Colocando em prática a mesma fórmula que
gerou os excelentes Dois Dias, Uma Noite, A Criança e Rosetta, os irmãos
cineastas Dardenne voltam para trás das câmeras exibindo A Garota Desconhecida,
uma história realista e rudimentar que busca em seu enredo cru realçar sua
simplicidade e impactar seu espectador com um suspense raso de um assassinato,
mas que acabam tendo o efeito contrário, deixando o longa-metragem cair em
características desinteressantes e uma atmosfera pouco atraente. Exibido em
diversos festivais e mostras, A Garota Desconhecida não conseguiu arrancar mais
que vários “ok” do público e da crítica – algo incomum se levar em conta a
filmografia dos diretores belgas.
Jenny Davin é uma médica focada em seu trabalho, que
quando não está submersa em exames e consultas, auxilia seu estagiário e
realiza visitas a domicílio de seus pacientes. Até que, em um dia a princípio
ordinário, não atende a campainha de seu consultório por passar do horário de
funcionamento e isso acaba interferindo no assassinato de uma jovem
desconhecida. Sendo consumida por culpa, a doutora Davin acaba traçando uma
pequena investigação particular, a fim de descobrir quem era a vítima, qual seu
nome e qual sua história – pois agora, não suportava a ideia dela ser enterrada
sem seu nome verdadeiro em um simples cemitério de indigentes, sem ao menos uma
lápide em sua homenagem.
características dos Dardenne: câmera na mão, enquadramentos próximos, bom uso
da luz natural, cortes bruscos, pouca trilha sonora e planos-sequência curtos
(de um ou dois minutos) focados em diálogos. Tais características que se
tornaram os elos fortes de seus filmes anteriores, mas que curiosamente, não surtem
o mesmo efeito aqui. O que teria dado de errado? Na verdade, muito pode ser
explicado por um simples fator: o roteiro. Também escrito pelos irmãos
Dardenne, apresenta uma história simples com um objetivo direto, que apesar de
conter ideias bem interessantes, acaba configurando-se em apenas um thriller
satisfatório e nada muito impressionante. A ideia de que Jenny se envolve
pessoalmente no assassinato da garota desconhecida, em busca não do assassino,
mas sim apenas da identidade da vítima, é interessante por mostrar um lado
pouco explorado em suspenses desse tema, o lado empático e culposo de um
terceiro. O lado que explora mais o ser humano em si do que o mistério
propriamente dito. O efeito dominó e a verdade que corrói alguém são outros
pontos interessantes do enredo. E o pano de fundo (transparente a princípio,
que ganha forma ao decorrer do longa-metragem) usando o tema de imigração é
ousado e importante, dado os tempos em que vivemos hoje quando tal assunto vira
manchete dos jornais quase todos os dias.
somada aos diversos pequenos mistérios com suas resoluções logo na cena
imediata seguinte – como a em que Jenny tenta fazer o garoto Bryan falar e a em
que ela vai ao trailer investigar – deixa a história cansativa. A falta de
construção da personagem principal, a qual nós apenas conhecemos por sua
constante obsessão de ajudar todos e consertar tudo (o mistério do assassinato,
a desistência de seu estagiário Julien, a vergonha de Bryan e seu pai), acaba
nos remetendo à falta de empatia, falta de apego à personagem em si. A atuação
de Adèle Haenel é paradoxal, ao mesmo tempo em que a atriz está
confortavelmente bem em seu papel, falta algo para deixar sua personagem mais
interessante e com mais conteúdo – era extremamente necessário algo a mais,
afinal a protagonista é peça-chave dos acontecimentos finais e acaba residindo
apenas em uma construção rasa.
irmãos Dardenne é excelente, usando as mesmas particularidades usuais dos
cineastas. Os planos-sequência de breve duração são as cenas mais interessantes
do longa-metragem, que ajudam a construir a perspectiva realista do filme – a
cena em que Jenny é forçada a parar seu carro e é ameaçada por dois homens
desconhecidos, e em seguida, dirige emocionalmente abalada o caminho de volta
(sem nenhum corte) é muito bem feita. A edição e a montagem seguem um aspecto
seco e brusco, com cortes repentinos e sem desvios. A fotografia de Alain Marcoen
(Dois Dias, Uma Noite e A Criança) preza a iluminação natural, sem grandes
realizações, a fim de manter o aspecto realista proposital. A cinematografia é
outro ponto forte, voltada para enquadramentos inteligentes – os takes em que
filmam as costas da protagonista enquanto ela anda, com o intuito de
acompanhá-la como uma terceira pessoa a observar a história, é
interessantíssimo.
boas ideias são pouco exploradas. A Garota Desconhecida tem muito de seu
potencial desperdiçado e não consegue se destacar nas características que foram
primordiais em muitos filmes dos irmãos Dardenne, principalmente em Dois Dias,
Uma Noite. Um de seus pontos mais altos da carreira, onde muito de seu
brilhantismo se deve à excelente atuação de Marion Cotillard e a grande
complexidade por trás de uma personagem presa em uma situação difícil. Os
diretores belgas prezam o cinema “desnudado”, cru e realista. Porém, a
aplicação dessa fórmula não funcionou aqui, e A Garota Desconhecida pode ser
resumido como um thriller satisfatório, que poderia ter sido muito mais.
E você, já conferiu o último filme dos irmãos Dardenne? Não esqueça de deixar seu comentário!