Crítica: O Leitor de Memórias (2020, de So Jae-hyun e Kim Hwi)

 

Baseado no webtoon Memorist, do artista Jae-hoo, O
Leitor de Memórias
é um drama coreano de 2020, que segue a jornada de um
detetive de polícia com poderes sobrenaturais.

Dong-baek tem suas próprias memórias limitadas e não consegue
se lembrar de sua infância. Quando ele se concentra e toca em alguém, ele pode
ler a memória das pessoas e, quando faz isso, tem a experiência sinestésica completa
de como o indivíduo tocado se sente. Dong-baek se utiliza disso para capturar
criminosos no seu trabalho como policial e, seu poder sobrenatural, não é
segredo nem para a polícia e promotoria, nem para o público.

A história apresenta um pouco das personagens, mas não tarda muito para apresentar o objetivo principal do episódio: encontrar um serial killer que captura garotas jovens. Ao desenrolar da trama, o espectador se dá conta de que, o que se experiencia no primeiro episódio é apenas “a ponta do iceberg” e de que há muito mais criminosos do que se imagina à primeira instância.  



Um ponto interessantíssimo na construção de Dong-baek como
personagem é que, diferente do que geralmente se vê em personagens que
enfrentam um trauma de infância, ele não é uma pessoa contida – aqui é importante
ressaltar que isso não é um apontamento do que é certo/errado ou de como as
pessoas devem se portar diante de um sofrimento; é apenas uma observação
perante como se dá, geralmente, a construção de personagens com traumas. Pelo
contrário, o protagonista tem uma personalidade que chega a ser extremamente
impulsiva, mas muito sensível e empática. Ele chora com a homenagem que seus
fãs o mandam; e ele, – por experienciar o que a pessoa sente, por completo,
quando lê as memórias delas, – mal consegue se conter diante dos criminosos,
sentindo uma vontade quase que incontrolável de bater em cada um deles. Tudo isso constrói um
Dong-baek humano, se tornando impossível não se conectar ao protagonista. 

Dentro disso, as cenas de ação são muito bem coreografadas, trazendo um leve slow-motion recorrentemente em determinados momentos. Em algumas cenas são intercalados momentos de luta entre Dong-baek e os suspeitos – ou inocentes que podem saber de pistas – e de leitura das memórias dessas mesmas pessoas.  A utilização desse elemento torna-se também um marcador de atividade, na qual a leitura de memória ganha mais dramaticidade na tela.

Nas cenas de leitura de memória, a fotografia é um elemento chave. Através de um efeito glitch, as memórias ganham o aspecto de imagem gravada com falhas. 


É também, por esse mesmo fator, que ele passa a ter
problemas com a polícia, com a promotoria e com o público. Um vídeo de
Dong-baek batendo num suspeito passa a circular pela mídia. Desta forma, a Polícia
e a Promotoria, como instituições, também ensaiam a todo instante “podar” Dong-baek, querendo
manter uma boa imagem ao público; além de alguns promotores e funcionários da Polícia também visarem esconder seus próprios “podres”. Por outro lado,
também há a questão ética nesse debate, uma vez que ler as memórias das pessoas
sem sua devida permissão não é algo educado nem ético. Em contraposição, um
pequeno trecho de uma memória lida pode ajudar a capturar um assassino que está
solto oferecendo risco às pessoas.



Esse debate é muito rico durante todos os 16 episódios do
drama. Muitas questões densas e de extrema importância atualmente são levantadas ao
decorrer da história como, por exemplo, suicídio, ética nas instituições e na mídia e a “lavagem
cerebral” através de cultos e seitas – esse último fator, abriria um debate infinitamente
maior, já que é algo que muito se debate na Coreia do Sul.

O drama, entretanto, também traz momentos de respiro, nos
quais vivenciamos momentos mais leves entre Dong-baek e seus parceiros. Aqui, cabe
expor os dois detetives e companheiros inseparáveis de Dong-baek: Goo Kyung-tan
e Oh Se-hoon. Kyung-tan é apelidado carinhosamente de “velhote” por Dong-baek, enquanto Se-hoon diz que ele e Dong-baek são como Batman e Robin. Essa relação entre
o trio é leve e a química entre eles é notável. Os três são como uma
família e mantém uma relação de muita confiança e parceria. Até mesmo quando
Kyung-tan se irrita com o fato de Dong-baek não compartilhar todas as
informações que tem, ele confia e sabe que seu parceiro Dong-baek está tentando
fazer o melhor que pode para ajudar os outros. 


Han Sun-mi também é uma personagem do arco principal, essencial e extremamente forte. Sun-mi é uma perfiladora criminal que ocupa a posição de superintendente sênior, sendo a mais jovem profissional em tal cargo. Essa informação já nos dá a dica de quão independente, forte e determinada Sun-mi é. Em meio a uma profissão que é dominada por homens, Sun-mi não se deixa dominar por “lobos”. Mesmo em meio a ameaças, ela é assertiva e não deixa de pontuar seus ideais ao prosseguir com uma investigação. É interessante pontuar que, muito provavelmente, Sun-mi se mantém assim para se fazer ser ouvida nesse espaço que por muitas vezes é cruel. Ela chega a reprimir seus próprios sentimentos, porque não há abertura para eles serem ouvidos.


Sun-mi, assim como Dong-baek também tem um grande trauma de infância, ao qual vamos sendo apresentados aos poucos. Também por esse motivo, os dois se unem no presente, através de uma questão do passado. A relação entre os dois funcionários da Polícia, por muitas vezes, é incerta, mas entre a confiança/desconfiança é que os dois constroem uma parceria extremamente interessante e que ajuda a manter o movimento na história mais ativo e convidativo ao espectador.


Reflexões com alguns spoilers a partir daqui:

Há alguns pontos que ficam soltos na história, como, por exemplo, quando o serial killer apelidado de Apagador  por ser capaz de apagar a memória das pessoas  foge da polícia ao descer de rapel pela varanda do
prédio em que está ocorrendo uma operação da investigação da polícia em
conjunto com a SWAT. O Apagador, após ter levado um tiro de Dong-baek, que está em cima da varanda do prédio,
deixa um rastro de sangue antes de fugir. Depois disso, a perícia não aparece para
coletar o sangue e descobrir a identidade do culpado. Por outro lado, essas
poucas informações que se perdem e ficam soltas acabam não sendo de grande importância
para a trama como um todo, pois a força da história é muito maior que isso. E claro,
se a identidade do Apagador fosse revelada nesse momento, muito do suspense se
dissolveria a partir de então e, a revelação final que se tem nos dois últimos
episódios, jamais teria o poder que tem.

Ao final, conseguimos compreender as motivações do
Apagador – importante ressaltar que compreender se difere de concordar. Esse é mais
um dos pontos positivos da série. O antagonista – nesse caso, a antagonista – vira
o jogo. Depois de passar por tanta dor, injustiça e se ver desemparada
por tudo a sua volta, inclusive pela lei, ela toma para si o papel de
justiceira. É uma clara reflexão à falta da lei para os que
tem poder na sociedade e, como
 a mídia, no papel de meio de comunicação, não está preocupada em combater ou denunciar as coisas ruins que acontecem para
ajudar a sociedade e, sim, para encontrar culpados a quem direcionar suas polêmicas
e, consequentemente,  a raiva do público.


Título Original: 메모리스트 (Memorist)


Direção: So
Jae-hyun e Kim Hwi


Episódios: 16


Duração: 60
min


Elenco: Yoo Seung-ho, Lee Se-young, Jo Sung-ha, Ko Chang-seok, Yoon Ji-on, Jeon
Hyo-sung e outros


Sinopse: Dong-baek é um detetive policial que usa seu dom sobrenatural de ler a memória das pessoas para capturar criminosos. Mas quando um serial killer coloca seu poder e seu passado em cheque, ele tem que se esforçar para salvar aos outros e a si mesmo.

Trailer:


E você, gosta de dramas policias? ‘O Leitor de Memórias’ é um prato cheio para quem gosta de mergulhar em histórias densas. Não deixe de conferir e conte para nós o que achou! 🙂 

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