Crítica: As Boas Maneiras (2017, de Juliana Rojas e Marco Dutra)

Tendo assistido as duas colaborações anteriores de Juliana Rojas e Marco Dutra, é impossível não vibrar um pouco com o trabalho da dupla em As Boas Maneiras. Para além das associações temáticas e a continuação da exploração entre combinações de gênero das obras anteriores, aqui eles atingem seu ápice em termos de ambição, permeando o filme com uma energia e coesão muitíssimo potentes, mesmo que com alguns problemas no meio do caminho. 

A história de As Boas Maneiras é centrada na relação entre duas mulheres, Clara (Isábel Zuaa) e Ana (Marjorie Estiano). Elas inicialmente têm uma relação de trabalho: Clara é responsável por manter a casa enquanto Ana está grávida e, quando o bebê nascer, será sua babá. Quando Ana passa a agir de forma estranha, especialmente em noites de lua cheia, Clara suspeita que algo pode estar errado com ela e o bebê. Ao invés de separar as duas, esse conflito as une, mudando a vida das duas para sempre. 
Rojas e Dutra não hesitam em moldar a história ao redor de uma visão em constante metamorfose, alternando entre gêneros e formatos de momento em momento. Isso é demonstrado principalmente pela forma como a premissa inicial de terror logo se desenvolve em algo muito mais fantasioso e exagerado, o que acentua a morbidez dos acontecimentos e a humanidade das personagens de Clara e Ana. O roteiro também faz essa transição muito bem, apresentando a história com um realismo reconfortante inicialmente, que então se revela como a base para o mistério e o horror que a história guarda.
Grande parte da verossimilhança desse universo vem através da direção de arte, que aqui tem uma tarefa complexa conforme o tom do filme alterna entre algo mais plausível e algo totalmente fantasioso. O recurso usado para criar essa coesão parece vir justamente pela decisão deliberada de Rojas e Dutra de não se prenderem a pretensões de realidade. Podemos ver isso nas pinturas matte usadas para os fundos de diversos cenários, por exemplo – elas não parecem reais, mas não por uma falta de habilidade e sim por uma deliberação em usá-las para criar uma sensação de irrealidade proposital. Em outros momentos, o filme não hesita em usar efeitos extensivos de computação gráfica. Os exteriores da cidade de São Paulo, em especial, remetem a uma versão alternativa da cidade que conhecemos: mais perigosa, sombria, e também trágica. 
O único problema real de As Boas Maneiras é a dificuldade do roteiro em manter o mesmo ritmo e nível quando o filme inicia sua segunda metade. Sem entrar em spoilers, nesse momento acontece uma virada que recontextualiza a história e a aponta para uma nova direção. É um momento profundamente marcante, especialmente pela sensação de imprevisibilidade criada até ali e pela forma como o tempo passado com as personagens nos faz sentir por elas. A virada em si não é um problema, mas os acontecimentos da história a partir desse momento parecem mais uma lista de tarefas para chegarmos até sua conclusão. Está longe de ser algo ruim, mas acaba sendo um tanto decepcionante, especialmente quando contrastado com o início forte da história.
É impossível falar da segunda metade do filme sem mencionar o trabalho maravilhoso feito por Isábel Zuaa e Marjorie Estiano. Através de suas interpretações, as duas trazem uma dimensão e um significado muito maior para os acontecimentos da história, criando a sensação de que estamos acompanhando uma aventura entre duas pessoas de verdade. Isábel Zuaa, em especial, consegue transitar perfeitamente pelos diversos momentos e tons de interpretação que o roteiro requer, sempre mantendo a personagem em um espaço de realidade e ao mesmo tempo emoção – em especial durante um número musical tão dramático quanto devastador.
É em momentos assim, onde a totalidade da construção cuidadosa de Juliana Rojas e Marco Dutra brilham, que As Boas Maneiras concretiza suas ambições por completo. Mesmo com alguns aspectos negativos em sua segunda metade, o filme como um todo é maravilhoso, ressaltando a capacidade de seus criadores de imaginar e trazer mundos fantásticos à vida. 

Título Original: As Boas Maneiras / Les Bonnes Manières

Direção: Juliana Rojas e Marco Dutra

Duração: 135 minutos

Elenco: Marjorie Estiano, Isábel Zuaa, Miguel Lobo, Cida Moreira

Sinopse: Clara, enfermeira solitária da periferia de São Paulo, é contratada pela rica e misteriosa Ana como babá de seu futuro filho. Uma noite de lua cheia muda para sempre a vida das duas mulheres.

Trailer:


Você pode assistir As Boas Maneiras no Telecine Play e em outro serviços de streaming. Deixe sua opinião sobre o filme aqui nos comentários!

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