Série ‘Ratched’ se Destaca pelas Diferenças com o Material Original (2020, de Ryan Murphy)

 

Levemente baseada na obra literária que rendeu o excelente filme Um Estranho no Ninho – de 1975 com Jack Nicholson -, Ratched apenas toma emprestado os personagens, lugares e tema central, para narrar sua própria jornada, com sua própria pegada. Normalmente, se distanciar demais do material original acaba sendo nocivo, colocando o produto final à sombra do que já veio antes. Ainda, as mudanças adicionadas costumam fazer os fãs torcerem o nariz e rejeitarem tal nova obra. Isso explica, inclusive, os receios com remakes e a negatividade em cima de novas versões, como os atuais live-actions da Disney. Isto parece ter ocorrido aqui nessa série em partes, já que as mudanças fizeram público e crítica ficarem divididos. Mas, particularmente, esse texto pende para a metade positiva da coisa.


Primeiramente, é sim necessário apontar alguns defeitos no roteiro e na construção da narrativa da obra. Ainda ficam algumas dúvidas sobre onde os criadores querem chegar, que jornada querem apresentar. Oscilamos muito em uma trama que transpassa entre o drama, romance, suspense, terror e um toque de humor ácido, tocando em temas como homofobia, crime, sistema de sanidade e saúde mental, psicopatia, etc. Os roteiristas e a mente por trás do projeto (Ryan Murphy) nunca se decidem por uma temática, apontando e atirando por todos os lados. Todos esses lados são pincelados, poucos são mais aprofundados. Ao menos nessa 1° temporada, ainda não sabemos ao certo sobre o quê de fato os criadores querem nos passar.

Existem também alguns floreios, uns excessos não somente narrativos, mas visuais, características de Ryan Murphy, um grande, mas exagerado criador de histórias, vide American Horror Story e American Crime Story. Por vezes, parece que o foco está em passar os aspectos técnicos e um capricho visual à rigor e acima da construção narrativa e do nexo das coisas. Dito isso tudo até aqui, é irônico que tais defeitos acabam servindo inesperadamente de alguma forma de aspecto positivo sob outro ponto de vista. Todo o distanciamento da obra original já citado dá uma vida própria à série, que se desamarra de coisas pré-estabelecidas e trilha seu próprio caminho. A mistura de gêneros e temas dão um ritmo ágil e agradável no conjunto final, tornado ela interessante e prazerosa de assistir. E os excessos visuais de Murphy são executados com uma maestria de encher os olhos. Sim, esse é um caso raro onde os defeitos acabam também sendo acertos sob outras perspectivas.


O figurino, a direção de arte, a maquiagem, a fotografia, a trilha sonora, a mixagem de som, a edição e montagem das cenas, tudo é perfeito tecnicamente, tudo é lindo de se ver e ouvir. A direção de Murphy e equipe é estilosa e chamativa por vezes, e elegante e sofisticada por outras, principalmente no retrato da época da década de 1940. Alguns dos ângulos de câmera são tecnicamente interessantes e complexos, dependendo da situação ou ponto de vista do personagem em cena, como quando a filmagem se movimenta de forma lateral ou torta e nos desorientamos visualmente, simulando assim a confusão mental do personagem.


Ratched fala muito de sanidade mental, tanto de forma social como no suspense psicológico, nisso lembra um pouco o filme Coringa. Se por um lado temos alguns mistérios e quebra-cabeças mentais, por outro também temos a urgência em discutir os cuidados mentais e os métodos com que o sistema de saúde e a sociedade maltratam aqueles que precisam de certos cuidados. Como não pode faltar em uma obra de Ryan Murphy, a representatividade LGBTQI+ se faz presente, assim como a crítica à homofobia e como a ignorância leva alguns a tratarem os gays ou lésbicas como deturpados mentais – e o quanto isso é hediondo para com essas pessoas. 


Alguns dos acontecimentos beiram o terror e realmente perturbam, assim como algumas passagens chegam próximo ao emocionante. Apesar de apelar em algumas passagens, tais excessos combinam com toda construção do show, que de fato tem essa idealização estilizada e por vezes caricata. Propositalmente cínica e perturbadora, a obra te leva por uma montanha russa maluca saída da mente dos criadores.

Por fim, deixei pra elogiar o maior acerto da obra e a razão de boa parte da nota alta que darei: o excepcional trabalho do elenco. Especialmente a protagonista, Sarah Paulson brilha e se entrega a cada cena, a cada camada, a cada instabilidade da personagem e a cada choque diante os bizarros acontecimentos, ela realmente consegue passar um misto de instabilidade mental, com articulação fria e calculista. Que lindo e grande trabalho da artista, fenomenal. Ratched entrega um produto final bem diferente da sua origem, o que acaba sendo seu grande sucesso.

Título Original: Ratched

Direção: Ryan Murphy, Nelson Cragg, Michael Uppendahl, Jennifer Lynch, Jessica Yu, Daniel Minahan

Episódios: 8

Duração: 60 min. aprox.

Elenco: Sarah Paulson, Finn Wittrock, Cynthia Nixon, Jon Jon Briones, Charlie Carver, Judy Davis, Sharon Stone, Vincent D’Onofrio, Alice Englert.

Sinopse: Em 1947, Mildred Ratched (Sarah Paulson) chega na Califórnia do Norte em busca de emprego em um crescente hospital psiquiátrico que lidera com novas experiências na mente humana. Numa missão clandestina, Mildred se apresenta como a enfermeira perfeita, mas à medida que ela se infiltra no sistema de saúde mental, o exterior carismático de Mildred começa a esconder uma escuridão, provando que monstros reais são feitos.

Trailer:


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