Crítica: The Handmaiden (2016, de Park Chan-wook)

O cinema coreano cada vez mais tem mostrado o seu potencial e capacidade em fazer excelentes filmes. E nesse ano, não foi diferente. Depois de todos serem surpreendidos por dois excelentes filmes coreanos: Train to Busan de Yeon Sang-ho e The Wailing de Hong-jin Na. Chegou a hora de Park Chan-wook impressionar a todos com seu mais novo filme, The Handmaiden. Um thriller psicológico, lírico, sensual, tenso e feminista sobre o relacionamento entre duas mulheres e uma vingança. E claro, moldado com as características clássicas do diretor coreano. Com certeza, um dos melhores filmes do ano!


1930, Coreia do Sul. Durante a ocupação japonesa, uma jovem chamada Sook-Hee é contratada pelo Conde Fujiwara para ser a criada da misteriosa Lady Hideko, que por ser herdeira de uma grande fortuna, é cortejada por muitos homens, incluse por seu próprio tio. O Conde é um vigarista com um plano de se casar com Hideko e tomar toda sua fortuna ao interná-la em um manicômio, mas precisa da ajuda de Sook-Hee, que agora passa a ser chamada de Tamako, para isso. No entanto, algo que não estava nos planos acontece e uma relação inesperada entre Sook-Hee e Hideko surge, mudando completamente o rumo da história e a vida delas. Baseado no livro Na Ponta dos Dedos (no original, Fingersmith) de Sarah Waters, The Handmaiden conta com uma leve mudança de cenário: a história original literária se passa durante a Era Vitoriana na Inglaterra (em meados do século XIX) e o filme, durante a ocupação japonesa na Coreia (1910-1945). Tal mudança, no entanto, não interferiu em nada a qualidade da história. Park Chan-wook e Jeong Seo-Gyeongé são os responsáveis pelo roteiro e sua adaptação, e eles não poderiam ter feito um trabalho melhor. A adaptação segue fiel ao livro pelo primeiro terço do longa, o restante dele foi alterado e adicionado boas doses de “chanwooknismos”. O roteiro é extremamente bem escrito com uma adaptação competente, que somado às outras características técnicas, constrói um filme que apesar de ter uma duração relativamente longa de duas horas e meia, não é nem um pouco arrastado e prende seu espectador do início ao fim.

The Handmaiden, no original Ah-ga-ssi, é composto de diversas características maravilhosas, desde as atuações à montagem. O diretor da famosa trilogia da vingança (Mr. Vingança, Oldboy e Lady Vingança), Park Chan-wook, entrega um filme esteticamente perfeito com qualidades fantásticas. Com cenas muito bem feitas, quase impecáveis. As que mais merecem reconhecimento são a edição e a montagem, que somados ao roteiro, formam juntos a base da estrutura para a construção da história. Ela não é contada de forma perfeita e linear o tempo inteiro, ela é desconstruída e montada conforme os diferentes períodos do filme e diferentes pontos de vista. As cenas são cuidadosamente cortadas e em algumas vezes até filmadas em diferentes ângulos, para serem reveladas em outro momento sob a perspectiva de outra pessoa. Deixando assim, várias pequenas e grandes reviravoltas em apenas um único filme.

Essa maneira do filme se desenrolar, interfere também na construção dos personagens, que mostram no decorrer do filme que eles são compostos por diversas camadas de complexidade. Se de início, a protagonista parecia inocente e atrapalhada, no fim ela mostrará que ela não se resume a isso. A história, como já disse, tem várias reviravoltas. Por isso, para não estragar a surpresa, vou comentar de modo geral e breve a essência dela, para manter suas principais características não reveladas. O modo em que Park Chan-wook retratou o relacionamento entre duas mulheres foi natural e singelo, capturando bem a forte ligação entre elas. As duas vivem num mundo de homens, que tentam manipulá-las e fazer delas o que quiserem. São tratadas como seres indefesos e inferiores por diversos homens no decorrer de suas vidas,  mas elas não se deixam submeter e encontram força uma na outra, se fortalecendo dessa relação forte, bela e inesperada para ambos os lados.

Park é conhecido por seu uso característico de violência e sangue, mas em The Handmaiden vemos uma faceta dele um pouco diferente da que estamos acostumados. Mas no entanto, seus filmes são conhecidos por serem ousados e este não é exceção. O diretor coreano volta à boa forma após o mediano Segredos de Sangue, filmado em solos americanos, e consegue construir uma história com tantos elementos que impressiona. A trama consegue ser dramática, sexy, feminista, bela, surpreendente, tensa e beirando os extremos de felicidade e tristeza. É uma história cativante e envolvente, gerando uma constante mudança com os sentimentos de quem está assistindo. O longa chega até a abordar assuntos pesados como abuso tanto o físico como o psicológico, mas em certos momentos, especialmente quando a protagonista Sook-Hee está em cena, consegue ter cenas engraçadas e tirar risos do espectador. É maravilhoso como Park tem a facilidade em oscilar cenas tão heterogêneas assim, e de forma tão impecável. E a cinematografia engenhosa de Park está excelente. É incrível a maneira em que as cenas foram filmadas, destacando detalhes distintos a cada momento. Um simples close da câmera aqui e ali focaliza um detalhe específico, dando uma característica especial nessas cenas. Park mostra aqui uma excelente direção. Os inteligentes jogos de câmera já característicos do diretor marcam presença de maneira soberba, perfeita. E claro que, não podemos deixar de falar da linda fotografia, levemente escura e suave. Park é um diretor incrível que dispensa comentários. E o coreano mostrou mais uma vez o porquê de ser um dos melhores diretores de seu país atualmente. E não seria exagero dizer que The Handmaiden é um de seus melhores filmes. O filme é maravilhoso em todos os quesitos.


A escolha certa do elenco é outro elemento que ajuda na grandiosidade de The Handmaiden. Todos estão em ótima sintonia e completamente confortáveis no papel. Dizer que Kim Tae-ri como a carismática e atrapalhada Sook-Hee está boa no papel, é pouco. A jovem atriz coreana está perfeita em sua personagem, sendo muitas vezes, protagonista das cenas mais singelas e engraçadas. Kim Min Hee como Hideko está igualmente ótima no papel e entrega uma personagem muito complexa. E a química entre as duas é ótima, bem equilibrada. Jung-woo Ha é outro destaque do elenco. O ator coreano interpreta o Conde Fujiwara e o faz maravilhosamente bem. E Jo Jin Woong como o tio maléfico de Hideko também merece ser lembrado por seu papel difícil. Tanto Jung-woo como Woong entregam personagens sólidos com características muito marcantes para o desenvolvimento do enredo. Em suma, esse elenco tem talento. E não é pouco. A trilha sonora também é importante nas construções das cenas. Elas adicionam uma característica precisa para cada uma delas, algo que Park já fez em seus filmes anteriores, e continua fazendo de maneira incrível. Em diversos momentos uma música toca no fundo e completa a atmosfera da cena. E a escolha das músicas é certeira, digna de aplausos, combinando com os sentimentos dos personagens em cena. Os pôsteres simbólicos de The Handmaiden merecem aplausos também. Estão cheios de pequenos detalhes que, se olhá-los com atenção, verá muitas informações sobre o filme. E outro ponto que não podemos deixar batido, é o incrível trailer oficial, que ao mesmo tempo, diz muito e não diz nada (confira ele aqui embaixo, após a crítica).


The Handmaiden tem sido alvo de inúmeras críticas altamente positivas. Foi muito bem aclamado no Festival de Cannes 2016, sendo indicado para três categorias: Palma de Ouro, Queer Palm e Prêmio de Direção Artística. E ganhou um, o de Direção Artística. Também participou das seleções oficiais dos Festivais de Toronto, Karlovy Vary e Sydney de 2016. Ganhou até agora seis prêmios de Melhor Filme Estrangeiro em diversas premiações, entre elas, Los Angeles Film Critics e New York Film Critics. No Rotten Tomatoes conserva uma elevada aprovação de 94% e no Metacritic, tem a nota de 84 de 100. Apareceu em várias premiações como indicado, entre elas: Critics’ Choice Awards, Festival Internacional de Cinema de Melbourne e Satellite Awards. E está na lista dos cinco melhores filmes estrangeiros do ano da National Board of Review. Infelizmente, a Coreia do Sul não escolheu The Handmaiden para ser sua representante à uma vaga de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar, escolhendo The Age of Shadows de Kim Jee-woon no lugar. Mas a esperança não está toda perdida, ainda é possível que o longa de Park seja escolhido para concorrer nas vagas técnicas, que certamente deveria. É improvável, afinal o Oscar prioriza as produções americanas, mas estaremos na torcida para que pelo menos um filme coreano apareça na premiação cinematográfica mais aclamada do mundo. Vale ressaltar que a Coreia do Sul nunca ganhou um Oscar e The Handmaiden tem muito potencial para finalmente dar uma estatueta dourada aos coreanos, que certamente, merecem. Mas, assim como aqui no Brasil, eles pareceram “deslizar” ao escolher qual filme deveria representar seu país no Oscar e talvez, jogaram sua chance fora.




Nesse ano, os coreanos mostraram que tem capacidade de fazer filmes melhores que muitos hollywoodianos por aí. E o novo filme de Park Chan-wook é exemplo disso (assim como Train to Busan e The Wailing). O cinema coreano é bem diferente daquilo que estamos acostumados a ver, e é intrigante ver como eles abordam assuntos conhecidos por ângulos e aspectos diferentes. Eles tem características únicas, que apenas seus filmes proporcionam. The Handmaiden é um filme muito marcante e com certeza, um dos melhores do ano. E com ele, o cinema coreano mostrou mais um vez o porquê de ser um dos países mais interessantes para a Sétima Arte. Com montagem e edição perfeitas, direção impecável e uma trama maravilhosamente bem construída. The Handmaiden é um excelente filme para os fãs de Park, e para todo e qualquer cinéfilo.

Título Original: Ah-ga-ssi

Direção: Park Chan-wook

ElencoKim Tae-ri, Kim Min-Hee, Ha Jung-woo, Jo Jin Woong, So-ri Moon, Lee Kyu-Jung, Kim Hae-sook, Lee Dong-hwi, Yong-nyeo Lee, Choi Byung-mo, Kim In-Woo

SinopseCoreia do Sul, anos 1930. Durante a ocupação japonesa, a jovem Sookee (Kim Tae-ri) é contratada para trabalhar para uma herdeira nipônica, Hideko (Kim Min-Hee), que leva uma vida isolada ao lado do tio autoritário. Só que Sookee guarda um segredo: ela e um vigarista planejam desposar a herdeira, roubar sua fortuna e trancafiá-la em um sanatório. Tudo corre bem com o plano, até que Sookee aos poucos começa a compreender as motivações de Hideko.

Trailer:


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