Crítica: O Poço (2019, de Galder Gaztelu-Urrutia)

Buscando uma crítica social ferrenha e direta ao ponto, El Hoyo, ou o O Poço, é a nova compra da Netflix para adição ao seu catálogo. A ideia central da obra, por si só, pode até parecer desinteressante para alguns ou até mesmo batida: em uma espécie de cadeia vertical, uma micro sociedade é dividida em níveis que vão do topo da pirâmide até a base, sendo a ponta dessa pirâmide as pessoas que se alimentam bem, e a base as que nem sequer tem algo para comer. Trabalhada milênios antes do advento da própria sociologia, o debate entorno desse tipo de injustiça social e egoísmo sociocultural data do período socrático e vem se intensificando até hoje, em que nossa pós-modernidade ainda sofre com as mazelas do capitalismo tardio. Baseando-se em todo esse emaranhado de contexto, O Poço, dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, traz à tona tal ponto de vista não de uma maneira única, mas de uma maneira incrivelmente bem construída. 

Seguindo esse raciocínio, o longa se debruça sobre metáforas e alegorias de posição política muito bem definida e coesa; o texto aqui é forte, denso e tem camadas, sabendo trabalhar cada uma delas de maneira lógica e pragmática. Diversas vezes, é claro, tal pragmatismo cai em alguns discursos óbvios sobre a desigualdade. Em outros momentos, no entanto, os twists nos surpreendem, grudando nossos olhos na tela, aspecto positivo endossado pela presença do incrível protagonista Goreng, interpretado pelo carismático Ivan Massagué.


Goreng tem, em sua jornada, um arco que peca somente em seu encerramento. Desde o início, quando ainda sabemos pouco sobre a história, os primeiros planos já são o suficiente para nos afeiçoarmos a ele, que traz uma alegoria sobre educação consigo (que é bem literal também), pois cada prisioneiro tem a oportunidade de trazer um objeto para essa prisão, e Goreng escolhe trazer um livro. São pequenos detalhes dentro de um universo ficcional intrincado que faz com que Goreng seja um personagem com credibilidade, mas também real em suas escolhas, ações e percepções de mundo, que apenas engrossam o caldo do discurso que o cineasta pretendeu transmitir.

O protagonista é então jogado, conosco, nesse antro de injustiça social, e cabe a nós fazermos as descobertas com ele durante os 94 minutos de projeção. Aliado ao ritmo da direção, revelações intrigantes do roteiro e uma excelente montagem, a fita, como citei acima, nos prende do início ao fim, numa viagem que aos poucos fica cada vez mais psicodélica, atingindo um final que poderia, até mesmo, ser um pouco mais alegórico do que é. Esse desfecho, que a todo custo parece buscar ser “aberto”, é uma tentativa falha que ao invés de nos deixar reflexivos sobre a obra, buscando interpretações, deixa-nos apenas com uma sensação de que os roteiristas não acharam nada melhor para encerrar a trama. É um ponto fora da curva do longa, porque, afinal, assume-se que é uma obra direta ao ponto, com alegorias que são facilmente reconhecidas por nós. Desse modo, o arco de personagem e desfecho da narrativa derrapam ao fim do seu clímax, criando, na verdade, um pequeno e ingrato anticlímax.


Para além dos méritos narrativos, há aqui um design de produção extremamente eficiente, que vai desde uma paleta acinzentada, numa excelente fotografia que beira a claustrofobia e a violência, até uma direção de arte que não nos poupa sanguinolência e verossimilhança, casando totalmente com a proposta aqui colocada. Seu nível técnico dá orgulho, uma vez que tenha como mérito ser um produto de origem tipicamente independente, com seus baixos recursos muito bem utilizados em todos os setores da produção, de maneira criativa e bem organizada.

Em todos os seus aspectos somados, O Poço, é claro, é um filme de mensagem, mas seu discurso é sólido na maior parte do caminho. Além disso, a fita consegue ser divertida e um excelente entretenimento e adendo ao catálogo de longas da Netflix. Um suspense que é, no fim das contas, baseado no nosso medo contra o sistema em que vivemos: cruel, opressor, e faminto. Fica, dessa forma, a curiosidade e expectativa para os próximos trabalhos de Gaztelu-Urrutia após sua intrigante estreia na direção.


Título Original: El Hoyo

Direção: Galder Gaztelu-Urrutia

Duração: 94 minutos

Elenco: Ivan Massagué, Zorion Eguileor, Antonia San Juan, Emilio Buale, Alexandra Masangkay, Zihara Llana, Mario Pardo, Algis Arlauskas, Txubio Fernández de Jáuregui, Eric Goode, Óscar Oliver, Chema Trujillo, Miriam Martín, Gorka Zufiaurre, Miriam K. Martxante

Sinopse: Numa prisão de vários andares, uma placa de concreto leva a comida aos detentos que ficam mais acima, deixando os de baixo famintos e desesperados.

Trailer:


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