Crítica: Se hace camino al andar (2020, de Paula Gaitán)

Caminante, no hay camino / se hace camino al andar.

O segundo filme visto por nós da cineasta Paula Gaitán na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes tem apenas 35 minutos, mas todo o tempo do mundo. Isso porque se trata de um cinema muito simples, entretanto simultaneamente muito complexo. Trazendo novamente a noção cíclica já vista na obra de abertura, Ostinato, aqui a artista deixa de se debruçar, com uma perspectiva documental, sobre um objeto humano específico e suas formas de expressão. Trata-se de uma investigação de certa condição que remete à palavra “humano” e além: suas relações com o mundo, principalmente com a oposição entre a convergência tecnológica e a busca por raízes há muito “des-localizadas”.
O ciclo que acompanhava a narrativa sobre Arrigo Barnabé, no outro filme, agora é interrompido por uma ruptura. O homem que caminha sobre a terra em oposição aos carros deslizando pelo concreto, ao fundo, abriga em si uma crise. Crise que comporta a dicotomia visceral entre duas peças que já se aproximaram de tal maneira que quase tenderam a se unificar. A câmera estática que registra a caminhada do indivíduo solitário pode soar, a princípio, desprendida de ideologias, mas isso não passa de uma máscara. A escolha de capturar sob o mesmo quadro tão latente conflito apenas evidencia o retorno necessário do humano a uma espécie de passado não apenas perdida, mas também cujas configurações se embaralharam.
A citação aos kuikuro, ao final, por exemplo, não deixa de ser apenas uma evidência disso tudo. Desse cinema extremamente interessado, do entendimento da câmera como dispositivo com funções que ultrapassam meramente sua condição de captura. Trata-se de compreender seu próprio lugar no mundo e, por isso, sua configuração ideológica. Acompanhar o corpo que se desfigura cada vez mais enquanto se desprende e confronta uma tênue ideia de modernidade não deixa de ser um movimento político. O próprio giro que a câmera faz sobre si para continuar seguindo este corpo quando atravessa o matagal e se perde pelo mar verde é forte. Ao fim só resta o encerramento do retorno: à “tradição”, à “natureza”, ao “animalesco”.
E longe de soar como um movimento reacionário. A câmera de Gaitán possui uma autoconsciência muito grande para se sustentar sobre falsas ideias vazias, cujos rumos podem levar à mais perigosa regressão. A imagem surge como objeto crítico, objeto fundamentado, ainda que sobre noções próprias do real. Um filme que é sociológico, sim, antropológico, também, mas acima de tudo que entende suas próprias dinâmicas, suas intenções, seu lugar no mundo e como usar seus dispositivos.

Direção: Paula Gaitán
Duração: 35 minutos
Elenco: Paulo Nazareth
Sinopse: Percurso de um homem através do tempo ou espaço infinito.
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