Crítica: A Fita Branca (2009)



Direção: Michael Haneke


Elenco: Christian Friedel, Ernst Jacobi, Leonie Benesch, Ulrich Tukur, Ursina Lardi, Burghart Klauner, Steffi Kühnert, Josef Bierbichler.


Sinopse: Um vilarejo protestante no norte da Alemanha, em 1913, às vésperas da Primeira Guerra Mundial. A história de crianças e adolescentes de um coral dirigido pelo professor primário do vilarejo e suas famílias: o barão, o reitor, o pastor, o médico, a parteira, os camponeses. Estranhos acidentes começam a acontecer e tomam aos poucos o caráter de um ritual punitivo. O que se esconde por trás desses acontecimentos?


Premiações: Ganhou a Palma de Ouro, no Festival de Cannes.  Ganhou também o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. Concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.


Trailer:





O diretor Michael Haneke é um dos mais críticos, frios e subversivos de sua geração de cineastas. Ele ganhou agora em 2013 o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, com seu tocante Amor. Mas já à algum tempo ele vem fazendo impacto e dilacerando mentes e corações. Talvez ele seja mais conhecido pelos seus suspenses Violência Gratuita (tanto o original como o remake são dele e igualmente poderosos). Ontem à noite assisti este filme, que também é Austríaco, porém em preto e branco. O que o tal de A Fita Branca tem de tão especial?


Pela sinopse vocês viram que começam a ocorrer estranhos acontecimentos “acidentais” no pequeno vilarejo. Desde o início, estes brutais acidentes começam a chamar a atenção. De início somos apresentados  para várias personagens; mas o interessante é que todos os núcleos do elenco há crianças. Neste momento começam as mensagens sublineares de Haneke. Logo em seguida começamos a perceber alguns pais e seus rígidos métodos de disciplina e educação. E os trágicos acontecimentos continuam. Um arame derruba um médico, uma colheita é destruída, crianças são punidas severamente. Perguntas e mais perguntas vão sendo jogadas em nossa face, e no lugar de respostas, recebemos cenas indigestas de tratos com crianças. Mas fique atento, pois tudo é muito singelo. As pistas estão em pequenos diálogos, como alguns que chamam uma criança deficiente de retardado. Ou cenas em que crianças fazem perguntas, e são severamente mandadas para cama ao invés de receberem atenção. Mas mais uma vez digo que tudo é muito singelo, quase imperceptível! 


A direção é mesmo magistral. Com poucos filmes, Haneke conseguiu virar um dos meus diretores favoritos. Sua câmera estática é ótima. Ele utiliza a câmera de maneira sublime, arrancando toda interpretação dos atores. Trabalhar com crianças sempre é perigoso, mas Haneke escolheu a dedo um elenco infantil extremamente competente. Todos personagens do filme conseguem transbordar frieza, palidez e características sombrias. O fato do filme ser em preto e branco só ajuda nisto, dando uma atmosfera que se torna surpreendentemente claustrofóbica e rígida. Isto é fundamental para captar o que o filme quer realmente passar. A construção de época é ótima. Realmente você se sente em uma pequena vila rural em meados de 1913. E embora tudo seja impecável neste sentido, Haneke continua se concentrando na atuação e nas expressões faciais de seu competente elenco, deixando as características técnicas em segundo plano.


Talvez o filme em si fale da maldade e da pureza. A tal fita branca do título é na verdade um elemento que certo pai usa para lembrar seus filhos de não pecar. Mas a própria maneira rígida que ele usa ao lidar com as crianças já não seria pecado? Nada é o que parece. Todas personagens aos poucos vão revelando características dúbias, extremamente duvidosas. Em determinada cena, o médico recém saído de uma recuperação, revela-se monstruoso e cruel. A maneira como ele trata a mulher que cuida de seus filhos é horrenda. Suas palavras de mau gosto ao humilhar a pobre mulher que o ama é incrivelmente dilacerante. Mais adiante entenderemos um “porque” dele fazer isto, embora não haja desculpas para isto. Aos poucos, as pobres crianças vão -se revelando tão cruéis e frias quanto seus pais e amos. A criança com problemas mentais que eu já citei, é sem dúvida a mais frágil e triste vítima das estranhas circunstâncias deste diferente filme. Pedofilia também está presente no filme, de maneira mais escondida.

Destaque pela excelente cena em que um menino pergunta o que é morte. Sua ama vai explicando, e ele faz mais perguntas, e ela as responde. Após todo um lindo diálogo, o menino fica em silêncio alguns segundos, até que chega à uma conclusão: sua mãe nunca foi viajar, ela estava morta, e através das respostas de suas perguntas ele compreendeu algo que ainda não haviam  explicado a ele. Nesta cena específica (que eu considero o elemento chave do filme), percebemos a mudança de alguém ingênuo para alguém que não é mais inocente. O menino, neste momento, fica sabendo o que é morrer e que nunca mais verá sua mãe. É uma cena de arrepiar.


Pela metade do filme, começam os boatos da guerra. Em determinado momento se narra a notícia do assassinato do arquiduque austríaco Francisco Fernando, que acaba desencadeando a temível Primeira Guerra Mundial. Um dos fatores que desencadearam a primeira grande guerra foi o extremo patriotismo da Europa. A rigidez de toda a cultura de uma sociedade obscura e fechada fizeram tal patriotismo atos de arrogância e falta de amor. O que levou os líderes e políticos da Europa a estourar a guerra na verdade já estava arraigado nos seus corações e modos de vida. Esta é uma das interpretações que eu tirei do filme. Michael Haneke deu o seu recado e mostrou que quando se é criado em um ambiente hostil; hostil e inflexível você será. De certo modo, A Fita Branca mostra as origens das guerras, da maldade em si. Quando se tira a inocência das indefesas crianças, pode-se esperar o pior, porque inocência é a única coisa que elas não ensinarão quando adultas.


A guerra, a maldade, a rigidez de uma vida inteira, todo o padrão de uma sociedade em si, tudo é podre e obscuro. Quando chega o fim e você percebe tudo que o diretor quis passar, é assombroso o que você  sente. De uma maneira que é capaz de te desmoronar, A Fita Branca é um filme que suas imagens em preto e branco, quase sem som, diz tudo sem precisar de diálogos. Então os diálogos apenas se adaptam a cena para deixar tudo mais rico, de um jeito assustador. Um filme para poucos apreciarem, obrigatório em escolas e cursos de história e psicologia. Um filme perturbador, que deverá arrebatar os corações dos poucos que se aperceberem do que a história quer passar. As interpretações estão abertas e são inúmeras. Muita discussão pode ser feita em cima desta obra extraordinária. Afinal de contas, todos nós, em algum momento da vida; nos deparamos com alguma norma de moral autoritária. Autoritarismo este que perturba, choca e reprime, tanto quanto uma simples fita branca. Fita esta que está ali para fazer lembrar sobre o pecado; ou seria fazer perder de uma vez por todas a pura essência da inocência e bondade. Será o homem mau por natureza? Cabe a você tirar suas próprias conclusões.

NOTA: 9,5

  

  

  



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