Crítica: Outlander – 1ª temporada (2014, de Ronald D. Moore)

Lançada em 2014, Outlander é uma série europeia que trata de temas históricos. Baseada nos livros da bióloga Diana Gabaldo, a história narra os acontecimentos que giram em torno do desaparecimento da protagonista, Claire Randall, que é jogada duzentos anos no passado, do pós-Segunda Guerra para a guerra civil escocesa. Em meio ao caos das batalhas, Claire precisa lidar com todo o ambiente diferente do que está acostumada e arranjar alguma forma de voltar para casa, para seu tempo e reencontrar seu marido.
Outlander, de início, possui uma premissa interessante, a mágica de viajar no tempo, quando bem centralizada e não colocada como algo possível e de fácil acesso, é encantadora e capaz de gerar inúmeras dúvidas sobre como ela é possível ou se pode ser repetida. A história consegue brincar com esse ponto, deixando pistas não muito precisas sobre como os elementos do universo precisam, ou não, se posicionarem para que o tempo possa ser dobrado. Pelo menos na primeira temporada, nossas pistas sobre tal evento nos são fornecidas através de antigas canções, ou lendas de outras pessoas que já passaram pela mesma coisa que Claire.

Para contextualizar essa mudança drástica de tempo, a série lança de excelente ambientação, filmando inúmeras cenas em locais abertos e, consequentemente, apostando bastante na luz natural. Ainda, com figurinos, mobília e objetos da época, temos a sensação perfeita de estarmos vendo uma Escócia do Século XVIII, o que ajuda e muito nas sensação de “forasteira” que querem passar através de Claire vivendo em um tempo que não é seu, com costumes e regras que não mais são cabíveis para ela, uma enfermeira do Século XX. 

Podemos sentir tais pontos já na abertura, que consegue capturar muito bem o clima da série, assim como mostrar pontos importantes do enredo da temporada numa instigante montagem de cenas. Mas, acima de tudo, pelo clima da cultura celta e dos rituais que ganha o coração de quem assiste. Também aponto atuações realmente talentosas de quase todos os atores, principalmente de Caitriona Balfe, que vive a protagonista. De todos os pontos que cativam, a protagonista é aquele que mais prende a atenção, visto que queremos saber qual a jornada dela, e se há a possibilidade dela voltar para o seu tempo presente, ou mesmo se assim ela ainda deseja.


Enquanto temos esse embate, no desespero da personagem em arranjar uma maneira de chegar até o círculo de pedras que a jogara no passado, a série caminha com determinada naturalidade, realmente mostrando a que veio e dando um show de qualidade técnica. Mas, infelizmente, paro os elogios por aqui. De todos os pontos positivos citados, e que reitero a qualidade deles, também reitero que a série conseguiu escorregar, e feio, dentro de outros parâmetros mesmo mantendo suas qualidades.
Tudo começa com a situação romântica entre Claire e Jaime. Tudo tem um sentido lógico, mesmo que mesclado com fantasia, para reger as decisões dos personagens, até o momento em que a relação entre o casal protagonista atinge seu clímax. Vamos de uma Claire valente, independente e estrategista; tramando dos mais variados planos para retornar ao seu tempo, para uma Claire que aceita determinadas posições submissas em nome de seu novo amor. Que fique claro, a série coloca que como uma mulher do século XX, Claire precisa fingir e aceitar determinados costumes do século XVIII para conseguir sobreviver, incluindo retroceder alguns vários passos de seu empoderamento, mas também caminha na direção oposta desse dilema interessante quando vemos a mesma personagem abandonar sua vida contemporânea por Jaime.

Não há como colocar em um plano lógico a ideia de uma mulher, enfermeira que serviu em frontes de batalha na Segunda Guerra Mundial, intelectual e estudada, criada pelo tio arqueólogo que a fez viajar pelo mundo…, enfim, decidir ficar em um período em que os direitos das mulheres são bem mais suprimos ou inexistentes, tudo por conta de um amor ao ruivo rebelde musculoso. De forma análoga, é como uma personagem decidir ficar em uma distopia teocrática por conta de um amor recém despertado.

Não paro por aqui. Além de ser um relacionamento recente, também vamos colocar que é uma época em que vários elementos de higiene pessoal não foram assimilados em uma questão social macroscópica. Ou seja, estamos falando de um período em que pessoas mal tomavam banho, ou sequer escovavam os dentes. O ato de beijar, para Claire, envolve beijar pessoas que não têm a mesma noção de higiene que ela. Outlander passa um belo pano nessas questões para forçar um romance atemporal, o que entra em contraste com a tentativa de ambientação realista apostada na série. Portanto, para uma série que aposta em conflitos de tempos diferentes, encontra seu grande problema justamente nos pequenos, e grandes, detalhes ocasionados por anacronismos. 

Outro ponto é a tentativa de mostrar a cruel realidade de torturas, violências dos mais variados tipos, principalmente a violência sexual, guerras, fome…, pontos bem pertinentes, mas que em alguns momentos geram desconforto não pela natureza clara que estes gerariam. Há uma cena em que Jaime espanca Claire, dando palmadas em sua bunda, como forma de castigo por ela, como esposa, ter desobedecido e colocado o grupo de highlanders em perigo, tudo isso ao som de uma música engraçada, tentando dar um tom de comédia. 

Em outra cena, Jaime é torturado e transformado em um objeto sexual de Randall, o vilão da temporada. O intuito do arco era, provavelmente, mostrar que a crueldade não possuía limites quando encontrava questões de hierarquia, ainda mais em uma Escócia em guerra de independência, mais ainda no Século XVIII. Porém, o que temos é uma demonstração nada reflexiva do que beira ao fetiche sadomasoquista e abusivo de alguma pessoa, seja lá quem ela for. A crítica escapa da produção da série e atinge o bizarro e o desnecessário, colocando em cheque qual é a verdadeira intenção da série em querer exibir cenas constantes, e cada vez mais intensas, de estupros.



Por fim, a atuação de Sam Heughan. Ao passo que, como dito anteriormente, os outros atores dão um show de atuação, principalmente Caitriona Balfe, o ator que vive Jaime não é um desses exemplos. A impressão que fica é a de que precisavam de um ator para ser o galã da história, seguindo as descrições perfeitas de Diana Galbado ao imaginar o highlander musculoso, ruivo e protetor. Colocado com os pontos anteriores, temos uma linha tênue entre uma imaginação ganhando vida e a mera escalação do ator como um fetiche, sexualizado ao extremo. Oras, com toda certeza não é a primeira vez, nem a última, que alguém é escalado para o papel por características físicas, contrastando com as características profissionais da pessoa, mas acho que nesse caso o papel fica parecendo tão instrumentalizado e sexualizado quanto o possível. Até um pouco mais.

Outlander é uma série de excelente produção, quando estamos falando exclusivamente de fotografia e figurino; e contando com a atuação de grande parte do elenco. Mas o enredo da série toma rumos obscuros que fogem de uma proposta de contraste entre horizontes temporais e, na realidade, atinge o bizarro e o desnecessário. Claro, há uma possibilidade de melhora nesses mesmos pontos visto a continuidade da produção por, até então, cinco temporadas, mas Outlander tem um começo nada animador e nada cauteloso. 


Título Original: Outlander
 

Direção: Ronald D. Moore


Episódios: 16


Duração: 50 minutos


Elenco: Caitriona Balfe, Sam Heughan, Tobias Menzies, Annet Badland e outros


Sinopse: Claire (Caitriona Balfe), uma enfermeira da Segunda Guerra Mundial que tenta se reaproximar de seu marido Frank (Tobias Menzies) após o término do conflito. Durante um passeio, Claire descobre por engano um portal e acaba transportada para a Escócia no ano de 1743, completamente longe de sua realidade. Lá ela conhece Jack Randall, o perigoso antepassado de seu marido, e Jamie Fraser (Sam Heughan), por quem acaba se apaixonando.
Trailer:




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