Análise: Zombi Child e a Distância da Realidade ao Realizar uma Obra (2019, Bertrand Bonello)



Deixa eu contar pra vocês: caso não tenha reparado, nós aqui no Minha Visão do Cinema escrevemos no Blogger, uma plataforma cujo a qual temos uma relação abusiva. Ao mesmo tempo que ela nos proporciona a oportunidade mais simples de escrever e divulgar o nosso conteúdo de maneira gratuita, ela também é muito problemática: é um parto pro texto sair no formato que a gente deseja e ora ou outra o Blogger, assim como Thanos, estala seus dedos e faz algumas coisas desaparecerem. E foi o que aconteceu com o meu primeiro texto de Zumbi Child, onde eu trazia bons argumentos para apontar como este filme dirigido por Bertrand Bonello, merecia elogios e críticas sempre na mesma medida.
Continuando com a história mais pessoal. Sempre que recebemos a chance de ir a cabine de um filme, para trazê-lo em primeira mão para vocês, recebemos da distribuidora arquivos no Dropbox com algumas fotos do filme, sinopse, e outras coisinhas a mais. No caso de Zombi Child, uma dessas coisinhas a mais que a California Filmes mandou foi um breve release da obra, que contava a inspiração do diretor para tratar desse assunto específico: 

 O diretor conta que ainda no início dos anos 2000 teve o interesse pelo Haiti despertado, quando um amigo rodou um longa ali. À época, ele anotou duas palavras num caderno: Zumbi, Haiti.”

Zumbi. Haiti.


Essas duas palavras mostram o olhar eurocêntrico do diretor e roteirista da obra, que guardou essa anotação por mais de 10 anos até revisitá-la e conseguir dar uma forma ao insight que teve. 


Bertrand Bonello – Diretor e Roteirista de Zombi Child
E a rasa anotação nos diz com certa precisão o que decorre no filme todo. Ao assistir o interessantíssimo trailer do longa, fiquei muito contente ao ser o escolhido para participar da cabine. Mas o que se tem em tela está muito mais ligado à pequena inferência de Bonello que ao trailer instigante que você pode conferir no final deste texto.

O filme é contado em duas frentes, a primeira se passa nos anos 60, narrando a história de um zumbi haitiano, e a segunda é o choque de cultura ao entrar uma garota vinda do país caribenho para uma escola tradicional na França.
Até consegue-se notar uma tentativa de Bonello para tratar o tema longe do sensacionalismo barato de Chave Mestra (2005), por exemplo, que é uma obra conhecida que trata de um tema similar: as crenças voodoos tornando-se aterrorizantes diante da perspectiva de um branco. E aqui o cineasta tenta se afastar principalmente na história passada do zumbi, que é ressuscitado para trabalhar num canavial para brancos por pouca comida e nenhum respeito. E também tenta brincar na história passada na França com o preconceito das meninas brancas e ricas diante daquela nova personagem convivendo no mesmo ambiente que elas. Mas na forma que é desenvolvida a história, o realizador nunca consegue deixar de imprimir um vislumbre mitificado de um homem, branco e francês olhando para esses acontecimentos. Por mais poesia que o diretor tente imprimir com sua bela fotografia, está muito fora da sua realidade toda aquela história que ele inventou, pois até quando foca nas adolescentes francesas e burguesas, ele consegue tratar sobre temas que certamente ele não têm intimidade: o primeiro amor de uma menina. Fazendo um paralelo com o Brasil, é como se o irmão do Luciano Huck, tentasse fazer um filme sobre a favela.

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Filme de Fernando Grostein Andrade, irmão de Luciano Huck
Claro que existem exceções à regra, como Cidade de Deus Central do Brasil. Mas geralmente o que vemos nestes filmes onde os cineastas decidem contar uma história que nada tem a ver com a sua realidade está elevado a enésima potência aqui nesta obra. 

Tirando toda a questão da falta de verdade em Zombi Child, um problema narrativo é causado pela montagem, que já se embanana quando está contando as duas histórias principais, sempre optando por cortar de um núcleo para outro em momentos errados ao alternar o que estamos acompanhando, quebrando o clima e ressaltando os personagens pouco carismáticos da película. 

E piora quando a história tem um novo desdobramento, fazendo com que o  o filme aponte para várias direções e levante diversos temas sem conseguir concluir satisfatoriamente quase todos. E digo quase todos, pois uma sequência final funciona muito bem esteticamente, e é justamente a sequência onde o filme cai no estereótipo que tenta evitar. A possessão de um demônio no corpo da inocente menina branca que não sabe com o que está lidando.




Zombi Child, tenta e não consegue romper com o estereótipo da magia feita em países de terceiro mundo. Apesar de algumas tentativas do cineasta de ser respeitoso, todas as cenas carecem de verdade e de empatia. 

Título Original: Zombi Child

Direção: Bertrand Bonello

Duração: 103 minutos

Elenco: Louise Labeque, Wislanda Louimat, Katiana Milfort

Sinopse: Haiti, 1962. Um homem é trazido de volta do mundo dos mortos apenas para ser enviado ao inferno do trabalho nos campos de cana. Em Paris, 55 anos depois, na conceituada escola da Legião de Honra, uma jovem aluna haitiana confessa um antigo segredo de família para o grupo de novas amigas – sem imaginar que sua estranha narrativa vai convencer um colega de coração partido a fazer o inimaginável. 

Trailer: 


O filme estava previsto para lançar dia 26/03, mas por conta do surto de coronavírus ele foi adiado, atualmente ele está para compra nas plataformas Youtube e Google Play Filmes.

Mas, me conta aí, está lavando bem as mãos?

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