O Coração do Mundo (2018, de Natalia Meshchaninova) – 1º Festival de Cinema Russo

 

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Assistido previamente em cabine de imprensa, trazemos hoje a crítica de O Coração do Mundo, filme que está em cartaz no Festival de Cinema Russo, online e que ficará disponível de forma gratuita até 30 de Dezembro.

Seria realmente o ser humano o único animal racional e que controla seus instintos? Até que ponto? O que nos difere de fato dos demais animais, domésticos ou selvagens? O Coração do Mundo é um drama russo que traz filosofia e questionamentos de forma nua a crua, através da história de Egor, um jovem veterinário que exerce sua profissão com eficiência, mas que enquanto se entende bem com os animais, se dissocia cada vez mais com as pessoas em sua volta.
O Coração do Mundo é uma obra difícil, por vezes indigesta. Em um universo melancólico e soturno, com fotografia cinzenta e personagens amarguradas, o filme explora as nuances da vivência entre pessoas e a natureza em volta. Toda a situação é extremamente ambígua. Nada é exatamente bom ou ruim, as coisas apenas são o que são, doe ou não. Egor é veterinário em uma escola de cães de caça, onde ao mesmo tempo em que ele ama os animais que cuida, também convive e consente com animais selvagens sendo mortos e feridos no treinamento, como as raposas utilizadas para o treino dos cães. Tais cenas por vezes fortes, deixam uma sensação divisiva em quem assiste, nos deixando em cima do muro no que tange concordarmos ou não com os acontecimentos e atitudes das personagens. 
Outro fator controverso é a presença de jovens que protestam contra a caça e maus tratos aos animais selvagens. Mesmo bem intencionados, também são ingênuos e não conhecem todos os fatores envolvidos, cujas atitudes acabam inclusive tendo consequências que levam a mortes de animais e violência humana. Assim, os diferentes discursos pacifistas ou não, ecológicos ou não, nas entrelinhas do habilidoso roteiro, acabam sempre trazendo à tona a selvageria humana, talvez adormecida no caráter social da civilização, mas que esporadicamente surgem de forma natural nos conflitos do dia a dia. 
A cineasta Natalia Meshchaninova entrega um filme forte em conceito e execução, cinzento e que gera discussões válidas e que muitas vezes preferimos ignorar. A polêmica não fica somente no terreno ecológico e de maus tratos aos animais, vai mais além, questionando se determinadas atitudes das pessoas não seriam motivadas por instintos e reações naturais, se talvez não somos na verdade selvagens, fingindo ser sociáveis e evoluídos. Se nos conflitos do dia a dia, não criamos tendências autodestrutivas quanto aos outros e a nós mesmos. A atuação de Stepan Devonin (marido da diretora) é poderosa e complexa, uma das melhores que vi em 2020, trazendo camadas de vulnerabilidade, amor, agressividade e conflitos tempestuosos. Mesmo amando os animais, ele afasta pessoas, desde a forma fria em que lida com a morte da mãe, passando pela forma com que nega o amor de alguém que sente-se atraída por ele. 
Por mais que ele queira estar ali, no meio da família do seu chefe, ele também não sabe lidar com sentimentos de dor e aproximação. O personagem central reflete perfeitamente a complexidade do roteiro, que não busca respostas fáceis, mas explorar o espírito primitivo humano. Há uma relação do protagonista com a cadela que ele salva a vida, existe uma metáfora ali entre sobrevivência e necessidade. Ele necessita daquele serviço para ter um lugar no mundo assim como o animal ferido necessita dos cuidados dele. Existe aqui então esse paralelo em não sermos tão diferentes daquelas criaturas que achamos ser inferiores a nós. Todos seres vivos tem assim necessidades básicas, assim como instintos agressivos. Com um final ambíguo, ficam ainda mais latentes esses questionamentos. 
O Coração do Mundo é um filme em momentos agressivo, noutros belo, com uma linda fotografia, mesmo que cinzenta e melancólica. Há algumas cenas que podem afastar os mais sensíveis, onde os maus tratos à animais são bem realistas. Inclusive, fazendo um  adendo aqui, é um fator que me incomodou um pouco, pois algumas coisas pareceram reais e não sei bem até que ponto não o são, o que deixa a obra ainda mais ambígua, para o bem ou para o mal. 

Título Original: Core of the World

Direção: Natalia Meshchaninova

Duração: 124 minutos

Elenco: Stepan Devonin, Yana Sekste

Sinopse: Egor trabalha como veterinário em uma escola de treinamento de cães de caça, no meio do nada. Raposas, cervos, texugos e cachorros são sua vida dele. Egor mora em uma extensão adjacente à casa do chefe, curando animais, limpando gaiolas, monitorando os funcionários, atendendo clientes e seus cães. Ele se sente mais à vontade com os animais do que com pessoas e aceita qualquer tarefa apenas para entrar no círculo de pessoas próximas ao dono da escola, Nikolai Ivanovitch, e seus parentes. Egor quer algo quase impossível: fazer parte dessa família.

Trailer:


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