Crítica: O Profissional (1994, de Luc Besson)




Hoje levaremos você de volta no tempo, onde 23 anos atrás o que poderia ser só mais um filme de ação, tornou-se uma obra amada pelo mundo cinéfilo. Era 1994 e o pouco conhecido Luc Besson entregava seu primeiro grande sucesso mundial: O Profissional. Levemente baseado em uma personagem secundária de seu outro filme, Nikita (1990), Besson decide mostrar como seria o universo de um assassino profissional de Nova York. Leon é expert e frio no que faz, mas parece perdido como ser humano, até que começa a cuidar de uma garotinha de 12 anos, cuja família foi morta por um criminoso. Até aí, a premissa poderia cair totalmente no costumeiro, com tiros e um assassino protegendo uma criança. Mas a fita ganha uma notória camada de complexidade, com bons personagens, uma atmosfera pungente e algumas questões polêmicas.

Primeiramente, deve-se elogiar o roteiro assinado por Besson, que pega o clichê de ação e apresenta de maneira interessantíssima. Existe uma abertura intrigante, que beira o suspense. Logo após, temos doses de humor negro e ácido, seguido de um drama mais íntimo. Para enfim entregar-se uma ação intensa, mas bem montada e de significado. O longa transita entre os estilos de maneira natural, a ponto de condizer bem com a trama. Os diálogos, as situações do cotidiano, o subvertido mundo do crime, tudo é muito bem retratado, fazendo-nos imergir na trama. A direção é certeira, com ritmo e ângulos que captam tudo o que acontece sem ser bagunçado, despertando mais o nosso interesse. Em vez de tiroteios desenfreados, que visam confundir o público, a câmera estática ou em movimento, mostra claramente tudo o que ocorre, fazendo-nos sentir repulsa ou tristeza em algumas cenas mais fortes.


O elenco é o ponto alto do filme. Mesmo precoce, Natalie Portman já mostrava um talento absurdo, o que justificaria seu Oscar de Melhor Atriz por Cisne Negro anos depois. A menina passa muito bem a dor da perda, a frieza da violência e o encanto da infância/juventude. Há uma cena específica em que ela vê a família morta e segue caminhando pelo corredor afim de passar reto do atirador, para instantes depois, entregar-se ao choro. Cenas sutis como essas revelam ótimas atrizes e a pequena passou na prova. O esquecido Jean Reno sempre foi um ator de papeis simples – humildes eu diria – mas que faz isso muito bem. Passa a frieza e confusão de um matador que tem uma chance de redenção. Parece irônico, mas há cenas em que ele parece frágil, quase inocente, talvez diante da situação de cuidar daquela garotinha. E quem rouba a cena por completo é o maravilhoso camaleão Gary Oldman, em um papel surtado, entregando momentos alucinados. É aquele tipo de vilão que você odeia, mas ama vê-lo em cena de tão bom que é. Oldman é um ator realmente gigante. 

Todo aspecto visual e sonoro da obra ajudam a adentrar na atmosfera de O Profissional. O filme traz aquela carga que só alguns filmes dos anos 90 tinham. O cenário suburbano é quase uma personagem, com sua fotografia poluída, pessoas por todos os lados e coadjuvantes sujos e criminosos. O figurino também reflete bem a sociedade da década, com aquele estilo noventista de Nova York, especialmente das pessoas mais humildes e jovens. Este padrão visual se casa com a narrativa da obra, como as piadas que funcionam mais como uma cutucada na sociedade da época do que fazer rir. E a bela trilha sonora ajuda a embalar esta melancólica obra, às vezes remetendo ao cinema francês, às vezes ao noir e às vezes ao punk moderno. Destaque para a belíssima canção Shape Of My Heart do Sting, que abraça a trama de maneira redonda.


Por fim, não devo deixar de falar na tal polêmica que a obra lança, ao sutilmente falar de amor, algo que pode chocar a alguns por se tratar de pedofilia. Bem, embora haja a intenção de Leon proteger a menina num instinto paterno, a mesma o ama, e de certa forma pode-se perceber que Leon a ama. Embora não haja o ato em si, notamos este elo. Em determinado momento, ela diz que está apaixonada por ele. Afinal, a jovem acabou de perder toda família, foi acolhida por um assassino que a está treinando e protegendo, criando assim uma paixão da jovem pelo seu “mestre” (como quando uma garota é atraída pelo seu professor). E embora Leon refute a paixão da jovem, ele nunca a nega, ou deixa de a proteger. Sua vida solitária o tornou vazio e agora ele tem um propósito. Pode ser polêmico, mas diante uma realidade tão sofrida e terrível dos protagonistas, um é a única coisa boa que o outro tem. Não estou aqui defendendo a pedofilia, nem o filme faz isso. Mas diante a adversidade do submundo da trama, o longa lança esta questão, sem julgar ou estereotipar, apenas apresentando a trama de maneira delicada. Então o que poderia ser repulsivo, é apenas apresentado como uma sutil válvula de escape daquelas almas atormentadas. E extrair tamanha questão em um filme de ação, é no mínimo corajoso. 

O Profissional é um grande filme. O final traz sequências eletrizantes. É triste, inflamado e divertido, tem um elenco de ótimo timing e boa direção do francês Luc Besson, que mais tarde traria O Quinto Elemento e Lucy (provando trazer um cinema um tanto autoral e questionador, mesmo que sem deixar de divertir as massas). Se você assina Netflix, aproveite que o filme ainda está no catálogo e assista. Foi um marco nos anos 90 e acredite: 23 anos depois, continua com questões muito atuais. 



Título Original: Leon

Direção: Luc Besson

Elenco: Natalie Portman, Jean Reno, Gary Oldman, Danny Aiello, Michael Badalucco, Ellen Greene, Elizabeth Regen.

Sinopse: em Nova Iorque, o assassino profissional Leon (Jean Reno) não vê sentido na vida. Quando a família vizinha é morta por policiais envolvidos com drogas ele decide proteger Mathilda (Natalie Portman), uma menina de 12 anos que é a única sobrevivente da família. Ela deseja se tornar uma assassina, para poder vingar a morte do seu irmão de 4 anos. Enquanto ela cuida da casa e ensina o pistoleiro a ler e a escrever, ele lhe ensina o básico de como manejar uma arma.

Trailer:



Canção Shape Of My Heart, do Sting:



 











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