A transgressão ainda extremamente atual de Sociedade dos Poetas Mortos


“Medicina, lei, negócios e engenharia são ocupações nobres para manter a vida. Mas poesia, beleza, romance e amor são as razões pelas quais ficamos vivos”. Essa famosa frase dita pelo personagem do imortal Robin Williams talvez nunca tenha feito tanto sentido quanto durante a quarentena. Se o isolamento social trouxe sentimentos de solidão, ansiedade, medo, depressão, tédio e até mesmo de crises existenciais, foram os filmes, séries, músicas, livros, museus digitais e artes manuais que trouxeram o alívio, descanso mental, conforto e distração que a sociedade tanto precisava para manter a sanidade mental em dia.

É impossível não traçar um paralelo, porquanto, entre a importância real das artes e a que lhe é atribuída pela sociedade. Não por acaso é exatamente esse o fio condutor do longa-metragem, abordando o tema em questão do modo mais metalinguístico que se poderia imaginar: muitas metáforas visuais, referências à peças teatrais que marcaram a história e poemas, levando o espectador a uma viagem à essência de todas as artes: a reflexão mais profunda e forma de expressão mais pura de todas.


Se a liberdade e o pensamento vem materializados nas artes, a Academia Welton vem representar o exato oposto. Logo de início há uma cerimônia de recepção aos alunos e a luz do conhecimento em forma de vela é passada de aluno para aluno enquanto o diretor nos apresenta os princípios básicos do local que — devido sua importância e personalidade gritantemente severa — acaba por se tornar uma personagem principal da história. 
“Há cem anos, em 1859, quarenta e um rapazes sentaram-se neste salão e foi-lhes feita a mesma pergunta que agora vos saúda no início de cada semestre. Cavalheiros, quais são os quatro pilares?” Todos levantam-se e parecem um coro de robôs repetindo. “Tradição, honra, disciplina e excelência”.
O mais curioso é a vela justamente fazer uma alusão clara ao Iluminismo, conhecido justamente por valorizar a razão como “luz” e mais importante instrumento para adquirir conhecimento e a escola pregar um conhecimento engessado e baseado em repetições e decorar textos prontos ao invés de refletir de fato sobre algo. A crítica do filme, deste modo, já é apresentada nos primeiros minutos em um breve resumo visual de o que o enredo tratará. E a delicadeza e naturalidade com a qual esse momento é colocado em tela é o que chama atenção para a beleza e genialidade do diretor Peter Weir.

Ainda sobre a escola, nos é informado que dos 51 alunos que se formaram no ano anterior mais de 75% foram para as universidades da Ivy League. O foco da instituição, claramente, não é preparar jovens para o mundo, mas números e resultados desejosos em provas. Não obstante, é informado a todos — incluindo o espectador  que o Sr. Portius do departamento de inglês se aposentou, e mais tarde todos poderão conhecer o substituto, Sr. John Keating (Robin Williams), também diplomado na Academia Welton e que há vários anos ensina na conceituada Escola Chester, em Londres.

Valendo-se do recurso de uma despedida formal entre os pais dos alunos e o diretor, somos apresentados aos personagens centrais da história. Anderson Todd, o filho mais novo com “uma herança pesada”, visto que o irmão foi um dos melhores alunos da instituição e Neil Perry, do qual o diretor parece esperar “grandes coisas”. 

Ambos se conhecem quando Neil descobre que Todd será seu colega de quarto, dando início à bela relação dos dois. Em uma conversa entre eles conhecemos mais sobre cada um e somos apresentados às últimas peças importantes da futura Sociedade dos Poetas Mortos. Cameron aparece para propor a Neil um grupo de estudos e mais alunos aparecem no quarto dizendo terem ouvido boatos que Neil estudou o verão inteiro, ao que ele confirma dizendo que sim, química, pois o pai “quis que me adiantasse”. Conhecemos os nomes deles ao se apresentarem para Todd; são eles Stephen Meeks, Charlie Dalton e Knox Overstreet. 


É então que a relação dos garotos com as respectivas famílias começa a ser melhor delineada. Jefrey, irmão de Todd, foi o melhor do curso, com Diploma Nacional de Mérito Escolar. A pressão sob o garoto é óbvia. Em seguida, o pai de Neil aparece de surpresa e informa o filho que conversou com Sr. Nolan e decidiu que o garoto vai deixar o anuário, por ter muitas atividades extracurriculares neste semestre. E isso sem consultar o filho. 



Nem os protestos do garoto parecem resolver. Em verdade, acabam por gerar mais atrito e reprimenda para Neil, que ouve para nunca mais contestar o pai em público. Fica bem estabelecido que o Sr. Perry não tem o costume de ouvir o filho e toma todas as decisões por ele, sem se preocupar com seus desejos em momento algum. E pelo que Neil dá a entender, a relação dos amigos com os pais não é nada melhor, mesmo que eles insistam para que o garoto enfrente o pai.

Entender esta dinâmica é essencial para compreender o contexto do filme, que se segue com os garotos serem iniciados ao conceito de “carpe diem” pelo Sr. Keating, — que parte do princípio de aproveitar o dia, pois nunca se sabe o dia de amanhã — serem tirados de sua zona de conforto pelo professor e, ao descobrirem que este em sua época de aluno fez parte de uma sociedade chamada de Sociedade dos Poetas Mortos, decidirem criar sua própria versão da mesma, na qual liam poesias e deixavam que elas “agissem sobre eles”.


A citação que abre todos os encontros é extremamente significativa para compreender o que virá a seguir. “Eu fui à floresta porque queria viver deliberadamente. Eu queria viver profundamente e sugar a essência da vida. Expurgar tudo que não fosse vida, e não, ao morrer, descobrir que não vivi”, de Henry David Thoreau.

Aqui ocorre a ruptura, ou o ponto de virada, em que os garotos passam a entrar mais em contato com si próprios e questionar o mundo que os cerca. Neil resolve se envolver com teatro — arte que exige uma entrega, desnudez e exposição do íntimo em seu nível mais profundo — e sua própria relação com Todd, ao ser estreitada, é debatida até hoje por apresentar um amor platônico, impossível devido às circunstâncias, delicado e trabalhado nas “entrelinhas”, levando muitos a se questionar se tudo não passa de uma grande amizade. Analisando a fundo ambos, sou levada a crer profundamente que não se trata apenas de uma forte amizade, e que a crítica aqui também diz respeito aos pais não serem capazes de aceitar a essência dos filhos e se preocuparem mais com aparências e status do que com a felicidade deles. Mas adoraríamos saber sua opinião sobre esse assunto, então deixe abaixo sua visão sobre a relação de ambos.


Sociedade dos Poetas Mortos, de modo geral, é uma obra-prima cinematográfica emocionante e com uma mensagem impossível de envelhecer. Com um roteiro primoroso, atuações envolventes e uma direção brilhante em cada mínimo detalhe, não é exagero dizer que o longa presta uma bela homenagem às artes de modo geral e a todos que todos se entregam de corpo e alma para que elas aconteçam. Mesmo com governos à la Welton enxergando-nas como inimigas — justamente por questionarem, exigir interação e incitar o espectador a se colocar num papel ativo na sociedade — arte é resistência, amor e política.

Porquanto, é impossível concluir este texto sem dedicá-lo a todos os artistas que faleceram em decorrência do vírus — não apenas do corona, mas do descaso  e não tiveram nem uma palavra em sua homenagem da então ministra da cultura. Este texto é para que vocês saibam que o ser humano pode estar no mundo por um tempo limitado, mas a mudança que ele causa na vida de outras pessoas é imortal. Obrigada, vocês não serão esquecidos!



Título Original: Dead Poets Society

Direção: Peter Weir 

Duração: 128 minutos 

Elenco: Robin Williams, Robert Sean Leonard, Ethan Hawke, Josh Charles, Gale Hansen, Dylan Kussman, Kurtwood Smith, Allelon Ruggiero, James Waterston e Norman Lloyd

Sinopse: Em 1959 na Welton Academy, uma tradicional escola preparatória, um ex-aluno (Robin Williams) se torna o novo professor de literatura, mas logo seus métodos de incentivar os alunos a pensarem por si mesmos cria um choque com a ortodoxa direção do colégio, principalmente quando ele fala aos seus alunos sobre a “Sociedade dos Poetas Mortos”.

Trailer:

E você, o que achou do filme? Deixa aí embaixo nos comentários e carpe diem ✌😀

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