Crítica: O Farol (2019, de Robert Eggers)

Um dos filmes mais esperados pra esse fim de década, O Farol, só chegou ao Brasil na primeira semana de 2020, dois meses e meio depois da estreia mundial, graças a distribuição que deixa de pensar no interesse do consumidor como outrora em nosso país. Poucos anos atrás, por conta do combate à pirataria, produtoras vinham lançando filmes com no máximo seis dias de diferença com o lançamento no país de origem, quando às vezes não estreavam com antecedência, como aconteceu por exemplo com gigantes da Marvel, Capitão América: Guerra Civil Thor: Ragnarok, que estrearam oito dias antes por aqui. Com a baixa na procura por downloads ilegais, as distribuidoras puderam voltar com a sua prática comum de jogar as estreias para semanas ou meses à frente, buscando uma melhor renda em território nacional e escapando dos blockbuster que costumam consumir quase todo o mercado.
Entrando especificamente na obra, ela conta a história de Ephraim Winslow (Robert Pattison), um homem em busca de emprego que aceita trabalhar de assistente do veterano faroleiro Thomas Wake, interpretado por Willem Daphoe. Tudo parece um simples período de trabalho por muito dinheiro para o jovem, mas o isolamento, e as proibições impostas por seu patrão, transformam as breves semanas do rapaz em uma saga psicológica que o faz enfrentar traumas nunca antes confrontados. 

A forma que o diretor Robert Eggers retrata o isolamento destes dois homens através da escolha da fotografia em P&B, é uma das melhores escolhas para esse estilo que eu já vi, me remetendo a Madre Joana dos Anjos (1961), filme icônico polonês que virou um clássico por conta da atuação de sua protagonista e de sua bela fotografia, que trabalha o contraste do preto, do branco e dos tons de cinza perfeitamente. 

Aqui em O Farol, vemos uma cena colocada de maneira sutil logo no começo do filme, que mostra a água suja (preta), virando água limpa (branca), para mostrar a importância que este contraste trará para a trama, tanto no texto, quanto no subtexto. Além também de trabalhar muito bem com as sombras e as grandezas que ela pode causar na impressão. Toda essa maestria técnica, ajuda também no clima de suspense e terror, que assusta facilmente com cenas simples, apenas escondendo objetos fáceis de serem vistos quando filmados de outra maneira ou outro ângulo, além de dificultar a compreensão do que está posto em tela, fazendo com que o espectador peça por cenas cada vez mais vagarosas, e câmeras paradas para que possamos reparar em cada detalhe posto em cena, tentando desvendar o que está atrás do clima de mistério instaurado no filme através também da ótima trilha sonora de Mark Korven, que demonstra na segunda parceria com o diretor um ótimo “trilheiro”, ao menos para esse tipo de projeto.

Toda a cinematografia bem encadeada com a trama, vai se desenvolvendo de maneira truculenta, mas sem cometer nenhum tipo de falha. Tudo que acontece em cena, acontece por uma razão e pra uma razão, e os dois primeiros atos vão passando de maneira incômoda, mas deixando a sensação que gostaríamos de aproveitar ainda mais esse incômodo, que o filme não precisava caminhar para o seu fim e que poderíamos curtir este incômodo por horas a fio apenas observando o ótimo filme em tela e as maravilhosas atuações dos protagonistas, que mereceriam uma crítica à parte. 

O cartaz apresentado no começo do post, cita a Empire (tradicional revista de cinema britânica) “As melhores atuações da carreira de Pattison e Dafoe”.  A frase taxativa da revista, pode muito bem estar correta. No caso de Robert Pattison, nenhuma das atuações que vi de sua carreira chega aos pés da performada aqui. Em outros grandes papéis como em Z: A Cidade Perdida ou High Life, ele aposta na apatia blasé desenvolvida nos filmes em parceria com o diretor dinamarquês David Cronenberg para trazer atuações sólidas e de destaque, mas nada que aparente que ele conseguiria entregar um personagem tão corajoso como o que ele interpreta aqui. 

Agora, quanto a Willem Dafoe, o sarrafo é muito mais em cima. O ator já fez o melhor Jesus Cristo do cinema, no filme de Martin Scorsese, A Última Tentação de Cristo, têm quatro indicações à estatueta do Oscar, e muitos outros grandes trabalhos como em Mississipi em Chamas, A Vida Marinha de Steve Zissou, Manderlay e tantos outros. Mas ouso dizer que concordo com a opinião da revista. Este aqui é o auge do nosso eterno Duende Verde. Dafoe se submete a um papel que dificilmente outro ator de sua geração se submeteria, mostrando mais uma vez o seu interesse em crescer na arte da atuação. Sinceramente, não consigo lembrar de outro ator com mais de cinquenta anos que tenha tanto interesse em participar de produções ousadas como este aqui, e seria uma injustiça se ele não fosse lembrado nas principais premiações de cinema.


E a química entre os dois personagens é o que sustenta o filme e toda a sua técnica, sem estes dois atores, não existiria filme. Ponto para o estúdio A24, e para o produtor brasileiro Rodrigo Teixeira que fizeram parte da escolha dos dois. São eles em tela o tempo todo, sem apoio de nenhum outro personagem e eles se sustentam numa dinâmica corpórea única que culminam nos textos dados a Dafoe, que celebram ainda mais sua atuação icônica.
O todo só não é perfeito, por que a história em relação a todos os outros aspectos do filme se mostra muito simples, apesar de aberta à algumas interpretações. Sem dar muitos spoilers, ela realmente se resolve apenas como um conto de marinheiro, e nesse ponto é menos criativo que o roteiro de seu “antecessor” A Bruxa, que consegue trabalhar um pouco menos nos aspectos cinematográficos que este longa, mas que tem uma história, muito mais simbólica e interessante, até fazendo o própria longa depender menos das boas atuações (pelo menos é a impressão que eu fiquei a assistir o filme somente uma vez).

No geral é um filme que vale a recomendação para assisti-lo no cinema, mesmo que já o tenha visto por meios menos tradicionais, sua mise en scène é espetacular e lembra muito um teatro filmado da maneira mais criativa possível. 

Título Original: The Lighthouse


Direção: Robert Eggers


Duração: 110 min

Elenco: Robert Pattison e Willem Dafoe


Sinopse: Início do século XX. Thomas Wake (Willem Dafoe), responsável pelo farol de uma ilha isolada, contrata o jovem Ephraim Winslow (Robert Pattinson) para substituir o ajudante anterior e colaborar nas tarefas diárias. No entanto, o acesso ao farol é mantido fechado ao novato, que se torna cada vez mais curioso com este espaço privado. 

Trailer:


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