Crítica: Divino Amor (2019, de Gabriel Mascaro)

Em
seu mais recente longa, Gabriel Mascaro, diretor de Boi Neon, tenta nos
mostrar um Brasil do futuro recente, realizando um exercício de imaginação
sobre como seria nosso país em poucos anos. O cenário ao qual somos apresentados
não é o das invenções mirabolantes, o das megacorporações que ditam a política
mundial, ou dos robôs hiperinteligentes. O cineasta propõe um Brasil obcecado
com a fé religiosa, mercantilizada, que supervisiona os âmbitos público e
privado da vida civil. Entretanto, sua tentativa cai por terra, pois Mascaro
parece mais interessado em satirizar seu delicado e complexo objeto que fazer
algum tipo de pergunta ou reflexão.



É
conhecido que a ficção científica nunca foi sobre o futuro, e sim sobre o tempo
atual à própria obra, especialmente no que se trata das distopias. Os maiores
autores do gênero, sempre se utilizaram do futuro como meio de falar dos horrores
do agora, e Divino Amor, nesse caso, não é diferente. Fica óbvia aqui a
preocupação do cineasta com a ascensão da religião dentro da política e sua
ameaça à laicidade do Estado. Desse modo o cineasta nos faz acompanhar um breve
período na vida de Joana, uma burocrata, funcionaria de um cartório, que se
utiliza de sua posição para impedir que casais divorciem-se e convertê-los à
sua Igreja: a Divino Amor. Entretanto, a própria passa por dificuldades dentro
do casamento, fracassando na tentativa de ter um filho, que surge aqui como a
promessa da proximidade com Deus.



O
filme elabora um mundo legitimamente interessante: da rave evangélica aos
cartórios e a igreja. É instigante buscar compreender a funcionalidade desse
mundo, mostrado ao espectador através do cenário e dos detalhes. O diretor, ao
lado de seu fotógrafo, Diego Garcia, trabalham com contrastes, especialmente
entre o ambiente burocrático, cinza e brutalista, e o religioso, colorido,
neon, estilizado. Buscam, desse modo, retratar os ambientes religiosos com
certa artificialidade nauseante, lembrando o espectador de que a fé nesse mundo
é o maior produto de todos, absolutamente mercantilizada.



Por
mais instigante que seja o universo do filme, contudo, não demora para que
percebamos os caminhos óbvios pelos quais ele decide andar. Torna-se cada vez
mais previsível e expositivo, mas, principalmente, acaba caindo nas próprias
ciladas. O longa se interessa mais em expor as contradições e hipocrisias da
sociedade religiosa, satiriza-la, que no desenvolvimento dramático. Assim, tem-se
uma impressão nítida de repetição, na medida em que cada cena parece apenas
querer acentuar mais esses elementos. 



Pouca coisa realmente nova é apresentada,
na medida em que o filme torna-se mais uma grande gag. Obviamente é
importante apontar essas contradições, ainda mais em tempos como os que se
vivem hoje, mas o Divino Amor não faz nada, nenhuma reflexão ou
pergunta, em cima delas. Há, um dado momento, por exemplo, que Joana aguarda em
uma fila de carros para passar ao lado de um pastor para fazer uma prece
rápida. Não satisfeito com isso, o plano abre para uma placa dizendo “Drive-Thru
da Oração”, provocando o riso, evidenciando sua intensão de apenas tirar sarro
de seu objeto.



Enfim,
o filme de Gabriel Mascaro está repleto de boas ideias e conquistas técnicas,
mas nunca atinge seu verdadeiro potencial. Buscando, ao mesmo, tempo satirizar
sua sociedade e ser uma distopia séria, o filme não faz nem um nem outro. Preocupa-se
mais em dar-nos respostas e confirmar as próprias crenças que em fazer-nos
perguntas, esquecendo de sua narrativa e ficando cada vez mais previsível e
monotônico, não mostrando nada realmente novo. Apesar de sua estética
exuberante, Divino Amor
 acaba se perdendo nos próprios delírios de
grandeza.



Título Original: Divino Amor


Direção: Gabriel Mascaro

Duração: 121 minutos

Elenco: Dira Paes, Júlio Machado, Teca Pereira, Emílio de Mello, Thalita Caruata, Mariana Nunes

Sinopse: Joana, uma escrivã de cartório, usa sua posição no trabalho para salvar casais que chegam para se divorciar. Ela faz de tudo para levar os clientes a participarem de uma terapia religiosa de reconciliação no grupo “Divino Amor”. Tudo é em nome de um projeto maior para a manutenção da família sagrada dentro da fé e da fidelidade conjugal.

Trailer:

Gostou do texto? Deixe nos comentário sua opinião sobre o filme para que possamos debater 😉

Deixe uma resposta