Crítica: A Ilha de Bergman ( 2021, de Mia Hansen-Løve)

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A Ilha de Bergman é o mais novo filme de Mia Hansen-Løve, a trama se passa em uma ilha na Suécia, chamada Faro, onde Bergman rodou os principais cenários de seus filmes, e onde o cineasta teria passado os últimos anos de sua vida. O longa chega aos cinemas agora em 2022, já tendo sido selecionado no Festival de Cannes em 2021 e passado no Festival de Cinema Francês.

A trama extremamente metalinguística, acompanha o casal Vicky Krieps, que interpreta Cris, e Tim Roth que interpreta Antony, de forma que desde a primeira cena, nos deparamos com uma história que claramente nos transmite muito mais do que o os olhos podem ver, se mostrando em seu decorrer, ser um drama que aborda tanto uma história de amor, relacionamentos, desenvolvimento profissional e dor, além de ser uma verdadeira aula sobre o cinema de Bergman.

Ricardo Schöpke apresenta crítica do filme: “A Ilha de Bergman” de Mia  Hansen-Løve, selecionado para a Competição Oficial da 74ª edição do  Festival de Cannes. – Revista do Villa

Mia Hansen-Løve se utiliza de uma trilha calma e contemplativa, junto de uma iluminação naturalista e neutra, bem como de uma arte e cenário calmos e pacíficos tão perfeitos que quase conseguimos sentir seu cheiro e a brisa do mar através da tela que se contrapõe, a uma trama complexa, densa e cheia de dor e ressentimento, transmitida desde uma câmera inquieta que parece perseguir aos personagens a maior parte do tempo, bem como inserindo em nuances dos diálogos e atitudes dos personagens a complexidade emocional do local em que se encontram, bem como de suas próprias vidas.

Uma das cenas iniciais que logo nos traz a complexidade de sentimentos presente neste casal, é logo que chegam A Ilha de Bergman, em que como em um jogo de ímãs, esse casal se atrai e se afasta rapidamente, insinuando um relacionamento mais complexo do que eles deixam parecer, bem como aos jogos de palavras de Cris ao afirmar que um local tão belo e pacífico, chega a ser opressivo e que seria melhor dormirem em quartos separados, fato que não acontece, contrapondo este ambiente à realidade de quem o habita. Um ambiente calmo com personagens em intensa luta interna e até mesmo no antigo morador Bergman, que via no caos e sombra um conforto para expressar seus pensamentos e sua arte.

Este fator da trama porém, logo é colocado em segundo plano no segundo ato, ao sermos inseridos de cabeça na vida profissional dos protagonistas, que aos poucos se apresentam em uma intensa luta pelo sucesso contraposta pela luta de gêneros, à lá como o próprio Bergman, estudado e analisado a cada visita ao local histórico que ocorre ao longo da narrativa.

Bergman Island», voir Fårö et créer - Le Temps

Bergman teria sido um homem nada gentil, afastado da família e dedicado ao seu trabalho, fator que teria sido crucial para seu sucesso. Logo quando isso é anunciado, vemos a indignação de Cris ao notar que uma mulher com filhos não poderia fazer o mesmo, e a ausência de resposta de Antony a este fato, a luta de classes e diferença de gêneros fica ainda mais evidente quando vemos Antony como um cineasta de sucesso e Cris como uma artista em crise e com intensos bloqueios criativos, gerando a constante reflexão, como superar esta luta de classes? Eles estão passando por intensas crises mascaradas, mas o profissional supera sua vida amorosa ao se colocarem à disposição de ajudar e opinar um ao outro. Mas como conseguem fazer isso?

A trama de caráter feminista fica ainda mais em evidência ao contrapor a forma da relação dos pais com sua filha, a necessidade de Cris de se preocupar e parar o que está fazendo para investigar como a criança está, se contrapondo em como Antony pode relaxar e trabalhar ao receber de antemão a informação que ela está bem, nos gerando a reflexão. Mulheres tem esse papel por si só, ou seria apenas obra do acaso e a facilidade da informação chegar mais facilmente ao pai do que a mãe?

Mia Hansen-Løve se mostra assim uma cineasta extremamente reflexiva, metalinguística e até mesmo feminista ao proporcionar ao público uma completa mudança de foco no filme, de forma que a história de Antony e Cris, não é mais apenas deles, de forma que o bloqueio criativo de Cris tem fim e uma nova história surge, retratada de forma complexa, completa, com a garantia de que nenhum detalhe seja perdido, e ao mesmo tempo, mostrando um lado artístico dela de sempre escrever sobre algo que conhece, uma faceta de si mesma, que a leva ao sucesso e a um mar de possibilidades.

Mia Hansen-Løve: e se na Ilha de Bergman estiverem as respostas para o amor  e o cinema? – Observador

A trama de A Ilha de Bergman, se transforma na história de Mia Wasikowska que interpreta Amy, e Anders Danielsen Lie que interpreta Joseph, dois adolescentes, cúmplices do amor e do destino, em que aqui, fica claro que o longa fala mais do que o casal, a protagonista aqui, é claramente Cris, uma cineasta lutando por seu lugar no mundo, seja como mãe, esposa, cineasta, roteirista e acima de tudo, mulher. Vemos essa personagem bem como sua criação Amy, constantemente buscando a liberdade de uma relação, de um bloqueio, correndo facilmente de encontro ao mar e sem usarem sutiã, símbolos de liberdade humana e feminina de poder ser feliz e poder fazer suas próprias escolhas.

A resposta de se conseguirão ou não, e de como farão isso porém, no caso de Amy fica em aberto, pois a prisão de um relacionamento pode ser grande, mas a possibilidade de crescer profissionalmente, nunca deve ser vista como impossível, de forma que concluímos a trama sabendo que as relações devem importar para ambos, que as possibilidades e capacidades existem para ambos e que um pai, pode sim cuidar da casa, bem como uma mãe, pode conquistar seu lugar de direito no mundo profissional.

A ILHA DE BERGMAN estreia em fevereiro | Gossipers

E com um arco dramático e um roteiro complexo, Mia Hansen-Lov consegue trabalhar mais de um tema e mais de uma história em A Ilha de Bergman de forma a tornar ainda cada uma das tramas, de Bergman, de Cris e Antony e de Amy e Joseph, uma só história, uma história de amor, destino, uma história sobre cinema, abandono, medo e mais do que tudo feminismo, relacionamento, dor e superação. Tudo isso explícito para quem quiser ver, mas muito mais presente em uma atuação intensa e bem trabalhada do que em frases livres e com respostas prontas para quem quiser.

A Ilha de Bergman é um filme para os amantes de reflexões, de arte e de cinema, um filme para todos, mas que poucos irão compreender todas suas facetas. O longa chega ao cinemas brasileiros no dia 24 de fevereiro.

Bergman Island - Filme 2021 - AdoroCinema

Título Original: Bergman Island

Direção: Mia Hansen-Løve

Duração: 113 minutos

Elenco:  Vicky Krieps, Mia Wasikowska, Tim Roth e Anders Danielsen Lie

Sinopse: Em Bergman Island, um casal viaja até uma ilha onde ambos possam escrever roteiros para seus respectivos filmes em um ato de peregrinação para o lugar que inspirou Ingmar Bergman, um diretor e roteirista sueco. Com o passar do verão e progresso de seus roteiros, ficção e realidade se misturam na paisagem da ilha. 

Trailer:

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