Crítica: Licorice Pizza (2021, de Paul Thomas Anderson)

É comum observarmos na carreira de grandes diretores a realização de filmes semi autobiográficos, geralmente focados em suas infâncias ou adolescências. Foi o caso, por exemplo, de Federico Fellini em Amarcord, Spike Lee em Crooklyn, Ingmar Bergman em Fanny & Alexander e Woody Allen em A Era Do Rádio.

Também há casos como o de Alfonso Cuarón em Roma, que utilizou memórias de sua infância, mas transformou a empregada de sua família na protagonista para discutir temas socialmente relevantes, enquanto Quentin Tarantino, em Era Uma Vez em Hollywood, reconstruiu a Los Angeles dos anos 60 – aonde passou sua infância – e pintou um retrato cheio de afeto daquele período, usando memórias que tinha da cidade naquela época, mas sem necessariamente usar de experiências que teve na infância ou adolescência.

E é o caminho de Tarantino – um de seus amigos mais próximos – que Paul Thomas Anderson segue em Licorice Pizza. Voltando aos anos 70 no bairro de San Fernando Valley, LA – lugar que já sediou alguns filmes do diretor, como Magnólia e Embriagado de Amor – e revisitando locais importantes em sua infância e adolescência, o diretor conta a história do relacionamento entre o adolescente Gary (Cooper Hoffman) e a jovem Alana (Alana Haim).

Trazendo um olhar nostálgico e, de certa forma, inocente para a Los Angeles dos anos 70, o diretor realiza seu trabalho que mais se parece com Boogie Nights em seu tom leve e cômico, ritmo acelerado e abordagem visual. Voltando a utilizar marcas associadas ao início de sua carreira – como os plano-sequências, travellings e cenas com montagem rápida – PTA constrói uma Los Angeles que só existe em suas memórias.

Para isso, o cineasta conta com os excelentes trabalhos de fotografia (belíssima, filmada em película), direção de arte e figurino, que ajudam a construir a cidade como um lugar lúdico, fantasioso e nostálgico, por meio das cores quentes, vivas e fortes que constantemente tomam a tela e geram cenas memoráveis – como aquela na qual, após um momento de pura adrenalina com um caminhão, Gary e seus amigos são filmados em contra luz enquanto brincam com uma bomba de gasolina, em um momento que ilustra a beleza em ser um adolescente despreocupado e até inconsequente.

A relação entre os dois protagonistas é o que carrega o filme. No primeiro momento apenas um interesse amoroso de Gary que não dá certo por causa da diferença de idade, Alana permanece em sua vida como uma amizade inesperada que se torna imprescindível e uma parceira de negócios dedicada. Não que a tensão sexual seja extinta em algum momento, pois ela continua presente e gera cenas fantásticas – como aquela ao som de Let Me Roll It, de Paul McCartney, uma das melhores do filme, ou a que sucede a entrevista de Alana para se tornar atriz – mas é fato que a ligação dos dois é muito maior do que apenas uma “friendzone” ou um “crush” momentâneo de Gary.

Enquanto Alana Haim brilha em seu primeiro papel no cinema ao interpretar uma jovem inteligente, adorável, estourada e confusa com seus sentimentos em relação a Gary, o também estreante Cooper Hoffman – filho do saudoso Phillip Seymour Hoffman, colaborador frequente de PTA – também está ótimo como um adolescente ambicioso e com uma maturidade além do esperado para a sua idade, mas que também tem seus momentos de completa tolice, que caminha na linha tênue entre aceitável para pessoas de 15 anos e um traço negativo em sua personalidade.

Além dos dois protagonistas, as performances que mais chamam a atenção são as exageradas de Tom Waits e Sean Penn – que protagonizam juntos um segmento do filme – a de Harriet Sansom Harris, que rouba para si uma das melhores cenas do longa, e a de Bradley Cooper, que, tão exagerado quanto a dupla Tom Waits e Sean Penn, marca presença na já citada sequência do caminhão, que talvez seja a melhor do filme.

O que faz dessa sequência tão brilhante, uma das melhores do filme e quiçá da carreira de PTA, não é apenas sua realização visualmente impecável, que gera adrenalina e temor na medida certa, mas também seu significado na trama, fundamental para o desenrolar da história: a realização de Alana de que sua parceria com Gary se torna praticamente inviável, por conta da fase diferente da vida que os dois estão enfrentando, e tudo isso é ilustrado praticamente sem diálogos, apenas com imagens.

O terceiro ato do filme traz alguns problemas, especialmente em seu conflito principal, que busca reunir os protagonistas e, para isso, os envia em empreitadas separadas que os fazem perceber que precisam um do outro. No entanto, essas sub-tramas não funcionam tão bem e não convencem totalmente sobre essa necessidade, contribuindo para que o filme tenha uma duração maior do que a necessária e fazendo os últimos minutos funcionarem apenas por causa do carinho entre os dois que já havia sido mostrado anteriormente – e, de fato, eles funcionam muito bem.

Licorice Pizza é uma carta de amor de PTA à Los Angeles, à adolescência, aos anos 70 e ao próprio amor, em qualquer uma de suas manifestações. Assim como o filme que Tarantino lançou em 2019, pode ser considerado autoindulgente por tratar de memórias muito específicas e particulares do diretor, mas o longa funciona fora disso ao tratar sobre o crescimento, a adolescência e a nostalgia de maneira que pode tocar a qualquer um que assista.

Além disso, o cinema é feito por pessoas que, assim como todos nós, são feitas de memórias e movidas por elas. E o que seria do cinema se não fossem os autores dispostos a compartilhar seus anseios, angústias e memórias com o público? Certamente, uma arte muito menos fascinante, instigante e bela.

Título Original: Licorice Pizza

Direção: Paul Thomas Anderson

Duração: 2h14

Elenco: Alana Haim, Cooper Hoffman, Bradley Cooper, Sean Penn, Tom Waits, Maya Rudolph, Skyler Gisondo, Mary Elizabeth Ellis, John Michael Higgins, Benny Safdie, Harriet Sansom Harris, Christine Ebersole, Danielle Haim, Este Haim, Moti Haim, Donna Haim, George DiCaprio

Sinopse: Alana Kane e Gary Valentine crescem e se apaixonam em San Fernando Valley, na Califórnia, em 1970.

Trailer:

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