Maria e João: O Conto das Bruxas (2020, de Oz Perkins)

“Cuidado com presentes e com quem fica feliz demais em aceitá-los”. Contos de fadas, tidos como histórias infantis, geralmente tem origens sombrias; documentadas entre os séculos XVI e XVIII, esses contos passam bem longe do típico final feliz.

A Bela Adormecida, por exemplo, não acorda com um beijo de seu príncipe encantado, mas é, na verdade, abusada por ele e, ao dar a luz à gêmeos, um de seus filhos a salva do sono profundo sugando de seu dedo o veneno da roca. Diferente do que estamos acostumados a ouvir, não? Pois é essa raiz macabra que o longa de Oz Perkins busca retomar em Maria e João: O Conto das Bruxas.

Repleto de simbolismos, é trazido para o enredo um debate intrinsecamente feminista sobre como a mulher é vista e tratada na sociedade. Vale lembrar que as bruxas eram pessoas  em sua grande maioria mulheres  acusadas de realizar feitiços e usufruir de poderes sobrenaturais, supostamente obtidos em rituais satânicos e pactos demoníacos.

Não à toa, porquanto, a história gira em torno da lenda de uma menina que, à beira da morte, é levada por seu pai para ser salva por uma “sombra”. E ao tirar a doença dela, deixa algo em seu lugar. E neste ponto você já deve imaginar o que: o poder de ter visões sobre o futuro das pessoas.

Essa história, da menina do chapéu rosa, é a favorita de Maria  e consequentemente do irmão mais novo, João, para quem ela conta a narrativa antes de o garoto dormir. Mas nem tudo são “contos de fadas” na vida dos dois e, como o próprio filme aponta, “a terra é amaldiçoada pelo homem, assim como quase tudo”, e a escassez assola o povoado que ambos moram. 


Maria, então, em uma tentativa desesperada de ajudar a mãe — que se encontra à beira da loucura com a morte do marido — vai procurar emprego com um senhor que a vê como um mero objeto para satisfazer as suas necessidades sexuais, bem como as de seus eventuais convidados. E o fato de a garota se questionar posteriormente se havia algo que pudesse ser feito para evitar tal proposta e de a mãe e o irmão — as pessoas mais próximas à ela e que deveriam ser aquelas que a protegem a todo custo — a julgarem por declinar as insinuações do sujeito, toca justamente no ponto crucial que todas as mulheres vivem ao menos uma vez na vida: sua credibilidade e dedicação no trabalho ou função que desempenha ser reduzida à basicamente zero e, ainda sim, ter sido tão condicionada a se considerar a culpada que busca entender o quê em seu comportamento poderia ter gerado tal assédio; culpa que só é reforçada pela sociedade que sempre tende a ver a vítima como a provocadora de sua situação.



Sendo obrigada a fugir com o irmãozinho, os dois acabam por se deparar com uma misteriosa senhora, com segredos ainda mais misteriosos. E como “não se ganha nada sem dar algo em troca”, a tensão que se cria ao longo de todo o longa é: o que eles vão precisar dar em troca? É seguro confiar em alguém que aparece bem quando você mais precisa?


Com uma estética minimalista e analogias e simbolismos tecendo cada momento do filme, Maria e João: O Conto das Bruxas, se constrói como uma espécie de homenagem a todas as mulheres, as bruxas de outrora, que precisam entregar o triplo de esforço, dedicação e comprometimento de um homem para se provar, além de manter-se forte para se impor quando necessário e, ainda sim, ser alvo de comentários, dúvidas, críticas, assédios e violências de todos os tipos. Não à toa as consideradas “bruxas”, nos séculos passados, eram afastadas ou queimadas publicamente a ponto de mais de 75% dos casos na Europa terem sido de perseguição feminina. 


No quesito da direção de fotografia os planos são artísticos e muito bem montados, com a combinação perfeita entre precisão técnica, luzes alaranjadas e um ótimo trabalho do design de produção.


As atuações também não deixam a desejar, trazendo personagens mais complexos do que deixam a parecer em um primeiro momento e uma caracterização que casa perfeitamente com o que foi proposto. E para os fãs de IT- A Coisa e ansiosos para rever a intérprete da Bev criança em I’m Not Okay With This, Sophia Lillis dá vida, neste longa, à personagem principal.

Um único ponto que talvez poderia ser melhorado é o fato de ter começado a construir um terror psicológico com a maestria de A Bruxa e não conseguir entregar toda a tensão e medo que prometia. 

Título Original: Gretel and Hansel


Direção: Oz Perkins


Elenco: Sophia Lillis, Alice Krige, Jessica De Gouw, Sammy Leakey e Charles Babalola


Sinopse: Desta vez, as migalhas nos guiam por um caminho muito mais sombrio e perturbador. Durante um período de escassez, Maria e seu irmão mais novo, João, saem de casa e partem para a floresta em busca de comida e sobrevivência. É quando encontram uma senhora, cujas intenções podem não ser tão inocentes quanto parecem, que eles descobrem que nem todo conto de fadas tem final feliz.


Trailer:


E vocês, bruxinhas e bruxinhos amantes de terror? O que acharam de Maria e João? Deixa aí embaixo nos comentários. 





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