Crítica: Um Crime Entre Nós (2020, de Adriana Yañes)

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SEXO! SEXO! SEXO! SEXO! SEXO!


Como você se sente ao ler a frase acima? Te deixa com vergonha? Incomodado? Então porque o fato do estupro de menores não incomodar tanto quanto uma palavra?



Segundo dados do documentário, o Brasil tem 4 meninas de até 13 anos estupradas por hora! Quantas crianças você conhece e que, se for parar para pensar, uma em cada 4 estão sendo estupradas agora. Provavelmente você deve estar pensando: “nossa, que horror, mas o que eu posso fazer? Não é problema meu.” Denuncie, tome uma posição sobre isso. Caso contrário, o seu silêncio é cúmplice.


Por ser mulher, percebo que muita coisa ainda vem de berço, como o conceito do “ser homem”, “ser macho”, ser o procriador! Quando na verdade criamos homens que não aceitam não, não aceitam as consequências de seus atos e principalmente, criamos eles para serem impunes e o pior, como se tudo o que eles fazem fosse certo, já que, segundo a nossa sociedade, o homem branco e hétero é a famosa família de bem. Quando sabemos que por trás das câmeras tudo que vemos são pessoas infelizes, isso reflete na forma como tratamos determinados assuntos que são tabus.

A violência sexual sempre foi debatida de uma forma errônea na minha cabeça, já que, tecnicamente a vítima é culpada por expor o que aconteceu. A vítima é culpada por ter criado o desejo na cabeça daquele homem. A vítima é culpada por apenas ter nascido mulher. Então qual a desculpa que você vai inventar hoje para o estupro de crianças? Elas escolheram isso porque estavam brincando dentro de casa? Elas fizeram o pai ou o tio terem desejo por elas por serem muito boazinhas? Eu mesma não consigo nem criar uma frase sarcástica ou irônica com esse tema agora, então, me diz você, qual a sua desculpa?


É muito mais fácil falar que uma menina de 15 anos foi estuprada por 10 caras numa festa funk porque ela bebeu ou estava dançando – como se isso fosse crime – ou que uma mulher apanha do marido porque não lavou sua roupa direito – afinal que tipo de mulher é essa? – mas o que deixamos passar todas as vezes é: porque o homem não tem a responsabilidade de seus atos?

Algo que me deixa muito incomodada e sempre vai me deixar é o fato de uma mulher, independente da idade dela, sempre será culpada pelo ato de um terceiro. No documentário tem uma cena que mostra diversas pessoas de idades diferentes e de sexo diferente respondendo a mesma pergunta: Se uma mulher de minissaia é estuprada, de quem é a culpa? E adivinhe só a resposta.


Ninguém culpou o homem que fez isso, porque ela “pediu” por isso ao usar a saia e assim “fez por onde” já que a “família” não deu educação suficiente ou não cuidou o bastante dela. Pera aí, então quer dizer que a mulher ao sofrer uma violência dessa magnitude ainda é culpada pela escolha do outro???


De 10 pessoas apenas 2 falaram que a culpa é inteiramente do agressor. Isso reflete e esclarece muito a forma que entendemos a violência. Você realmente acredita que uma menina de 13 anos que se prostitui está ali por que quer? Porque gosta? Se você acha que sim, sinto em lhe dizer que você faz parte de uma sociedade doente e conveniente com a violência.

É muito mais fácil culpar a vítima do que toda a estrutura de uma sociedade, onde aprendemos desde cedo que a meritocracia é legal mas que se você luta para sair de determinada situação, dependendo dos meios que você toma, isso pode te colocar em uma posição nesse ciclo de horror que está instalado no nosso meio. Como posso julgar a escolha de uma menina que, foge de casa por ser estuprada, não tem pra onde ir e quando chega na rua, a única saída para não morrer de fome é justamente vender o corpo a troco de comida, roupa, dinheiro. Como você julga isso certo ou errado? É óbvio que é moralmente errado ela ter que fazer esse tipo de escolha, ao passo que não existe o respaldo das autoridades com ela, uma vez que nem mesmo a família foi capaz de querer fazer algo para ajudá-la.


Tudo isso envolve um ciclo na nossa sociedade que vem desde o berço, um cunho machista, misógino e racista em que o homem pode tudo e as mulheres devem viver e ser o que eles bem entendem, não falo só de exploração infantil, mas também sobre violência domiciliar, a questão da homofobia, de que a mulher só pode ser respeitada na rua se estiver em companhia de outro homem, vemos também que é muito fácil julgar uma pessoa seja ela quem for, sem saber de fato o que à levou aquilo. Muitas vezes as pessoas que deviam protegê-la são as que mais a machucam, temos a ideia muitas vezes superestimada, que a família é quem salva, quem cuida e que de fato deveria ser, mas não. Não é porque a sua faz isso que a do vizinho fará.


Damos rótulos, damos desculpas e culpamos as pessoas erradas quando na verdade, toda a sociedade é culpada pelo cunho sexual que desenvolvemos ao longo da vida. Mulheres tem que ser donas de casas, mães, não sair sozinha à noite, não usar roupas “provocativas” nem maquiagens muito forte, e porquê? Porque alguém não consegue segurar o pinto dentro da calça. Enquanto não tivermos educação, meios para cuidar dessas pessoas necessitadas e uma nova ideologia sobre quem somos e como queremos deixar o país para nossos filhos, não vejo uma mudança significativa chegando a curto prazo. E esse é apenas um dos problemas sociais que assolam nosso país.


Por fim eu diria que é necessário mais pessoas envolvidas na polícia, em redes de proteção e medidas punitivas mais sérias, já que é muito fácil estuprar e nada acontecer depois, seja por medo, por vergonha ou porque ninguém acredita… 

Caso você queria assistir o documentário, ele está disponível no Globosat Play. Assista!






Título Original: Um Crime Entre Nós


Direção: Adriana Yañes


Duração: 59 minutos


Elenco: Dráuzio Varella, Gail Dines, Jout Jout, Luciano Huck


Sinopse: Existe um mercado no qual se troca infância por qualquer coisa menos
valiosa. Todos sabem que ele existe, mas parece que é fácil de ignorar. O
Brasil é o segundo país no ranking mundial dos casos de exploração
sexual infantil. Em uma investigação urgente, Jout Jout, Luciano Huck,
Dráuzio Varella e Gail Dines se unem aos que atuam diariamente para
tirar meninas e meninos de um ciclo perverso. Passando por universos
reais e virtuais, Um Crime Entre Nós é um olhar ousado e provocativo
para a luta pelo fim da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.



TRAILER: 

Bônus:

O programa da GNT, Papo de Segunda, conversou sobre o tema e o documentário:

18 de maio é Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de crianças e adolescentes. O documentário Um crime entre nós traz histórias e depoimentos de pessoas que sofreram ou testemunharam abusos sexuais na infância ou juventude. Luciano Huck fez parte do projeto do documentário e junto com Fabio Porchat, Emicida, João Vicente e Chico Bosco falam sobre a luta pelo fim do mercado de crianças e adolescentes.

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