Crítica: Search Party, 3ª Temporada (2020, de Sarah Violet-Bliss e outros)



*Atenção para spoilers

Nos anos 2000, o sucesso de séries como Família Soprano, Breaking Bad e Mad Men popularizou na ficção seriada uma construção de personagem que se mantém firme na televisão até hoje: o anti-herói. Antes de Tony Soprano, o público estava acostumado com um tipo específico de protagonista: moralmente centrado, ético e cauteloso em suas ações. Protagonistas que se preocupavam em fazer o bem, e que quando erravam se arrependiam e aprendiam lições valiosas com seus lapsos de integridade. Eram personagens que não refletiam completamente as falhas humanas, mas sim um arquétipo a ser seguido e tomado como exemplo.

Mas a partir do início do século XXI vimos a ascensão da popularidade do anti-herói. Nos pegamos torcendo por esse personagem imoral, mas carismático. Que não é necessariamente mal, mas que sempre toma atitudes egoístas e, mesmo quando se sente culpado, se recusa a se responsabilizar por suas ações. Em determinadas situações esse protagonista pode facilmente ser classificado como o vilão. Personagens como Don Draper, Rick Sanchez e Frank Underwood conseguiram cativar o público com seus comportamentos destrutivos e foram romantizados mesmo sendo seres humanos desprezíveis. 

Search Party é um reflexo da popularização desse modelo específico de protagonista. A série do HBO Max caminha por essa mesma linha narrativa ao entregar um desenvolvimento de personagem que é autodestrutivo, egocêntrico e nocente, mas surpreende o público ao desenvolver esse arco lentamente no decorrer de suas três temporadas. 

Na primeira temporada a gente é convidado a criar empatia com Dory, uma millennial completamente perdida em suas escolhas, presa em um emprego desmotivador e em um relacionamento desgastado. Ela se encontra em uma posição descolada, sem saber que rumo tomar, até que finalmente encontra um objetivo: descobrir o paradeiro de sua colega de faculdade desaparecida. 

Na segunda temporada, nós já somos apresentados a uma Dory com menos senso moral e com objetivos mais egoístas. Ela ainda demonstra alguma empatia e capacidade de culpa, mas é possível perceber sinais quase sociopáticos em sua personalidade.

Agora no terceiro ano da série a protagonista revelou completamente quem é em realidade. Dory é manipuladora, egocêntrica e também impiedosa. Ao longo dos dez episódios, a personagem encarnou completamente as características de uma vilã. Ela manipulou conscientemente aqueles a sua volta, e conseguiu o que queria: ser considerada uma vítima inocente em meio a uma situação que ela mesma causou. E conseguiu vender essa imagem, pelo menos  àqueles que não a conheceram de perto. Dory teve um desenvolvimento brilhante ao longo dos três anos de Search Party, tendo seus traços mais sociopatas explorados com calma e tempo para serem trabalhados dentro do enredo. E tudo isso é amarrado pela ótima atuação de Alia Shawkat, demostrando que tem aptidão tanto pra comédia quanto para o drama.

Os personagens coadjuvantes tiveram tempo para brilhar também. Em particular o Elliot que teve sua narrativa explorada um poucos mais profundamente. Fomos apresentados com aquela surpreendente – mas nem tanto – informação sobre o passado do “escritor”. Ser um mentiroso compulsivo e ter mentido completamente sobre toda sua história de vida coube perfeitamente dentro da trajetória do personagem. Elliot é a personificação da superficialidade da era digital, incapaz de esboçar qualquer atitude sincera e real; sempre pensando na melhor “imagem” que poderá promovê-lo. Ser deixado no altar pelo noivo foi uma “punição” coerente para ele, mas mesmo depois disso ficou claro que o personagem tem zero intenção de mudar.

Chantal é parcialmente a versão feminina de Elliot, também completamente impossibilitada de desenvolver uma personalidade verdadeira e profunda. Mas enquanto ele se comporta assim pela necessidade de ser visto e idolatrado, Chantal é inerentemente superficial. Ela é o tipo de pessoa que simplesmente não tem nenhuma habilidade ou conteúdo relevante a oferecer, mas quer ser bem sucedida. Elliot criou um personagem para se sentir relevante, Chantal é apenas ela mesma: vazia e fútil. Mas tanto um quanto o outro tem algo bem específico em comum: os dois são a epítome do privilégio branco. Nunca se esforçam para nada, mas as oportunidade sempre se apresentam. 

Drew e Portia permaneceram mais apagados durante a temporada. Portia ainda em busca de uma identidade e sempre necessitando ser guiada por alguém. A tentativa dela de encontrar conforto na religião fez sentido, afinal dos quatro protagonistas ela é a mais manipulável. Mas além disso, Portia também é a que mais tem potencial empático; ela já se mostrou capaz de remorso e de se sentir mal pelos outros, mas é afundada na superficialidade daqueles a sua volta e também nos seus próprios desejos egoístas. 

Já Drew permanece em cima do muro. Ele não sabe se impor e fazer suas vontades ouvidas. Mesmo conhecendo agora a verdadeira Dory, ele ainda se permite ser manipulado por ela. O personagem não sabe se posicionar nem para ela, nem para sua família. O vídeo dele na infância sendo pressionado pelos colegas a matar um pato demonstra como a personalidade dele sempre foi passiva, se permitindo tomar atitudes a mando de outros ao invés de decidir por si mesmo. Drew até tenta ter uma posição mais firme, e tomar as rédeas da situação, mas eventualmente sempre falha.

Todo o desenvolvimento da temporada, desde a prisão de Dory até o clímax do julgamento no episódio final, foram construídos estrategicamente. Os episódios foram extremamente fluidos, levando o telespectador a uma experiência de engajamento profundo com o enredo. Tudo que havia sido desenvolvido até o final da segunda temporada foi explorado magistralmente durante a terceira. Assim como outras comédias no estilo de Bojack Horseman, Rick and Morty e You’re the Worst, Search Party se estabelece como uma narrativa sólida e densa explorando o lado mais detestável de seus protagonistas, porém sem nunca perder o fator entretenimento de seu enredo. 



Título Original: Search Party

Direção: Sarah Violet-Bliss e outros

Episódios: 10

Duração: 23 min. aprox.

Elenco: Alia Shawkat, John Reynolds, John Early, Meredith Hagner e Brandon Michael Hall

Sinopse: Dory Sief é uma jovem nova-iorquina que descobre sobre o desaparecimento de uma antiga colega de universidade e passa a ficar obcecada com o caso

Trailer:


Aproveitem essa maravilha da HBO Max!


Deixe uma resposta