Crítica: Bacurau – com SPOILERS (2019, Kleber Mendonça e Juliano Dornelles)


    Bacurau, longa-metragem dirigido por Juliano Dornelles e Kleber Mendonça traz uma história que, como aparece logo no início do filme: se passa “daqui alguns anos”. 

  Claro que existe diversas interpretações sobre um mesmo filme, então seguindo essa lógica, digo a minha. Assisti no Festival de Gramado. O filme foi convidado para abrir o Festival. Um filme como Bacurau tem realmente muito peso, sendo provavelmente o filme brasileiro mais esperado do ano! Aclamado lá fora, em outros países e em outros grandes festivais, e agora é aplaudido em seu próprio país!

   Kleber e sua equipe subiram ao palco, e o diretor foi bem sucinto. Em poucas palavras falou seu nome, soltou a incrível informação de que Bacurau nasceu há 10 anos e que foi se desenvolvendo ao longos destes, até que chegasse a hora de produzir. E que ele teve ao seu lado os melhores colegas para ajudar na concretização do mesmo. 
   Além disso, disse que passaria o microfone para que cada um dos integrantes dissesse seu nome e sua função, pois todos ali eram profissionais do audiovisual e mereciam seu reconhecimento e respeito. Todos deram sua palavra rapidamente e sem mais delongas, finalmente o público tomou contato com essa obra densa, profunda e muito original. 








   Senti que o filme tem muitas influências western Além de deixar um resquício de Mad Max em alguns planos em que fazem o uso do zoom. E claro que lembraria filmes neste estilo citado, já que o cenário é quente e contém algumas paisagens secas, vegetação rasteira, retorcida… Bacurau é um filme que mostra nosso sertão brasileiro em conjunto com a caatinga tão característica do nordeste. E isto é apenas uma das muitas coisas marcantes, e que tornam o filme tão nosso.  

  O filme tem efeitos visuais incríveis e conta com uma parte de elenco estrangeiro também. E, como disse, é possível interpretar as obras cinematográficas de muitas formas e em muitos níveis. A que me veio é a de que os políticos brasileiros “venderiam” o Brasil para o mundo lá fora – em especial aos Estados Unidos, pois há uma certa idolatria do Brasil à essa cultura norte-americana. 

   Então os políticos daqui venderiam tudo do nosso país (nossas matas, rios, nossa gente, nossa cultura) em busca de ter cada vez mais dinheiro, mas também em busca de uma espécie de “aceitação”/”aprovação” por parte dos demais países. Países que podem até serem europeus, mas principalmente o país dos Estados Unidos. Quase como se, por exemplo, o Brasil fosse uma espécie de criança querendo entrar para um grupinho de outras crianças “maiores”. O Brasil acredita que vendendo os valores do seu próprio gênesis vai ser aceito, acolhido e respeitado como igual por outros países com alto poder e desenvolvimento. 

  Vemos isso especialmente numa cena em que um dos personagens brasileiros diz aos americanos: “Nós somos mais parecidos com vocês do que com o pessoal que é brasileiro e é dessa região, porque somos do sudeste. Somos brancos como vocês. Decendentes de italianos, alemães (…)”. Mas ao se render à essa estúpida, racista e rasa tentativa desesperada de “pertencer a algum grupo”, esses dois personagens brasileiros acabam não conseguindo o respeito desejado. Muito pelo contrário: evidencia que não se trata de um país/povo unido e com orgulho da diversidade do seu povo, da sua cultura e história.  Até porque quem busca ser respeitado deve respeitar a si próprio. E o desprezo e a zombaria que a nação dos Estados Unidos sente fica evidenciada na resposta que os personagens americanos dão. São personagens que me parecem representar os Estados Unidos. E estes soltam o seguinte comentário (também racista): “Se acham parecidos como nós? É… Vocês até parecem ser brancos. Mas não são brancos como a gente. Por exemplo, os lábios dela e seu nariz delatam a sua origem. Não é a mesma que a nossa”. Portanto fica claro que, por mais que aqueles dois personagens brasileiros quisessem se diferenciar dos demais brasileiros, pois eram brancos e de outra região, eles nunca serão aceitos como “iguais” pelos americanos do filme. Por mais que “sejam de outra região do Brasil, tenham outra cultura (…)”, sempre serão parte do mesmo “povo inferior” aos olhos dos vilões estrangeiros. 

   E os americanos no filme vêm ao Brasil não só porque foram pagos para isso, mas porque buscam “resolver” seus próprios conflitos internos. Querem matar seus fantasmas da pior forma possível, porque não poderiam nunca fazer o que fazem aqui, em sua amada terra, já que não há nada que um estadunidense ame mais do que o seu Estados Unidos. Embora não seja um povo tão unido e tolerante quanto pensam que são, todos eles amam seu país (inclusive de uma forma problemática).

    
    O pensamento que parece pairar entre os vilões do filme é o de que “é muito mais fácil matar e destruir a “casa” de um povo que você, assassino, não conhece, ou pelo qual você não nutre qualquer tipo de afeto, do que destruir a sua própria casa, o seu próprio povo. Até porque quando é a sua gente geralmente “dói mais”. Pelo menos para um povo que parece unido e orgulhoso de sua pátria como os Estados Unidos tenta parecer. E já tivemos demonstração prática disso em episódios reais e históricos, infelizmente. Muitas vezes, pelos motivos mais absurdos possíveis, estadunidenses invadiram países alheios e promoveram verdadeiras chacinas. Leia-se aqui um dos exemplos: Vietnã.

   Os americanos do filme utilizam o Brasil como uma espécie de paintball, com o pequeno detalhe de que os tiros são de fato algo real, que atravessa corpos e vidas. E faz isso ao estilo Black Mirror, com drones, e situações absurdas de cortar a luz do povoado de Bacurau, restringir água… Tudo para a “brincadeira” ficar mais interessante. 
  O vazio dos personagens americanos lembra também o fim de Nascido Para Matar, de Kubrick, em que após todo o estrago feito em país alheio, só o que os soldados sobreviventes conseguem pensar é: “Quero voltar pra casa e fazer sexo”. Como se nada tivesse acontecido. Como se a rotina de matar pessoas não deixasse qualquer peso em sua consciência simplesmente porque não eram pessoas conhecidas ou sequer do seu próprio país. Cena semelhante é observada em Bacurau, após dois personagens americanos matarem um casal. Os americanos, cheios de adrenalina comemoram fazendo sexo. 

  Muitas vezes, aqui no Brasil, o que nos mata é justamente sermos divididos, não termos compaixão, respeito e solidariedade pelo outro brasileiro ao nosso lado. Parece que há uma dificuldade de perceber que o outro somos nós. E que o problema de um é o de todos. E talvez por isso que Bacurau é um filme em que temos uma espécie de “mudança de personagem principal”. Nunca ficamos muito tempo com o mesmo personagem. Acompanhamos vários em diferentes momentos. Acho que porque se trata de um coletivo lutando em prol de uma coisa que deve ser para todos: o direito de viver dignamente e de ser respeitado pelos demais. E acho que uma das lições que o filme traz é que a união faz a força. Aquele povoado “escondido” no meio do Brasil precisa lutar para sobreviver já que não podem contar com seu prefeito e muito menos com seu governo. Eles só tem eles mesmos. Vivem de maneira livre e em perfeita harmonia, de forma simples e humilde. E quando se vem atacados por uma força que desconhecem, é preciso recorrer à violência para se defenderem. 

  Pouco a pouco aqueles cidadãos vão sendo esquecidos. Não têm mais água, eletricidade… E inclusive a cidade não mais aparece no mapa. Isso traz a metáfora de que pequenas comunidades são apagadas, esquecidas, negligenciadas por forças maiores governamentais que não ouvem suas necessidades. “Esquecem” que existem, investindo geralmente apenas no sudeste. Deixando para trás um país que é tão grande e diversificado. 






Título Original: Bacurau 

Direção: Juliano Dornelles e Kleber Mendonça


Duração: 132 minutos

Elenco: Sônia Braga, Udo Kier , Bárbara Colen, Thomas Aquino, Silvero Pereira, Thardelly Lima, Rubens Santos, Wilson Rabelo, Carlos Francisco, Luciana Souza, Karine Teles, Julia Marie. 

Sinopse: A cidadezinha de Bacurau é apagada do mapa, bem como aos poucos os recursos primordiais para a sobrevivência vão sendo cortados: a água, a eletricidade e a comunicação com o mundo exterior. O pequeno povoado deve se manter unido para descobrir qual é a ameaça e derrotá-la.


Trailer:
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