Octavia Spencer interpreta Madam C.J. Walker: filha de escravos e milionária


      O impacto da série não podia ser pequeno já que conta com Octavia Spencer no papel principal, além de um cuidado estético magnífico da fotografia, figurino e cenário. E embora a série retrate uma história que se inicia em 1908 no sul dos Estados Unidos, o que a torna criativa e original é a escolha da montagem e das trilhas, que são atuais, dinâmicas, modernas. A edição entrega o ritmo instigante e acelerado que os dias atuais pedem, e isso é empolgante.

         O roteiro é inspirado numa história real de uma mulher negra dos Estados Unidos que se chamava Sarah Breedlove e depois de casada – pela segunda vez – se tornou “Madame C. J. Walker”. Trata-se de uma das mulheres pioneiras em empreendedorismo. 

         Sarah recupera um pouco da sua autoestima quando certa vez uma cabeleireira bate à sua porta na tentativa de lhe vender um produto para cabelo. Com o produto desta mulher, Sarah vê seu cabelo crescer saudável novamente já que havia tido uma queda séria. Sendo lavadeira, ganhando míseros centavos por isso, além de apanhar do seu marido, Sarah se abre para aquela cabeleireira entendendo que são amigas. Mas quando se oferece para ser uma de suas revendedoras, a cabeleireira mostra suas garras e diz que ela é apenas uma de suas clientes, além de não querer associar sua marca a uma mulher negra. 

         Além do claro racismo contido na afirmação anterior, a questão também é complexa, já que a cabeleireira é negra também, só que de pele um pouco mais clara e isso a faz não se aceitar como tal. Portanto é interessante que a série dá complexidade mesmo para os vilões e vilãs, muitas vezes explorando suas ambiguidades. 

         Ao longo do desenrolar da história vemos que a rival de Sarah a odeia porque a admira. Tem inveja, mas lá no fundo reconhece a mulher incrível e ótima profissional que é. Lá no fundo, ela sabe também que é tão negra quanto ela. Mas o pensamento racista que a permeia, por mais que possa ser contraditório, é reproduzido por ela porque sua mãe, que também é negra, mas de pele mais escura que a sua, o reproduz também – infelizmente. E quando mulheres negras acreditam num discurso que inferioriza a si próprias, são ainda assim, vítimas, pois não têm noção do quanto isso as menospreza e o efeito que isso causa na sua autoestima. Portanto os personagens são muito bem construídos e profundos. 

         E claro, o machismo é o segundo ponto mais criticado ao longo da série – e realmente deveria ser, já que para aumentar seus negócios na área da beleza, Sarah precisa de investidores homens.

         O mais desagradável é que mesmo durante uma reunião em que ela fala de seus produtos, eles não falam diretamente com ela. Respondem e questionam apenas seu marido, como se ele fosse seu porta-voz. A batalha foi muito grande para que ela finalmente alçasse voo com seus sonhos. Dentre todos esses “homens poderosos”, ela pensou que seria mais fácil começar a se aproximar de homens que fossem ricos, mas negros. No entanto o tiro saiu pela culatra. Dentre as suas inúmeras tentativas, como resposta deles, um tentou estuprá-la e outro se revelou um “esquerdo-macho”. Ou seja, um homem que diz que quer a igualdade de gênero ou, no caso, a igualdade de negros e brancos, mas em uma conversa privada, ele revela-se um machista como qualquer outro homem que o fosse de forma assumida. Seus argumentos são os de que mulheres negras não poderiam ter mais poder e mais dinheiro que os homens negros. Ou seja, aquela imagem de bom samaritano e de exemplo de líder igualitário que ele era para os negros foi destruída aos olhos de Sarah, que descobriu que ele não lutava pelos negros e negras. Só lutava pelos homens negros. E este homem era Booker T. Washington. 

         E claro, todas as traições entre casais que ocorrem ao longo da série se iniciam por atitude dos homens e eles usam a justificativa de que “as esposas não têm mais tempo para eles”. Como se isso fosse motivo e como se isso fosse verdade – aliás, mesmo que fosse não seria uma boa justificativa. 

         A questão é que se veem incomodados quando as mulheres se tornam conscientes da sua força, independência, capacidade e do seu desejo de querer mais. Inclusive do desejo de serem vistas, finalmente, para além dos seus corpos. Incomoda que suas namoradas e esposas sejam livres para ascenderem socialmente e economicamente. Incomoda que sejam bem sucedidas e ganhem mais. Entra em questão, aliás, o que é “ser mulher”. Em determinado momento um personagem do gênero masculino sugere a associação de que o conceito de “mulher”/”esposa” é aquela que cozinha e limpa a casa. E qualquer uma que fuja disso, que tenha atitude para além de fazer qualquer tarefa doméstica, seria a que “usa calças em casa” – outra frase sexista e machista.


         A série é relevante porque traz diversos temas, desde papéis atribuídos a gêneros, representatividade, machismo, sexismo, feminismo e sexualidade. E além de tudo só tem 4 episódios. Talvez por isso tenha mantido a qualidade do início ao fim. É com certeza uma das melhores séries da Netflix. Imperdível. 


Título Original: Self Made: Inspired by the Life of Madam C. J. Walker

Direção: Kasi Lemon e DeMane Davis


Episódios:

Duração: 45 a 49 min

Elenco: Octavia Spencer, Tiffany Haddish, Carmen Ejogo, Garret Morris (…)

Sinopse: Sarah Breedlove é uma mulher negra que trabalhava como lavadeira até perceber que poderia inspirar e empoderar as demais cuidando de seus cabelos. Para isso, ela enfrentará muito machismo, sexismo e racismo. 

Trailer:


E aí? Já maratonou?
Comenta, curta e compartilhe!


Deixe uma resposta