Crítica: Reza a Lenda (2016, de Homero Olivetto)





Falar do cinema nacional é complicado. Está certo que nós devemos apoiar e prestigiar nossas produções quando bem feitas. Porém o Brasil ainda engatinha muito na cultura e no entretenimento. Não é que não exista. Nosso país é muito cultural, porém isso é muito mal retratado nas artes. No cinema, há pouco financiamento e investimento de empresas e órgãos em cima de produções autênticas, enquanto que o pouco investimento existente vai para as comédias pastelonas de sempre, filmes fracos e sem graça como ‘Até Que a Sorte nos Separe’ ou ‘Qualquer Gato Vira Lata’. Diante disso, algumas produções visionárias e um pouco fora dos padrões acabam surgindo sem investimento, dá uma bilheteria inexpressiva e permanecem no limbo, desconhecidas da grande maioria. Filmes como o sensacional ‘2 Coelhos’ ou ‘À Deriva’ e apostas de terror como ‘Condado Macabro’ são exemplos de obras que trazem um estilo pouco usado pelo nosso cinema, mas que infelizmente a maioria não vê e não valoriza. Nesta mesma questão está este filme lançado no início de 2016. ‘Reza a Lenda’ traz um faroeste pós-apocalíptico no sertão, representando muito bem os elementos culturais típicos daquela região, sem esquecer de trazer entretenimento. 



Algo que já chama a atenção em ‘Reza a Lenda’ e vem a ser seu maior trunfo é o quesito visual. Com uma linda fotografia aproveitando paisagens espetaculares e reais, o filme mostra um ângulo estético mais caprichado do que o costumeiro. É na maneira que o diretor Homero Olivetto filma um pôr do sol, a paisagem de fundo de uma rodovia, o céu estrelado, a condução da câmera ao acompanhar as motos na estrada, nestes detalhes que o longa se apresenta visualmente atraente. Temos ainda a inserção de efeitos especiais simples mas muito bem executados. Temos dois momentos muito bons de ação em especial. A luta de facão no escuro, onde enxergarmos somente as faíscas dos facões é um momento muito bem executado pelo diretor. E o tiroteio final, onde há até uma metralhadora ponto 50, com balas traçantes e explosões. Tudo é muito bem conduzido e embora seja um filme de baixo orçamento, o pouco que se vê dá um ar de que o filme é maior do que realmente é. 




A história aproveita a crendice dos moradores da região para criar em cima uma situação profética e apoteótica. As areais ásperas da região dão um tom apocalíptico interessante. É um conto sobre fé, vingança e profecias. Porém não é lá em Nova York ou em algum outro local que Hollywood tanto gosta de mostrar. Está acontecendo aqui no nosso Brasil, em alguma cidadezinha do nosso esquecido sertão. O roteiro consegue equilibrar muito bem a questão da fé dentro de uma moral interpretativa, fazendo uma leve reflexão em cima disto. 


As atuações estão coerentes. Nunca gostei muito das interpretações de Cauã Reymond, possivelmente por causa dos seus papéis bobos nas novelas. Porém aqui ao menos ele entrega um papel de herói sincero e sem grande exageros ou cenas que forçam a barra para o lado “galã” do ator. Humberto Martins entrega um vilão corretamente. Luisa Arraes entrega uma mocinha aceitável e tem importância na jornada e na mudança do ponto de vista do herói. E a bela Sophie Charlotte tem o melhor desempenho no filme, com uma personagem forte e que às vezes lembra a Imperatriz Furiosa de Charlize Theron em ‘Mad Max: Estrada da Fúria’. Mesmo que ela não seja heroína, tem um desempenho muito bom e que se fosse mais explorado, poderia ter surpreendido ainda mais.


O filme prova que para nosso cinema evoluir, precisa se arriscar. Não é uma obra perfeita, há alguns clichês no seu andar e apresenta pequenas falhas ocasionadas pela falta de um investimento maior. Mas o longa aborda um estilo pouco explorado no nosso cinema. Lembra muito ‘O Livro de Eli’ e ‘Mad Max’, porém trazendo costumes e elementos bem conhecidos dos brasileiros, abordando a cultura e a religiosidade do nosso país. É um filme que serve bem mais como conceito, uma ótima ideia que abre portas para que nosso cinema evolua e saia da sua zona de conforto. As poucas cenas de ação que tem funcionam, o visual é muito bacana, tem uma edição correta e sem aqueles cortes toscos que infelizmente a maioria dos nossos filmes possuem. Fiquemos de olho no cineasta Homero Olivetto, tem potencial de crescer, pois possui uma câmera firme, com ângulos diferenciados e trabalha em uma estética bacana. ‘Reza a Lenda’ merece ser conferido com a mente aberta e serve como um experimento. Uma prova de que o nosso cinema pode sim fazer bons filmes de fantasia, sem deixar de representar nossa cultura e de trazer certo nível de diversão.


NOTA: 7




Direção:
Homero Olivetto


Elenco: Cauã Reymond, Sophie Charlotte, Luisa Arraes, Humberto Martins,
Jesuíta Barbosa, Nanego Lira.


Sinopse: em uma terra sem lei, a sorte favorece apenas os mais fortes e
corajosos. Ara (Cauã Reymond), um homem de ação e poucas palavras, é o líder de
um bando de motoqueiros armados que acredita em uma antiga lenda capaz de
devolver justiça e liberdade ao povo da região. Quando realizam um ousado
roubo, acabam despertando a fúria do poderoso Tenório (Humberto Martins).
Agora, Tenório vai concentrar todas as suas forças em uma perseguição para
destruir o bando de Ara e recuperar aquilo que acredita ser seu por direito.
Durante a perseguição, a jovem Laura (Luisa Arraes) é resgatada de um acidente
e tem que seguir o bando contra a sua vontade, despertando ciúmes em Severina
(Sophie Charlotte), companheira de Ara.

Trailer













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