entregar nada menos que um vilão à altura da trama e totalmente desprezível. Entretanto, o Garra Sônica não é o vilão principal a que temos que dar a devida atenção.





Erik Killmonger é quem, de fato, vai dar trabalho para nosso herói. Interpretado pelo talentoso Michael B. Jordan (que rouba cena em vários momentos), o antagonista (que é inspirado grandemente no filme brasileiro Cidade de Deus, segundo o diretor) é simplesmente diferente de tudo o que já foi visto no MCU. Há consistência que justifique sua ‘vilania’, se é que podemos chamar dessa forma. A trajetória de Killmonger (envolta por um plot muito triste) faz com que, em determinado momento, você até pense em mudar de lado… Um dos melhores vilões já apresentados, se não o melhor! É com ele que temos os maiores discursos sobre opressão, racismo, falta de oportunidades…. Entretanto, ele acaba apresentando uma visão muito extremista para resolver suas questões e é quase como dizer que Killmonger está para Malcom X assim como T’Challa está para Martin Luther King.




A forte presença de Angela Bassett como a Rainha-Mãe Ramonda já é por si só encantadora e apesar de poucos diálogos, ela entrega uma personagem de personalidade muito forte e decidida. Forest Whitaker é Zuri, o mentor de T’Challa e guia espiritual de Wakanda, que além de conselheiro real é um personagem de alto carisma e o plot no qual está inserido é um dos mais marcantes da trama. Temos ainda Everett Ross (Martin Freeman), como o segundo personagem branco da história, com uma importância bem mais secundária, porém a relação dele com o rei e o povo de Wakanda pode vir a reforçar a ideia de união de forças entre raças e nações.






A direção de Ryan Coogler, responsável pelo primoroso Creed: Nascido para Lutar, não poderia ser mais acertada. O conjunto que o diretor entrega é magnífico e de uma preocupação milimétrica com detalhes, desde o cuidado para que todos os personagens tivessem o sotaque correto, figurino totalmente vindo da cultura africana, maquiagens e acessórios, até às lutas bem coreografadas (para os mais atentos, é possível ver gingados de capoeira em uma das lutas de T’Challa com M’Baku). Coogler acerta principalmente por saber equilibrar o entretenimento em si com a necessidade urgente de representação negra.




A trilha sonora se destaca! É daquele tipo que não dá para se falar muito, só sentir. E sentir intimamente. Um dos grandes nomes é o de Kendrick Lamar, e assim é possível ouvir desde rap a cânticos africanos, esses últimos sendo um deleite para os ouvidos e muito bem encaixados. 






Talvez um erro que possa tirar um pouco do brilho (mas nem tanto assim) é o CGI que por vezes não convence. Há cenas em que fica notório o uso mal administrado e isso pode incomodar. Mas de forma alguma tira o mérito que o filme tem.



Assim, muito além de um entretenimento, Pantera Negra vem para suprir uma necessidade muito mais aprofundada: a representatividade. Não o vejo como um filme politicamente correto, mas sim, essencialmente necessário. É claro que se visa o lucro, principalmente, mas vejo como algo positivo lucrar com todo tipo de público, e que toda plateia possa se ver representada, de certa forma. Pantera Negra é um filme que apresenta questões sérias, mas não as deixa em aberto e propõe também soluções.


No mais, fica aquela preciosa dica: tem cena pós-créditos! E se me atrevo a dizer, nem deveria ser pós-créditos, de tão inspiradora e emocionante que é. Ah!, e tem outra cena no final de tudo (não tão importante assim, e talvez seja até um furo de roteiro). Obrigada, de nada :)

Título Original: Black Panther





Diretor: Ryan Coogler



Elenco: Chadwick Boseman, Michael B. Jordan, Lupita Nyong’o, Danai Gurira, Letitia Wright, Andy Serkis, Martin Freeman, Daniel Kuluuya, Winston Duke, Angela Bassett, Sterling K. Brown, John Kani, Florence Kasumba.
Sinopse: Após a morte do rei T’Chaka (John Kani), o príncipe T’Challa (Chadwick Boseman) retorna a Wakanda para a cerimônia de coroação. Nela são reunidas as cinco tribos que compõem o reino, sendo que uma delas, os Jabari, não apoia o atual governo. T’Challa logo recebe o apoio de Okoye (Danai Gurira), a chefe da guarda de Wakanda, da irmã Shuri (Laetitia Wright), que coordena a área tecnológica do reino, e também de Nakia (Lupita Nyong’o), a grande paixão do atual Pantera Negra, que não quer se tornar rainha. Juntos, eles estão à procura de Ulysses Klaue (Andy Serkis), que roubou de Wakanda um punhado de vibranium, alguns anos atrás.
Trailer

E você, já viu Pantera Negra? O que acha de todo o hype acerca desse filme? Conta para gente!


Deixe uma resposta