Milagre na Cela 7 e as catarses artificiais


O mais novo sucesso da Netflix, O Milagre da Cela 7, vem ganhando uma multidão de fãs desconsolados e desidratados pela comovente história de superação e honestidade.

O longa, que é um remake turco de um filme sul-coreano de mesmo nome, conta a história de Memo, um homem excepcional, que vive com sua filha e mãe. Com trabalho honesto de pastoreio, a família tenta se manter e garantir a vida para todos. Porém, Memo, em um dia caminhando com suas ovelhas, envolvesse com o acidente de uma garota, filha de um importante general do governo turco. Acusado injustamente e mandado à prisão, onde agora precisa sobreviver em meio aos criminosos, sua família tenta provar sua inocência antes que seja tarde demais.


Sinto em dizer àqueles que estão esperando algum tipo de destrinche positivo sobre o filme, aqui não o encontrarão (mas a equipe lançará uma outra perspectiva sobre o longa). Existe um conceito (mais para chacota cinematográfica) chamado tearjerker, que é nada mais nada menos do que aquela história que forçosamente tenta levar o espectador ao choro. Os exemplos são mais do que numerosos, indo desde o jovem apaixonado a cantar uma música de amor à sua amada em leito de morte, ou qualquer coisa que envolva cachorros.

Não há nada de errado em gostar ou mesmo se emocionar em tal tipo de filme, mas aqui coloco o problema quando a história não é emocionante por si só, forçando situações inverossímeis que são apenas solucionadas com um deus ex machina, artifício de roteiro em que uma solução mágica surge.

O Milagre na Cela 7 é a definição exata disso, quase um verbete de dicionário. O filme parece uma junção de “símbolos universais” de choro, como a morte de um ente querido, injustiça, inocência de uma criatura pura e a bondade que surge nos meios menos prováveis. E na tentativa de costurar esses símbolos em uma narrativa cinematográfica, o sentido lógico da coisa se perde. Se estamos em um período em que os militares detém um grande poder e conseguem intervir em prisões e julgamentos, há de se pensar que a prisão não é essa grande escola da vida, mas um espaço de vigilância e punição; muito menos possível um fluxo de objetos e pessoas dentro de um espaço punitivo.


(sim, isso é uma cena dentro de uma cela coletiva de prisão)



Claro que é possível levantar a questão de que a forma como captar o drama é diferente em cada país e em cada cultura. Nós, brasileiros, temos uma percepção diferente de drama e melodramático, e notamos isso quando assistimos uma novela mexicana, por exemplo. Ainda, nós somos bombardeados com formatos dramáticos europeus e estadunidenses, então é de certa forma justificável o estranhamento quando assistimos qualquer obra que fuja desses formatos. Não há obras universais, tudo está sujeito aos olhos de quem produz e aos olhos de quem vê.

Mas o que aqui pontuo é que quando tais obras justamente tentam alcançar um posto perto de uma universalidade é quando falham; pois a proposta parece simplesmente ter como objetivo máximo a catarse do choro, mas vazia de conceitos e repleta, de como já colocado anteriormente, desse símbolos “universais” de tristeza e compaixão. Prova de tal ponto está na evocação de outras obras. O Milagre na Cela 7 aparenta em vários momentos ser um mix de À Espera de Um Milagre, Uma Lição de Amor e Um Sonho de Liberdade, em que a noção de coincidências dá lugar ao incômodo de perceber que alguns arcos da história já foram vistos em outros lugares.

Parece que a singularidade de assistir a um filme turco sobre um drama de vida na Turquia fora perdida, justamente, por essa busca de uma catarse universal e, consequentemente, artificial. O choro pelo choro.




Não o suficiente, a atuação do protagonista é bem abaixo da média. Há algo muito complexo em atores interpretando situações que não são as suas, principalmente quando falamos de deficiências. Há de se fazer um laboratório de personagem para que fique crível, e a impressão que fica é que o ator se baseou em achismos, em trejeitos que viu em alguma novela e repetiu, incorporando alguns movimentos. Em um momento específico do final do filme, a atuação forçosa atinge tal ponto dentro de uma cena igualmente forçosa que o tom triste beira ao tragicômico.


Mas para não dizer que não falei das flores, os planos e as cenas de passagens são boas. Há uma visível preocupação, e até uma certa sofisticação, no ângulo que as cenas são filmadas. Uma cena em específico de Memo e de sua filha divididos por muros salienta isso, ou mesmo as cenas em ambientes abertos com paisagens naturais. Algumas mortes inclusive só ganham força no enredo justamente pela forma que a câmera narra o evento.

O Milagre da Cela 7 é um filme forçado, uma insistência em fazer o espectador chorar que, no final, não é uma reflexão ou uma simpatia aos elementos mencionados, está mais para um retalho de outras obras de temas parecidos; e que no final apenas busca o choro pelo choro.

Título Original: 7. Koğuştaki Mucize

Direção: Mehmet Ada Öztekin

Duração: 132 minutos

Elenco: Aras Bulut Iynemli; Nisa Sofiya Aksongur e Celile Toyon Uysal

Sinopse: Conta a história de Memo, um homem excepcional que vive com sua filha e mãe. Com trabalho honesto de pastoreio, a família tenta se manter e garantir a vida para todos. Porém, Memo, em um dia caminhando com suas ovelhas, envolvesse com o acidente de uma garota, filha de um importante general do governo turco. Acusado injustamente e mandado à prisão, onde agora precisa sobreviver em meio aos criminosos, sua família tenta provar sua inocência antes que seja tarde demais.


Trailer:


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