Make Way For Tomorrow (1937, de Leo McCarey)

 Escrita pelo colaborador Luis Schuh Bocatios


Ao início de A Cruz dos Anos (Make Way For Tomorrow, de 1937), vemos George, um dos filhos de Bark e Lucy Cooper, chegando na casa de seus pais para uma reunião que foi convocada por estes. Após a matriarca comentar o fato de que não via o filho há 5 ou 6 meses, George se depara com seus irmãos – Cora, Nellie e Robert – e seu pai na sala, sentado na mesma cadeira de sempre. Logo, os pais comunicam aos filhos que, devido ao pai ter deixado de trabalhar há 4 anos e não dar mais conta das despesas, o banco está prestes a tomar a casa em que aquela família foi construída. Como nenhum dos filhos pode acolher ambos os pais em casa, fica decidido que Bark ficará na casa de Cora, e Lucy na casa de George. No entanto, a adaptação dos pais com os novos lares – e vice-versa – não ocorre da melhor maneira possível, e, além disso, a saudade um do outro passa a se tornar imensamente dolorosa para ambos. 

A Cruz dos Anos é um melodrama daqueles de, ao mesmo tempo, cortar o coração e enchê-lo de alegria e esperança – apesar de Orson Welles tê-lo citado como o filme mais triste de todos os tempos. O filme é dirigido por Leo McCarey, que foi indicado ao Oscar de Melhor Direção em 1938 por dois filmes: A Cruz dos Anos e Cupido é Moleque Teimoso (The Awful Truth, de 1937) e, ao vencer o prêmio pelo segundo, subiu ao palco e agradeceu a academia pelo prêmio, mas disse que estava recebendo-o pelo filme errado.

A maneira com a qual o diretor constrói as cenas é de uma sensibilidade admirável; note como, em uma das primeiras cenas do filme, a aula de bridge ministrada por Anita, esposa de George, o figurino de Lucy destoa totalmente de todos os outros na sala – enquanto a senhora usa um vestido caseiro com tons claros, todas as outras pessoas usam roupas chiques com tons escuros, o que, junto com os olhares de Anita quando Lucy simplesmente esboça alguma intenção de conversar com um de seus alunos, demonstra a marginalidade com a qual a senhora é tratada naquele ambiente, visão essa que é reforçada mais tarde no filme e também expandida para a maneira como o resto da sociedade vê os idosos, quando, ao encararem a vitrine de uma loja de carros, um dos vendedores pressupõe que o casal é milionário, e o outro diz que, mesmo que sejam, nenhum dos dois deve se lembrar aonde o dinheiro está guardado.

Na cena seguinte da aula de bridge, vemos a única repercussão que os eventos e sentimentos daquela família terão em alguém de fora dela: ao ler para Bark uma carta enviada a ele por Lucy que implicava que ela seria mandada para um asilo, ao mesmo tempo em que explicitava a dor que estava sendo causada pela saudade do marido, Max – único amigo que Bark conseguiu fazer ao se mudar para a casa da filha – chama a esposa que estava cozinhando em outro ambiente e diz que quer apenas olhar para ela, empatizando com a dor de Bark e valorizando a companhia que ele estava tendo e o amigo não.

Além disso, o diretor utiliza a mise-en-scene de maneira muito inteligente em várias ocasiões, como na cena da bronca que Anita dá em Lucy, quando sobrepõe a nora à sogra dentro do quadro, e apenas muda de ângulo para filmar a senhora em um contra-plonge que ressalta o quão vulnerável ela estava naquele momento. Em outro exemplo, quando chegamos ao terço final do filme, o diretor não faz nenhum plano que mostre o casal principal separado, o que reforça o senso tão forte de união que sentimos entre os dois personagens, que é absolutamente essencial para que o filme funcione. 


Mas nada disso seria tão memorável se não fossem pelas atuações de Victor Moore e Beulah Bondi, que, de certa forma, são o coração do filme. Bondi incorpora de forma impecável uma senhora que, apesar de tentar ser o mais útil e agradável possível, principalmente com sua neta Rhoda, percebe que chegou no ponto da vida aonde até o barulho que sua cadeira faz ao balançar é um incômodo para os outros, e se torna um embaraço para a neta, que evita trazer os amigos para casa por que a avó, segundo ela, “fala demais”. Já Moore, quando perto de sua filha, faz o clássico estereótipo de “velho rabugento”, que não tem mais travas sociais e fala o que der na telha para aqueles de que não gosta, como o médico que visita seu novo lar quando ele se encontra doente.

As performances, no entanto, funcionam melhor ainda quando o casal está junto em tela, especialmente na meia hora final do filme, que é absolutamente mágica. Quando o longa leva os personagens em uma jornada que os relembra de todo o amor que viveram, os atores demonstram uma sensibilidade emocionante, que eleva a produção ao patamar de obra-prima. Mais cedo no filme, Lucy declara que viveu tempos tão felizes ao lado de Bark que prefere nem relembrá-los para não experimentar da imensa dor que a nostalgia pode causar. Ao final dessa jornada, não restam dúvidas de que, apesar da natureza traiçoeira que a nostalgia possui, a lembrança de tempos felizes é essencial para todos.


Título Original: Make Way For Tomorrow

Direção:  Leo McCarey

Duração: 91 minutos

Elenco: Victor Moore, Beulah Bondi, Fay Bainter, Thomas Mitchell.

Sinopse: Quando perde sua casa, um casal de idosos é obrigado a se separar temporariamente e se dividir nas casas de seus filhos.

Trailer:

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