Não Olhe para Cima (2021, de Adam McKay) Poderia ser ficção, mas é bizarro igual a nossa realidade

2021 está chegando ao seu fim e o cinema não para. E não param de surgir filmes divisivos, que estão gerando discussões acaloradas nas redes sociais. Apenas recentemente, Eternos e Matrix Resurrections são alguns exemplos. Eis que Não Olhe para Cima da Netflix é mais um exemplar do chamado “ame ou odeie”. A nova comédia ácida de Adam McKay utiliza como pano de fundo o fim do mundo diante da queda de um cometa, para tirar sarro do fato da humanidade não estar nem aí para os problemas reais que nos põem em perigo.

Talvez o maior defeito de Não Olhe para Cima seja a falta de sutileza do roteiro, que poderia diluir as críticas de forma mais indireta e leve, talvez de forma mais original e inspirada, sem ser tão óbvio e direto nas cutucadas que se propõe. Porém o intuito do filme é atingir o público em geral não tão exigente, para assim efetivar suas críticas com uma maioria de pessoas. Por isso esse roteiro meio óbvio é direcionado para as massas em geral, que normalmente ignoram filmes mais restritivos, filmes mais nichados para cinéfilos com uma carga cinematográfica mais abrangente. Adam McKay parece de fato querer atingir a todos de forma simples, e consegue, isso acaba sacrificando a “esperteza” e complexidade técnica tão característica desse diretor, por assim dizer.

O teor das piadas no geral é pastelão e soam clichês para quem já acompanha muitas comédias. E talvez a edição e montagem do filme pudesse cortar algumas cenas redundantes, encurtando o tempo de duração e tornando a obra mais dinâmica. São nesses defeitinhos que residem as maiores críticas em cima do filme. Mas me refiro as críticas bem baseadas e concretas de quem entende de cinema, essas são justas. Agora existe um outro tipo de público que está criticando o filme sem base. Me refiro aos negacionistas científicos e acéfalos políticos, que estão se enxergando nas babaquices de alguns personagens do longa, como se fosse um espelho, reflexos de si mesmos. Para esses, a carapuça serviu.

Depois de dois anos de pandemia, fora os muitos avisos sobre a gravidade do aquecimento global, dentre outras questões científicas urgentes que deveriam ser o foco dos governos mundiais, é interessante ver como negacionistas e antivacinas são nitidamente ridicularizados nessa obra. Poderes e pessoas que dizem se preocupar com o futuro, na verdade não se preocupam em nada com ele, distraídos no hoje com a busca por riquezas, fama e benção milagrosas. Criação conservadora, religiões, políticos extremistas, grandes líderes empresariais e outras formas de poder cegam o povo, que fica tão atordoado e absorto com a luta diária, com o colocar o pão na mesa, que esquecem de que sem se atentar aos avisos científicos e ecológicos, todos rumaremos a uma extinção praticamente certa, é só questão de tempo.

Mas e daí? O importante é trabalhar diariamente quieto, falando “sim senhor” para o patrão e autoridades. O importante é ganhar dinheiro. É ficar o dia todo vendo vídeos engraçados no celular, seguindo os grupos que puxam o saco do meu político bandido favorito, divulgando fake news. O que importa é que aquela grande empresa desenvolveu uma nova tecnologia “da hora”, agora todo mundo fica conectado no mesmo meta universo. E daí que pessoas estão morrendo com calor de 50° graus? O que choca mesmo é aquele casal famoso terminando o relacionamento. Bora produzir, bora rir, bora comer. Daqui a poucos anos as espécies de animais que conhecemos deixarão de existir nas nossas mãos, faltará água e comida e por fim, nossos filhos e netos queimarão vivos. E daí que isso ocorrerá? Estamos quase lá, e daí? O importante é defender o presidente antivacina e racista, ajudar a agroindústria a destruir tudo enquanto dá tempo dos chefões enriquecerem e o povão morrer trabalhando. E daí, quem liga?

É claro que Não Olhe para Cima é sobre a queda de um cometa, mas essa é a única fantasia do filme, essa metáfora aos problemas ecológicos e sanitários do mundo, problemas intensificados pelas polarizações políticas, cada vez mais acaloradas e ocasionando cegueira num povo cada vez mais cansado de tanto trabalhar e não alcançar nada. Tão cansado que nem consegue pensar numa simples linha de raciocínio: precisamos escutar a ciência e preservar a Terra. Mas isso significará perder dinheiro e parar de dar lucro aos gigantes dessa Terra. Simples assim.

É aí que reside o X da questão em cima desse filme: sua falta de graça se deve ao fato de não ser realmente engraçado, por justamente ser a nossa bizarra e inacreditável realidade. É aquela história, seria cômico se não fosse trágico. Essa comédia acaba sendo tremendamente desoladora, fica a sensação de que já perdemos, de que estamos fadados a morrer nas mãos dos negacionistas gananciosos.

O elenco é espetacular, um dos melhores do ano. É impressionante como Leonardo DiCaprio nunca erra, sempre no tom certo, mais um grande trabalho. Jennifer Lawrence consegue passar a aflição de uma mulher que sabe do que está falando, mas que é tratada com desprezo ou como histérica por apenas, bem, por ser mulher. Mark Rylance como um mago da tecnologia que supostamente é pela ciência, mas na verdade só quer lucro, está sensacional, bela crítica aos grandes CEO da tecnologia, que fingem ser cientistas, mas na verdade são só mais uns empresários gananciosos quaisquer. Meryl Streep como presidente é praticamente um Trump ou um Bolsonaro, perversa e imbecil na mesma intensidade. Jonah Hill interpreta o filho da presidente e lembra muito os filhos do “presidente” do Brasil, mais burro e perdido do que todos os outros. Cate Blanchett manda bem como uma âncora de jornal que só relata futilidades e diminui notícias importantes. Todo o grandioso elenco está bem, até Ariana Grande meio que como ela mesma está coerente no papel. O trabalho do elenco é fenomenal, mesmo com o material difícil e as piadas de esquetes em mãos.

Longe de ser perfeito, mais longe ainda de ser ruim, Não Olhe para Cima é um filme necessário, quem sabe para ajudar nessa cruzada moral e social que nos encontramos, de tentar fazer alguns acordarem para a realidade, que está aí bem visível, basta levantar a cabeça e enxergar. Olhe para cima, vacine-se, consuma menos, se imponha, se informe. O futuro depende disso. Ou sei lá, ignore, vá trabalhar, faça sinal da arminha e esperemos por nossa extinção, que está aí, batendo à porta.

Título Original: Don’t Look Up

Direção: Adam McKay

Duração: 145 minutos

Elenco: Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Rob Morgan, Jonah Hill, Mark Rylance, Tyler Perry, Timothée Chalamet, Ron Perlman, Ariana Grande, Scott Mescudi, Himesh Patel, Melanie Lynskey, Michael Chiklis, Tomer Sisley, Paul Guilfoyle, Robert Joy, Gary Tanguay, Cate Blanchett e Meryl Streep.

Sinopse: uma dupla de cientistas descobre que um gigantesco meteoro vai se chocar contra a Terra em seis meses. No entanto, ao saírem alertando o mundo pela imprensa, os dois são recebidos com desdém e descrença.

Trailer:

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