Crítica: Mulan (2020, de Niki Caro)



Cuidado leitores! O texto contém spoilers!

Preciso começar esta crítica falando sobre o desenho que deu origem ao live-action, Mulan de 1998 da Walt Disney foi um grande marco na minha vida, por dois simples motivos: não se tratava de uma personagem que precisava ser salva, muito pelo contrário, ela era quem salvava a todos e o fato dela não ser uma princesa, mas uma mulher normal que teve que lutar por sua família e suas vontades em meio a um mundo extremamente machista e que, mesmo após tanto tempo ainda é de suma importância para o tema. Mulan é um marco por ser a primeira heroína genuína da Disney, após isso tivemos muitas outras como Elsa de Frozen, Merida de Valente e Moana, dentre outras que, não necessariamente precisavam de um homem para salvá-las; e isso é muito importante na cultura patriarcal em que vivemos, principalmente sendo mulher. Na mesma medida, compreendo com todo o coração a importância de Pantera Negra nesses últimos anos e vimos como a indústria é capaz de nos fazer sentir em relação a nós mesmos, acredito também que é muito sério a forma como determinadas coisas são mostradas, já que isso, querendo ou não, influencia nossas vidas. Dito isso, vamos para algumas diferenças entre o filme e o desenho e já vou avisando, caso você não tenha visto o filme, pare a leitura agora!!!


Esqueça tudo que você lembra do desenho de 1998. 

Diferente de outros live-actions que levaram ao pé da letra a história de origem, Mulan segue seu próprio caminho. A primeira coisa que me veio a cabeça era, como eles vão inserir o personagem icônico do guardião Mushu, um dragão magro e pequeno que segue Mulan em todas as etapas da guerra. Pois bem, na história o guardião da aldeia e da família Hua é uma Fênix. 
Acredito que não foi à toa a escolha, já que na simbologia que todos conhecemos, a Fênix é uma criatura capaz de renascer de suas próprias cinzas, ou seja, mais adiante no filme, vimos a escolha que Mulan (Liu Yifei) teve que fazer e tecnicamente, era como se ela tivesse renascido de si mesma, mas isso fica para depois. 
Outra coisa que, após ver o filme, ainda não sei dizer se me incomoda ou apenas não encaixa na história, é o fato dela ser o que é pelo seu Chi. Caso você assim como eu, seja um apaixonado por histórias chinesas, sabe que o Chi é uma energia, uma ponte entre o nosso ser e a realidade; se controlarmos bem esse Chi, podemos fazer qualquer coisa na mundo real, inclusive aquilo que as pessoas ao redor consideram impossíveis. Vimos isso em Kung Fu Panda por exemplo, e em outros filmes que utilizam artes marciais em suas histórias. Tudo bem que o Chi é específico da cultura deles, mas o filme usa isso como se ela fosse “especial” simplesmente por ter esse Chi, chegando a ser considerada uma bruxa por alguns. 
O que me leva aos vilões da histórias. Assim como em Aladdin, tivemos um momento totalmente empoderado de Jasmine no filme, já que, como eu disse acima, os filmes tentam seguir uma ordem do original mas com pitadas próprias. Aqui a vilã é cercada de misticismo e poderes, por justamente ter um Chi muito superior ao demais (homens). Sendo assim considerada uma bruxa e incapaz de fazer alguém respeitá-la ou amá-la por si só, sendo marginalizada e expulsa de sua casa. O que é bem triste na verdade. A única forma que ela acha de ser respeitada, é atacar seu país e impor suas vontades. Porém, mais uma vez, é como se isso diminuísse as conquistas de Mulan, como se seu Chi fosse um super poder inatingível aos outros, quando na verdade, ela batalhou por seu lugar no exército, assim como todos ali. 
A direção de Niki Caro tenta trazer elementos do cinema chinês, como utilizar o estilo wuxia que nada mais é do que uma mistura de fantasia, misticismo e lutas de espadas, muito visto em diversos filmes em que a cultura chinesa é a base da história. Por isso, não estranhe quando as cenas de ação forem muito bem coreografadas e utilizarem métodos de filmagens como closes e slow motion. 
Outro grande problema ao meu ver, foi a minimização dos amigos de Mulan na história. O quarteto inseparável do filme agora parecem ser apenas colegas e Chen (Yoson An) é um entre tantos no exército, porém muito longe do “homem ideal” desenhado em 1998. 
O roteiro ao meu ver é preguiçoso e mesmo tentando trazer a nostalgia para os fãs, falha rudemente e vergonhosamente, utilizando o Chi como um escape para as conquistas de Mulan; uma desculpa para a vilã, totalmente descentralizada na história, como se fosse uma luta entre as “escolhidas”, o que não faz nenhum sentido. Seria muito mais saudável ter seguido a história por si só, do que ficar fantasiando situações para encaixar num conceito de 2020, como o feminismo e o empoderamento feminino. Não que não seja importante, mas o grande problema é a forma que isso foi executado. Extremamente confuso e de má vontade, já que aparentemente as nossas conquistas são minimizadas e somente algumas “escolhidas” são capazes de mudar seu destino, o que é imensamente triste quando paramos para pensar a respeito. 



Culpo sim a direção de Niki Caro por todos esses problemas de roteiro, não consigo sentir profundidade na relação pai e filha; não consigo sentir companheirismo em relação a Mulan e seus amigos; não consigo sequer sentir uma pontada de segundas intenções entre ela e Chen, nem mesmo sinto o peso da guerra! Todos os pontos fortes da história são deixadas de lado ou são apenas pinceladas mal feitas. 

Infelizmente o filme foi extremamente mal executado, tentaram agradar quem? Ainda não entendi, porque os fãs que não foram. Diminuem as conquistas de Mulan, usam o força da mulher como vilania, usam como muleta a cultura chinesa enquanto tentam agradar a todos, o que claramente não funciona. Tentam  pôr simbolismo nas ações de Mulan, mas parece uma forma desesperada de usar a história dos seus antepassados, sem contar a desnecessária necessidade de mostrar os “super poderes” de Mulan em comparação aos homens, quando no original, seu único super poder é ser inteligente e corajosa. 

Claro que muita gente vai ler essa critica e dizer que estou problematizando o longa mais do que o necessário, mas isso vai de cada um. Pegar um filme que, mesmo com alguns problemas, segue sendo um ícone do feminismo e transformar nisso que assisti, é desanimador. Sem querer – querendo – criam uma imagem da mulher que é impossível conquistar sendo comum; e isso vai contra o que eu acredito que a história de Mulan quer nos passar. 

O roteiro no primeiro ato tenta nos encher de nostalgia, no segundo ato começa a se perder na história e no terceiro perde completamente o sentido. Mesmo com a fotografia e a direção de arte tentando nos fazer lembrar do filme original, visualmente falando, isso é quase impossível graças ao disparate da direção e roteiro. 

Faltou muita coisa: faltou vontade, faltou uma direção mais pontual e um roteiro mais semelhante não ao desenho, mas ao que ele nos impõe e tenta passar. Que é respeito; coragem; família; força; determinação e, porque não, amizade e lealdade. Uma pena.


Título Original: Mulan


Direção: Niki Caro

Duração: 115 minutos

Elenco: Liu Yifei, Donnie Yen, Jet Li, Gong Li, Yoson An, Jason Scott Lee, Susana Tang, Tzi Ma, Rosalind Chao, Jimmy Wong, Doua Moua, Ron Yuan, Utkarsh Ambudkar, Chen Tang, Chang Pei-Pei

Sinopse: Hua Mulan (Liu Yifei) é a espirituosa e determinada filha mais velha de um honrado guerreiro. Quando o Imperador da China emite um decreto que um homem de cada família deve servir no exército imperial, Mulan decide tomar o lugar de seu pai, que está doente. Assumindo a identidade de Hua Jun, ela se disfarça de homem para combater os invasores que estão atacando sua nação, provando-se uma grande guerreira. 

Trailer:


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