Crítica: O Rei Leão (1994, de Roger Allers e Rob Minkoff) Um marco na infância de toda uma geração!

*Texto atualizado em 22/07/2019



25 anos se passaram, as crianças da época cresceram, o mundo é outro com a internet, o celular e todas as crises atuais. Surgiu um remake hiper-realista deste clássico. Mas O Rei Leão original continua imbatível como um dos maiores marcos da história cinematográfica e das animações infantis. Toda uma geração de crianças (onde me incluo) foi marcada pela bela e trágica jornada de Simba. Assim como também os adultos puderam vivenciar e se encantar com uma das mais maduras produções do gênero, que talvez dialogasse mais com os mais velhos do que com as próprias crianças. Vamos voltar no tempo e recordar este clássico atemporal.

Primeiro alguns fatos: o ano era 1994 e O Rei Leão chegava aos cinemas arrastando multidões para a entrada da sala de exibição, todas elas saindo em lágrimas, marcadas pelo que acabaram de ver. Naquela época, o filme se tornou a segunda maior bilheteria de todos os tempos, perdendo apenas para Jurassic Park de 1993. Parte do sucesso deve-se ao clímax das animações em 2D da Disney nos anos 90, que bombavam desde 1989 com A Pequena Sereia, passando por A Bela e a Fera e Aladdin, até chegarmos aqui nessa obra, o ápice dessa Era. E até 2003 foi a maior bilheteria da história das animações. De lá pra cá vários sucessos surgiram com as animações de última geração em 3D, como Frozen, mas O Rei Leão continua em ótima colocação. Levando-se em conta que é uma animação no velho estilo em 2D e desenhada à mão, é muita coisa. E um fator que o ajudou a se manter no topo foi seu relançamento em 3D em 2011. 





Outro fator interessante é que ele é uma das maiores bilheterias de todos os filmes de todos os tempos. Pense em todos filmes de sucesso que existem. Notou como isso não é pouca coisa? Também é o filme que mais vendeu VHS (a velha fita cassete) e DVD’s. É a trilha sonora mais vendida dentre as animações. Segue como um dos filmes mais elogiados, aplaudidos e amados pela crítica, assim como pelo público unânime. 


Em 1995, ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme Comédia ou Musical e na suas indicações ao Oscar ganhou de Melhor Trilha Sonora de Hans Zimmer e Melhor Canção Original para Can You Feel the Love Tonight de Elton John e Tim Rice, além de outras canções também terem concorrido nesta categoria. Gerou duas continuações inferiores, mas de relativo sucesso com a criançada, séries animadas, jogos, uma famosa peça musical na Broadway que está em cartaz desde 1997 e um filme “live-action” (na verdade uma animação que simula uma realidade perfeccionista) que está em exibição no mundo todo. O que levou a este sucesso todo?











São vários os fatores que levam a um sucesso à prova de crítica e do tempo. Começando pelo roteiro, que bebeu de várias fontes para contar a história, pois sabe-se que O Rei Leão veio da junção de diversas tramas. A primeira seria a obra Hamlet de Shakespeare, onde um irmão invejoso usurpa o trono do Rei e o príncipe precisa lutar para tomar seu trono de direito. Outra fonte foi o mangá e animação japonesa (anime) dos anos 60 Kimba, O Leão Branco, onde mostra o leão Kimba tentando reinar a selva após perder sua família. O anime é tido como obra-prima japonesa, pioneira neste tipo de desenho, foi responsável por ajudar a trazer animações orientais para as Américas e foi o primeiro seriado animado colorido da história do Japão. Também é lembrado como uma animação triste e um tanto adulta e violenta.


A terceira fonte de inspiração seria a Bíblia. Primeiro, a jornada de Moisés, que retornou ao Egito para libertar seu povo, mesmo se sentindo despreparado. E a outra inspiração seria José, também da Bíblia, que é traído pelos irmãos e vendido como escravo, onde chegou no Egito e lá se destacou como homem de confiança. Futuramente ele perdoou e ajudou sua família em um momento de crise na nação. Trazendo elementos de todas estas fontes, a equipe de roteiristas tornaram esta animação em uma história forte e de grandes lições.



Já na abertura, temos uma das mais belas sequências iniciais de toda sétima arte, com os animais caminhando rumo à Pedra do Rei, onde o filhote e herdeiro será apresentado. A canção Ciclo da Vida não é apenas bela, mas estabelece a principal mensagem do filme. É algo realmente inesquecível, arrepia a alma, o filme já “lhe quebra ao meio” nos 5 minutos iniciais. Conhecemos assim o belo reino de Mufasa, um Rei imponete, mas bondoso, que acaba de ter seu filho Simba e começa a ensinar a ele as lições e responsabilidades que o cargo de Rei incluem. Conhecemos o invejoso Scar (cicatriz em inglês, pela marca que ele tem no olho), irmão de Mufasa e que arquiteta roubar seu trono. Ele tem um exército de hienas e as rege com táticas semelhantes a nazistas ou um golpe militar, inclusive numa cena musical Se Preparem onde elas marcham e ele canta uma maldosa melodia, exalando superioridade e articulação.





Após o plano em ação e a tragédia feita, o antes corajoso, irresponsável e um tanto egoísta Simba agora está à beira da morte no deserto. Até ser salvo e adotado por Timão e Pumba, que lhe ensinam a viver sem preocupações, sob a canção Hakuna Matata. Mas ao encontrar sua destemida amiga de infância Nala, se apaixonar por ela e saber que o povo sofre, Simba precisa achar o equilíbrio para libertar seu povo. Mas como fazer isso se o passado dói e ele acredita ser o responsável pela morte do pai?


Com um enredo desses, é até difícil pensar ser um filme infantil. Mas o que suaviza a trama e garante a atenção das crianças é o belíssimo colorido da animação, com esboços tão bem desenhados à mão pela equipe artística que em momentos remete à savana de verdade, mesmo que belamente cartunesco. As paisagens e a fotografia enchem o olhos com paleta de cores quentes, as várias espécies de animais tem movimentos realistas, resultado de anos de estudos onde os artistas observaram o comportamento dos animais. A cena da debandada dos gnus demorou 3 anos para ser terminada, mas teve um resultado marcante, com diversos gnus correndo, suas sombras no chão, poeira levantando e um desfecho marcante.

As belas canções escritas por Elton John e Tim Rice agradam tanto as crianças quando mais divertidas; quanto também emocionam a adultos em melodias mais profundas. A inesquecível Can You Feel the Love Tonight não apenas ganhou o Oscar, como faz parte das mais memoráveis baladas dos anos 90, está em qualquer playlist da época. A canção embala o romance de simba e Nala, numa sequência de cenas que é bela e há uma sutil construção de sedução e cena de amor entre eles (ousado). A já comentada canção da abertura Cicle of Life é poética e cheia de interpretações dentro e fora do filme.


Hakuna Matata é contagiante, se tornou um ícone pop e te faz querer celebrar a vida. Junto destas músicas, a trilha sonora de Hans Zimmer causa impacto, emociona e torna o filme uma experiência sonora à parte. Além de certos momentos das faixas trazerem elementos sonoros típicos da África, também remetem à algo majestoso, épico e pomposo. Sem falar que Timão e Pumba é a dupla de coadjuvantes mais carismática e amada de todos os tempos. Suas piadas funcionam e nos importamos com eles devido ao seu bom coração quando adotam Simba.

A direção de Roger Allers e Rob Minkoff é ágil, eles conseguem fazer enquadramentos de câmera e plano-sequências incríveis, algo difícil nesse tipo de animação. As tomadas aéreas dão uma ampla sensação de espaço, parecendo que estamos realmente no coração da África. Na sequência dos gnus, temos antes uma criação de suspense sufocante. Os diálogos entre Scar e Simba, o silêncio, a sensação de que algo ruim está para acontecer; direção e roteiro trabalham para criar uma atmosfera que nos deixe aflitos e preocupados com o que estar por vir, e então aquilo acontece, destruindo nossos corações. Sim, a morte de Mufasa é uma daquelas cenas que marca (como se brinca, destrói) a infância de muita gente. Foi toda uma geração que pela primeira vez, teve contato ou consciência da morte, de perder alguém amado.

A Disney não teve medo de inserir esta lição e conceito, que a morte faz parte do ciclo da vida. Em tempos hipócritas, algumas animações e demais filmes pipoca hoje tentam esconder certos conceitos. Mas aqui, para termos uma melhor absorção da trama e seus ensinamentos, vemos um filhote chorar sobre o corpo do pai, e ainda é levado a acreditar que a culpa é dele e por isso acaba fugindo, quase morrendo. Esta cena devastadora causa um impacto emocional mesmo hoje e continua na memória. Uma verdadeira tragédia shakespeariana.

Outro ponto interessantíssimo do filme é a mudança de caráter de Simba. Antes um jovem que só queria curtir e se tonar Rei por achar isso legal, agora tem peso na consciência e foge da responsabilidade. Os ensinamentos do macaco guia Rafiki ecoam para nossa vida real, quando ele ensina Simba que o passado pode doer e não há nada a fazer, exceto seguir em frente e aprender dele. Existem responsabilidades de que não podemos fugir, por mais que tragam alguma dor. Achar este equilíbrio de viver bem consigo mesmo (hakuna matata) e enfrentar o passado sem deixar seu propósito, esse é o segredo. Há outros detalhes implícitos na animação. As hienas podem representar minorias marginalizadas sem o apoio da sociedade, que eventualmente podem ser utilizadas e manipuladas por algum líder político ambicioso.

Muitos falam sobre Timão e Pumba serem um casal gay que adotam uma criança. Embora em tempos de representatividade LGBTQI+ isso possa fazer sentido, o intuito da Disney na época era que eles fossem apenas dois amigos ajudando um filhote. Isso fica mais evidente quando percebemos que na verdade é Scar que apresenta traços “dissimulados e afetados” de forma pejorativa. Naquela época a Disney e o cinema em si implicitamente colocava vilões com características homossexuais, para talvez de forma conservadora e errônea, incitar que tal atitude era algo obscuro. Vide Pocahontas, Aladdin, A Pequena Sereia e outros, onde os vilões são caricaturas levemente inclinadas com tais características citadas.

Polêmicas à parte, a construção de Scar, com um jeito dissimulado, características assustadoras e expressões fortes tornam ele um dos grandes e maiores vilões do cinema. A cena em que ele pula entre as chamas na luta final, mostra uma feição quase demoníaca, tornando-o o mal em forma de leão.

Apesar de toda tragédia e da complexidade psicológica que a trama traz, no fim temos o esperado desfecho feliz. Afinal estamos falando de uma animação Disney. A batalha final, o Rei legítimo subindo ao trono, a redenção, a descoberta do verdadeiro causador da morte de Mufasa, a chuva lavando o fogo e as cinzas de uma terra já sem vida; tudo representa um reinício, o ciclo da vida conclui um estágio para começar uma nova etapa. O nascimento do filhote de Simba e Nala é a última cena, igual à primeira no nascimento de Simba. É poético, é reconfortante, a vida dá um jeito de voltar ao que deve ser. Basta aprendermos com as lições que ela dá. São mensagens universais, que por 25 anos ensina as crianças e os adultos de todo mundo.

Com menos de uma hora e meia, é um filme completo, que avança constantemente na narrativa, não deixando excessos ou brechas, mas funcionando redondo, como um ciclo. Ciclo da vida amplamente debatido durante o filme, o fato da morte e de novos começos fazerem parte da nossa jornada.



O Rei Leão é um destes filmes sagrados, intocáveis, no panteão dos melhores já feitos. Forte, emocionante e uma obra de valor inquestionável. Marcou os corações de pequenos e grandes cinéfilos. Com lições sobre perdoar a si mesmo, deixar o passado para trás, mas aprender com ele, fazendo aquilo que é necessário, cumprindo com o dever, mas seguindo suas próprias pegadas em vez de tentar seguir os passos exatos de alguém, o longa traz mensagens universais sobre encontrar a si mesmo sem deixar de lutar pelo próximo. Em tempos perdidos como os de hoje, obras como essas ajudam a nos lembrar de nunca desistir, de lutar, de aceitar coisas que não podemos mudar, mas também a aprender com isso e continuar em frente, conquistando nosso lugar no ciclo da vida.

Título Original: The Lion King
Direção: Roger Allers e Rob Minkoff

Duração: 89 minutos

Elenco: James Earl Jones, Matthew Broderick, Jeremy Irons, Nathan Lane, Ernie Sabella, Moira Kelly, Robert Guillaume, Rowan Atkinson, Whoopi Goldberg.
Sinopse: Mufasa (James Earl Jones), o Rei Leão, e a rainha Sarabi (Madge Sinclair) apresentam ao reino o herdeiro do trono, Simba (Matthew Broderick). O recém-nascido recebe a bênção do sábio babuíno Rafiki (Robert Guillaume), mas ao crescer é envolvido nas artimanhas de seu tio Scar (Jeremy Irons), o invejoso e maquiavélico irmão de Mufasa, que planeja livrar-se do sobrinho e herdar o trono.



Trailer:




Canções:


Cicle of Life dublada:




Cicle of Life original em inglês:




Can You Feel the Love Tonight dublada:





Can You Feel the Love Tonight original em inglês:




Galeria de imagens:








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